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título: mascate
data de publicação: 29/11/2021
quadro: picolé de limão
hashtag: #mascate
personagens: dona nanci, aninha e mascate

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para mais um Picolé de Limão, e hoje eu vou contar para vocês a história da dona Nancy, é uma história que já tem mais de 40 anos, quando a dona Nancy era uma jovenzinha trabalhadora. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha] 

A dona Nancy trabalhava numa fábrica — Desde muito jovem assim, 16 anos. — e ela juntava dinheiro para o enxoval. Ia comprando as coisinhas para o enxoval, porque o sonho dela — Na época. — era conhecer um bom rapaz e se casar. E, no bairro da dona Nancy, — Assim como aqui no meu bairro. — passava um cara vendendo cobertores, colchas, roupa de cama e de banho. — O que passava aqui em Santo André no meu bairro, o nome dele… Nome… Apelido dele era “Turco”, então ele tinha um carro lotado de roupa de cama e ele passava aqui vendendo e minha mãe e minha tia compravam. Então, assim, você comprava, geralmente você não tinha o dinheiro todo para dar, então ele parcelava em até umas quatro cinco vezes. Então você ia pagando por mês para ele, e aí todo mês ele passava… E aí você meio que acumulava dívida, porque aí no mês que ele passava próximo, ele te mostrava mais uma colcha… [risos]. 

Era um crediário informal, ele marcava tudo num caderno. Estou falando de como era aqui, o Turco… E era muito bom ver aquelas colchas, né? Aquelas… Eu sempre amei roupa de cama. Minha mãe também amava, minha tia também. Então, eu lembro um dia que minha tia falou: “Ai, Andréia, vai lá e dá o dinheiro do Turco, eu não vou nem lá ver porque senão eu vou pegar alguma coisa”, né? Porque aí você nunca sai dessa dívida, né? Só que aí eu cheguei lá para dar o dinheiro do Turco e tinha uma colcha muito bonita, amarela assim, minha tia amava amarelo… E aí eu falei: “Ai meu Deus do céu… Chamo ou chamo? [risos]”. Aí vim no portão e falei: “Tia, tem uma colcha amarela”. Eu não terminei a palavra “amarela” e ela já estava lá no carro. [risos] Ai meu Deus… —

Então, lá no bairro da dona Nancy apareceu um rapazinho… — Aqui o Turco já era um pouco mais velho, não era um rapaz jovem… Mas lá no bairro da dona Nancy era um rapaz… — Jovenzinho. E quando ela foi ver as colchas e tal, ela se encantou pelo vendedor de colchas. — E ele também ficou ali dando umas olhadas nela, né? — Então ela tinha um dinheiro guardado. Assim, não era para gastar tudo em roupa de cama, né? Porque era para um enxoval completo. — Na época da dona Nancy um enxoval e até panelas… Se você conseguisse comprar um jogo de panela estava muito bom, para guardar para o enxoval. — E aí ela escolheu ali um jogo de lençol bonito. — Para o enxoval, né? Não era ela usar ali na casa dela. — Deu uma entradinha e marcou. 

Então ela ia ver esse cara das colchas mais umas cinco vezes pelo menos… Uns cinco meses, até ela pagar tudo. E aí eles começaram assim com um flerte. Porque esse cara passou a frequentar o bairro ali da dona Nancy duas vezes no mês, ele não ia só uma vez por mês ali, só para receber e vender mais coisa. — Ele ia duas vezes no mês. — Então eles meio que se paqueravam. — Muito. — E, no terceiro mês que ele passou, a dona Nancy já estava com uma colcha já tinha também um cobertor que ela pegou. [risos] — Quer dizer, já tinha mais dívida, né? — Ele meio que pediu ela em namoro e roubou um beijo dela. 

Só que era um namoro assim, uma beijoca quando ele passava lá… Mas para dona Nancy já era um namoro, e ela falou pra ele assim: “se a gente vai namorar, então você tem que falar com meu pai, para formalizar esse namoro”. E ele falou para ela assim, falou: “Então, eu acho ruim conversar com seu pai agora porque a gente meio ainda tem uma dívida entre nós, então pode ser que pareça que eu estou te pressionando e alguma coisa, né? — E a dona Nancy ela pagava a colcha e o cobertor por mês, porque todo mundo pagava por mês, mas ela tinha o dinheiro que ela estava guardando há anos, né? — E aí ela falou: “ah, se esse é o problema, eu vou entrar, eu vou pegar o dinheiro e eu vou te pagar o que eu estou te devendo já, que aí fica certo o cobertor e a colcha”. — E aí ele não achou ruim, lógico, né? Ele ia receber tudo… —

E aí quitou lá a dívida da dona Nancy, e aí falou pra ela: “Bom, agora que você não tem mais dívida comigo, né? Eu preciso de um tempo para juntar o dinheiro de uma aliança para eu poder falar com seu pai”. [risos] E aí ela falou: “Tá bom”, mas depois ela ficou pensando…”Mas para a gente namorar só ele não precisa comprar aliança, né?”. E ela comentou isso com a colega dela da fábrica. — A gente vai chamar essa colega dela de Aninha. — E ela comentou com a Aninha, e a Aninha falou pra ela lá na fábrica, falou: “Esse cara tá querendo te enrolar”, “Não, Aninha, que isso… Ele é um bom rapaz, ele não queria que a gente tivesse dívida entre nós para falar com meu pai”, ela falou: “É, mas agora ele já botou uma aliança aí, quanto tempo, quantos meses ele vai demorar para juntar esse dinheiro para te comprar a aliança?”. 

