Skip to main content

título: morto
data de publicação: 29/06/2023
quadro: luz acesa
hashtag: #morto
personagens: wellington

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra um Luz Acesa. E hoje eu vou contar para vocês a história do Wellington. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha]

O Wellington ele sempre foi aí um cara muito baladeiro, assim, e sempre foi de ficar na balada até o final. Então, até acabar a balada, o Wellington tava lá, firme e forte. E ele ia com os amigos e tal de turma, às vezes alguém tinha carro, às vezes não… — O Wellington não tem carro. — Então às vezes ele voltava de ônibus… — Eu fiz muito isso, balada quando você tem que voltar de ônibus, você tem que esperar até 04h30, 05h00 pra ter ônibus. — Então, o Wellington era desses, mesmo que os amigos quisessem ir embora mais cedo, se ele tivesse gostando da balada ali ele ficava e show de bola. Eu me identifiquei demais com essa história do Wellington porque ele também, quando ele saía da balada de manhã, de madrugada, ele arrumava algum lugar para comer. 

Uma época da minha vida, eu ia muito num bar de rock chamado Morrison Rock Bar e, do lado do Morrison, quando você saía de madrugada, tinha uma barraca de pastel, então já era de lei de eu passar naquela barraca para comer um pastel de palmito ali junto com a minha amiga. E a gente comia um pastel, tomava um caldo de cana e depois ia para o ponto… Para o ponto de ônibus, não tinha nem metrô ainda naquela parte, não tinha linha amarela. A gente ia para o ponto de ônibus para pegar um ônibus, para depois chegar num lugar que tinha estação de metrô para pegar o metrô e depois o trem. Era essa nossa vida… E o Wellington também sempre fez isso, né?

Depois que acabava a balada, ele saía pra comer e, numa dessas, os amigos dele tavam numa balada e ele tava a fim ali de uma garota e tal, só que a garota dava mole e não dava mole e tal, os amigos resolveram ir embora e ele falou: “Não, eu vou ficar, que eu ainda estou aí pra pegar essa garota. Quero.” e ele ficou ali nessa balada, só que uma hora a menina foi embora e não rolou, ele falou: “Puts, agora eu não tenho mais carona, eu tenho que ficar aqui até dar umas 05h00 pra poder ir embora”. [efeito sonoro de música animada] Quando foi dando 04h30 ali, Wellington pegou a sua comanda, pagou… Ele tinha bebido muito pouco, então, sei lá, tomou duas cervejas, não estava bêbado assim, nada, zero bêbado. E, quando ele saiu, ele viu que na esquina, do outro lado da rua, tinha um trailer grande de cachorro-quente e ele falou: “Poxa, eu vou comer um cachorro quente…”. Tinha umas mesinhas, essas mesinhas de metal assim, né? Quadradinhas, que você abre. 

E ele falou: “Pô, vou sentar na mesinha, comer um cachorro-quente e tomar uma coca, aí já vai dar cinco e pouco, já tem meu ônibus”. O Wellington chegou no trailerzinho ali de cachorro-quente e falou: “Me vê um completão aí, prensado” e sentou na mesinha, pegou a coca, abriu, botou um canudo e ficou ali. Conforme ele estava ali sentado, um rapaz se aproximou… Era um rapaz vestido, assim, como se tivesse também ido na balada, estava de camiseta, calça jeans e tênis. O rapaz sentou com ele na mesa e começou a conversar… Só que o Wellington falou: “Mano, que estranho, né? Será que ele quer um cachorro-quente?”, só que estava ali dando ideia. E tinha mais gente ali também pedindo cachorro quente, então ia demorar um pouco para sair o cachorro quente dele. E aí ele pensou nisso e falou: “Pô, as outras mesas estão ocupadas, de repente, o cara vai dividir mesa aqui comigo, né?” e não pensou muito no assunto, né? