título: milharal
data de publicação: 23/10/2025
quadro: luz acesa
hashtag: #milharal
personagens: dona roseli e seu miguel
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para um Luz Acesa. – Primeiro, eu queria dizer que eu amo história de roça, então se você tem aí um Luz Acesa de roça, manda para mim. – E hoje eu vou contar para vocês a história da Dona Roseli e do seu pai, o Seu Miguel. – Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]Roseli morava na roça ali com seus pais e ela conseguiu um emprego que era numa pequena fabriquinha, só que ela era do turno que saía 10 horas da noite e o Seu Miguel, ele ia buscar… Lá na fábrica, eles tinham que andar bastante… A Roseli todo dia, às 10 da noite, para ela não voltar sozinha a pé. – Onde eles moravam não tinha ônibus, enfim, tinha que voltar ali a pé. – Porque eles tinham que passar por um caminhozinho que tinha dentro de um milharal. A Roseli disse que o pai dela tinha tipo um lampião de querosene, que ele acendia só quando eles chegavam lá na entrada da plantação de milho para atravessar, porque era muito escuro. E, geralmente, a Roseli não tinha medo, porque ela estava com o pai dela e tal… Só que tinha uma história que durante a quaresma tinha uma assombração, um fantasma que aparecia naquele milharal. Muita gente já tinha visto essa assombração do milharal.
E as pessoas diziam que era um homem de uns 50 anos, o cabelo dele parecia com a palha de milho… – Então a gente pensa, sei lá, num cabelo loiro, né? – E a pele dele, ele era muito branco… – Mesmo que você seja branco, se você é da roça, você fica queimado de sol, porque você trabalha na roça, enfim, né? – Quem viu tinha certeza que não era humano, ele era muito estranho… Ele andava quase rastejando. – Imagina um sapo… O sapo fica naquela posição dele e ele pula, né? – Este homem ficava com o joelho dobrado, meio para fora, assim, como se estivesse agachado, mas bem baixo, quase rastejando mesmo, com os braços bem abertos, com as palmas das mãos no chão e ele corria pelo milharal. Em todo lugar que tem muito mato, muita floresta perto, às vezes os bichos entram no milharal. Então, como você percebe? Você vê aquela movimentação nas plantas dos milhos, no pé de milho. [risos] Você vê às vezes ele baixando ou só se movimentando, se for um animal menor.
Mas se for um animal maior que vem pisando ali, empurrando aquele milho, você vê bem baixar, né? E era assim que você percebia se era um animal ou se era ele, porque o milho baixava muito e ele vinha muito rápido. E ele só aparecia nesses 40 dias da quaresma. Quem tinha encontrado com essa criatura, dizia que ele vinha muito rápido, derrubava a pessoa no chão, ficava em cima do peito da pessoa com as duas palmas da mão e ele fazia um barulho, tipo “aaaahhh” e a pessoa perdia os sentidos e depois ficava doente, ficava muito doente e tinha gente que morria. Essa era a história… Roseli e nem Seu Miguel nunca tinham visto essa criatura. E o seu Miguel, independente de ser quaresma ou não, ia buscar a Roseli na fábrica. Durante a quaresma, num dos dias que a lua estava bem assim, pertinho da gente, que você vê a lua bem bonitona, a Roseli até brincou com o pai que nem precisaria ligar ali o coisinho de querosene, que eles conseguiriam passar pela trilha, né? Ali entre os dois lados, milharal.
E aí o seu Miguel brincou e falou: “Não, eu vou acender, nem que não seja para a gente, mas que seja para você sabe quem”. E até aí a Roseli não tinha lembrado que eles estavam passando por ali na quaresma e que tinha realmente essa, sei lá, praticamente uma lenda, né? Para atravessar o milharal, eles demoravam, de cinco a oito minutos andando… – Então, assim, gente, é bastante milho, né? – E o seu Miguel sempre passava tenso por ali, então ele falava para a Roseli: “Vamos andar rápido”, pelo menos até atravessar o milharal ali eles andavam rápido e sem conversar muito. A trilha dava para passar uma pessoa do lado da outra, duas pessoas, né? Mas a Roseli sempre vinha um pouco atrás do pai, segurando ali a camisa do pai, porque o Seu Miguel andava mais rápido, né? E ela vinha ali quase correndo e o Seu Miguel andando muito rápido, quando de repente, eles começaram a ouvir aquele barulho das folhas ali daquele milharal… Como se elas estivessem sendo amassadas.
Na hora, o Seu Miguel parou e botou o braço para trás, assim, segurando a Roseli e já dando um se liga nela: “fica esperta”. Foi questão de segundos… De repente, a Roseli apareceu na frente deles, saindo ali do milharal, essa criatura… [efeito sonoro de tensão] E ele estava como um sapo, com as mãos e os pés no chão, mas os cotovelos e os joelhos dobrados assim para fora e bem abaixado. E ele tinha um cheiro de podre.e fazia esse “aaahhhh” e olhando para eles. Nessa hora, Seu Miguel gritou uma coisa… – E aqui, eu preciso voltar um pouquinho na história. – Quando o Seu Miguel era criança, ele tinha quase morrido… Uma vez ele entrou num rio e dizem que era um rio ali que também tinha uma entidade, uma criatura naquele rio e que dependendo de que ponto você estava naquele rio, ela te levava. E Seu Miguel ele foi levado, mas ele conseguiu subir e tiraram ele do rio ali praticamente morto. Só que na cidade do seu Miguel tinha um homem chamado “João”, que era tipo a pessoa que benzia ali, né? – Tem a benzedeira, ele é o benzedor. Essa é a palavra? Não sei. –
E seu João era chamado de “Seu João Feiticeiro” e Seu João fez uma coisa ali, né? Lógico que, acho que alguém fez respiração boca a boca, sei lá, no menino Miguel, mas ele voltou, mas ele estava muito fraco e o Seu João Feiticeiro fez um feitiço nele ali e que fechou o corpo dele. E Seu João Feiticeiro tinha dito: “Se alguma coisa te acontecer um dia, você chama por mim”. Quando Seu Miguel cresceu, uma vez comentou ali com sua esposa – que a gente pode chamar aqui de “Dona Josefina” -: “Imagina você, Josefina, que eu vou, em vez de clamar por Deus, eu vou clamar por pelo Seu João Feiticeiro” e ele nunca precisou pedir nada, nem clamar a Deus e nem clamar a João Feiticeiro. E na hora que essa coisa apareceu e veio para cima deles, Seu Miguel lembrou e falou: “Valei-me, João Feiticeiro”. Segundo João Feiticeiro tinha dito para ele, todo mundo tem um dia certo para morrer, mas esse dia pode ser abreviado por muitas coisas, muitos fatores externos, né? E depois você volta para cumprir esse tempo, ou quem não consegue fazer a passagem fica cumprindo esse tempo, vagando pela terra… O que o São Miguel pensou ali na hora? “Se for a minha hora, vai ser chamando o seu João Feiticeiro ou não. Se não for, talvez ele me socorra”.
Seu João Feiticeiro já tinha morrido há muitos e muitos anos… E quando essa criatura veio correndo, o Seu Miguel se botou na frente da Roseli e falou,: “Valei-me, João Feiticeiro”, só que essa criatura chegou a pegar na perna dele… E aí a Roseli falou que ela estava de olho fechado, ela só viu um clarão assim e essa criatura saiu correndo de novo para dentro do milharal. O Seu Miguel começou a correr, puxando a Roseli, porque a Roseli ficou meio paralisada até que ele saíssem do milharal… E quando eles chegaram em casa, a perna da calça do seu Miguel, tava com uma marca como se ela tivesse podre… Sabe quando o tecido fica podre? Tava meio rasgado, meio puído e a perna dele tinha uma ferida. – Ela disse: “Andréia, se fosse hoje, talvez eu achasse que meu pai estava com uma erisipela e que não tinha a ver com aquilo que aconteceu, mas na época, era uma ferida muito estranha, que não sarava e que ele tinha ido para outra cidade para ir no médico, enfim”, chegaram assustados, contaram ali, mas, assim, a vida seguiu, porque era assim, tinha assombração na roça, mas você não tinha para onde ir, né? No dia seguinte eles estavam lá no milharal de novo. Não tinha outro caminho e foi só aquela vez que eles viram a criatura…
E aí ele foi, tentou com curativo, com tudo nessa ferida, até que ele achou uma mulher numa outra cidadezinha do lado que também benzia e macerava ervas, essas coisas… E ele foi nessa senhora e ela passou umas coisas para ele passar nessa ferida e disse para ele que essa ferida não era da Terra. Ela tinha que fazer muita oração ali, né? Em cima daquela perna e tal e ele tinha que pôr um preparado de ervas que ela tinha feito. E aí, depois de muito tempo, o Seu Miguel conseguiu curar essa ferida. – Uma curiosidade… – Seu Miguel morreu ali com 79 anos de alguma doença do coração… Quando foram vestir o Seu Miguel para botar ele no caixão ali, a ferida da perna dele estava aberta de novo, ele tinha uma cicatriz no lugar e a ferida estava aberta. Ninguém lembra se um pouco antes disso ele bateu a perna, sei lá, em algum lugar, porque era bem assim, na canela, sabe? Na parte de baixo, quase no tornozelo ali, um pouquinho mais para cima. Mas Roseli diz que, de fato, a ferida, que ela acha que realmente era a ferida, que a curandeira disse que era espiritual, abriu de novo…
E até hoje ela tem essa preocupação com o pai dela, com a alma do pai dela… Se de repente isso prejudicou ele de alguma forma, né? Porque muita gente ficava doente, tinha contato com essa criatura ou morria dias depois. E ele conseguiu se livrar, mas depois de morto ou no leito de morte, porque assim, Roseli falou: “Ninguém olhou para a perna dele, né?”, essa ferida voltou… O que vocês acham?
[trilha]Assinante 1: Oi, nãoinviabilizers, eu sou a Rose, de São José dos Campos, São Paulo. História de assombração de roça é a melhor que tem… Eu fiquei super nostálgica porque eu lembrei da época que a minha bisa e as irmãs dela juntavam a gente para fazer pamonha de domingo e ficavam contando histórias para os netos, para os bisnetos e tudo mais. Eu fiquei reflexiva de como a gente vai perdendo o contato com esse tipo de tradição, porque essas pessoas já viraram estrelinha, né? Quem tiver ainda acesso e contato com pessoas que têm essas histórias, curte bastante porque depois a gente sente falta. É isso, um abraço.
Assinante 2: Oi, nãoinviabilizers, eu sou a Paula de São Paulo. Ai, fiquei com medo, hein? Imagina o desespero de quem deu de cara com essa criatura horrenda, né? Imagina o seu desespero, do seu pai, e para salvar você, né? Ele lembrou do João Feiticeiro… Que bom que João Feiticeiro ajudou a você e seu pai a passarem aí por essa criatura, que essa criatura aí não fizesse mais mal a vocês. Uma pena que seu pai teve um machucado, enfim… Não saberemos se esse machucado aí tem alguma coisa a ver com ele estar ou não bem aí no plano astral, mas oramos que esteja bem, que ele esteja aí fazendo a sua caminhada. Um beijo.
[trilha]Déia Freitas: Comentem lá nosso grupo do Telegram, sejam gentis com Dona Roseli. – Deus me livre… – Um beijo e eu volto em breve.
[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]