E aí a Nancy ficou com isso na cabeça. — E eu não sei por qual lógica, ela resolveu fazer o que ela fez… — Na próxima vez que ele passou, ela falou para ele assim: “Quanto custa uma aliança?”, e aí ele falou: “Ah, é caro, né? Eu vou demorar aí uns seis meses pra juntar”. — Porque o que eu acho que esse cara queria? Ele queria só as beijocas, ele não queria namorar sério, não queria conversar com o pai da dona Nancy, né? [risos] — Aí o que dona Nancy resolveu fazer? Dona Nancy resolveu dar o dinheiro da própria aliança pra esse cara. — Ô, dona Nancy… ONG de macho, entendeu? [risos] — E aí enquanto ela tava lá conversando com o cara… — A mãe dela estava sempre por ali, de olho e tal, né? —

E esse cara tava falando para ela assim: “Então, a minha vida não é fácil, eu sou mascate”… — Mascate é o cara que é ambulante, que vende de porta em porta, né? — “Eu sou mascate, eu gosto disso que eu faço, mas não é fácil… Eu vou pegar esse seu dinheiro da aliança e a gente só vai se ver daqui 15 dias e não sei o que lá”. E aí a dona Nancy falou: “não, tudo bem, não tem problema”. — Só que, assim, gente… Vocês concordam comigo, se o cara realmente fosse comprar uma aliança, ele ia pelo menos medir o dedo da dona Nancy para saber o tamanho de aliança, né? — Mas ele só pegou o dinheiro assim e vazou. — Vazou… —

E aí o tempo passou, os 15 dias se passaram… O cara não passou de carro com as colchas e as coisas. Só que tinha um detalhe: tinha outras pessoas ali na rua — Pelo bairro. — que deviam para ele, porque todo mundo só comprova assim as roupas de cama e de banho, né? E aí, gente, passou mais uns 3 dias, um outro rapaz passou cobrando. Passou a pé cobrando as pessoas das colchas. Então, quer dizer, esse cara já não ia passar mais lá… E aí a dona Nancy se desesperou, ela pensou: “poxa, ele não vai passar mais, ele pegou o meu dinheiro da aliança e não vai voltar mais. E o pior de tudo isso, né? Ele não quer um compromisso comigo”. E lá foi ela chorar as pitangas pra Aninha. — Porque ela não podia nem contar para a mãe dela e para o pai que ela tinha dado dinheiro pra ele comprar uma aliança. Ia ser meio chato. —

E aí quando ela contou pra amiga, para a Aninha, a Aninha ficou doida… Falou: “Você é louca, que não sei o que, que isso, que aquilo”, e falou, falou, falou, falou… E aí agora não tinha o que fazer, né? O cara tinha sumido, ia mandar outra pessoa para cobrar ali o pessoal da rua dela. Só que assim, vocês concordam que, quando ele manda um cobrador, ele meio que deixa de vender… Então, o que a Aninha pensou? A amiga da dona Nancy. Falou: “Bom, ele vai fazer isso só na sua rua, nas outras ruas com certeza ele vai continuar passando, e a gente vai pegar ele”. — [risos] A Aninha… — Dona Nancy e Aninha trabalhavam das duas da tarde às dez da noite. — Turno, né? —

Esse cara das colchas ele passava de manhã, então vai, a cada duas quintas feiras o cara passava. — E aí passava não só na rua da dona Nancy, passava no bairro. — Então, o que elas resolveram fazer? Dar uma volta pelo bairro ali para ver se achavam ele, né? E aí lá foram elas procurar. Na primeira quinta—feira não acharam, na segunda quinta-feira não acharam, na terceira quinta-feira, numa rua bem mais distante, elas acharam o cara… [risos] Com ali o carro da roupa de cama. — E essa Aninha, o apelido dele era Aninha porque elas já tinham ali seus 20 anos, mas essa Aninha tinha uma aparência muito jovenzinha assim, parecia mesmo que ela era menor de idade, mas ela já tinha 20 anos… Ela era bem magrinha assim, baixinha, enfim. — 

E aí elas encontraram esse cara da colcha e elas foram falar com ele. Quando ele viu a doa Nancy, ele ficou branco. — Branco… Assim, um papel. — E aí a dona Nancy não conseguia falar, né? Já começou a chorar, coitada, porque ela gostava dele, né? — Não era nem uma paixão, mas ela gostava dele… Era uma possibilidade, como ela me disse, de, sei lá, casar… Aquele sonho, né? Achar um príncipe… E ele já tinha o carro que ele vendia as colchas, enfim… Achava que ele era um cara bem sucedido e tal, né? — E aí Aninha começou a falar, falou: “Então, você pegou o dinheiro da minha amiga aí da aliança, cadê o dinheiro da minha amiga?” Só que esse cara, ele já tinha usado o dinheiro. — Ele não tinha mais o dinheiro. — 

E aí a Aninha pensou… — Porque a dona Nancy só chorava. — Falou: “Bom, se a gente deixar ele escapar daqui agora, ele vai desaparecer. — E aí Aninha falou assim pra ele: “Se você não devolver o dinheiro da minha amiga, eu vou falar… — E ele não sabia se ela era menor ou maior de idade. Vou começar a gritar aqui e falar que você me engravidou e que agora você vai ter que casar comigo”. — Doida, né? Doida. — E aí ele muito assustado, ele falou: “eu não tenho mais o dinheiro, mas pode pegar aqui no carro o que você quiser”. — E olhando para Aninha, ele não conseguiu olhar para a dona Nancy que estava chorando. 

E aí a Aninha falou: “Vem, Nancy”, [risos] E aí elas começaram a pegar colcha, toalha, toalha de mesa… Um tanto que achava que dava o dinheiro que a dona Nancy tinha dado para o cara. E aí a dona Nancy meio que deu uma parada no choro quando ela viu que ela ia escolher as coisas, porque ela pensou no enxoval. — [risos] Aí engoliu o choro… E aí falou pra Aninha: “Não, não, pega daquela, da verdinha” [risos]. Na hora do vamos ver ela deu uma animada, né? — E aí, gente, elas não conseguiam nem carregar as coisas que elas pegaram, porque tinha que dar o valor, né? — De tudo que a [risos] Nancy tinha dado pra ele em dinheiro. — E aí ela saiu carregada de coisa… Quando ela chegou na casa dela, ela não tinha muito como explicar, né? Mas ela falou para mãe: “ah, ele fez uma promoção, eu comprei a vista e tal”. 

E como era o dinheiro dela, ela ajudava os pais em casa, dava a maior parte do salário para a mãe dela, mas esse pouquinho, era o pouquinho dela por mês que ela guardava, né? E aí a mãe dela não falou nada… Ela guardou várias colchas, dois cobertores, toalha de mesa, jogo de toalhas de banho… [risos] E ela falou que um dos cobertores… — Porque era uma coisa boa, né? Na época… — Que um dos cobertores ela tem até hoje, que ele está meio velhinho, mas ele está firme ainda, grossão, sabe? Cobertorzão bom. [risos] E aí graças a Aninha, né? Essa amiga dela que foi lá e ameaçou o cara de começar a falar que ela estava grávida dele… Falei: “Olha, ela também nem ligou para a época, essa coisa de reputação… Nem ligou para a própria reputação, o cara assustou e fez esse acordo”, que pelo menos dona Nancy não saiu no prejuízo, porque ela ia comprar essas coisas mesmo para o enxoval dela, né? E aí acabou só antecipando, apesar de perder aí o falso namorado. 

[trilha]

Assinante 1: Oi, gente, oi, Déia, aqui quem fala é Milene, eu falo do Rio de Janeiro. Essa história do mascate é, assim, sensacional. [risos] A Aninha é o ponto alto dessa história, mais uma heroína que não usa a capa. Dona Nancy, eu fiquei muito feliz que você casou…. Você vê que maluquice, que bom que vocês, dona Nancy e Aninha, conseguiram pegar esses itens aí, essas roupas de cama em troca do valor da aliança… Esse cara era um pilantra, salafrário, que mascate safado. E, Aninha, cara… Dona Nancy, mantenha a Aninha na sua vida, para o resto da vida. [risos] Muito bom, obrigada pela história. 

Assinante 2: Oi, gente, tudo bom? Aqui é Susana do Rio de Janeiro. E, dona Nancy, que história incrível. Homens sendo Picolé de Limão e fazendo esse tipo de coisa com mulheres desde que o mundo é mundo, né? Bom, naquela época não tinha a Déia para nos ensinar a não ser ONG de macho, mas tinha a Aninha, né? Que amizade é essa? Parabéns pela amizade e eu espero que você tenha feito muito bom proveito de todo o enxoval que você pegou nesse dia. Beijos. 

Déia Freitas: Passado esse tempo, dona Nancy se casou… Ficou casada vinte anos, separou… [risos] E ela disse que foi a melhor coisa que ela fez foi separar, então o sonho que ela tinha do enxoval e de casar rolou, mas que também não foi tão um sonho assim. Depois de vários Picolés de Limão aí que um dia eu volto para contar para vocês, ela se separou e agora está bem, tá feliz. Então é isso, gente, um beijo. 

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.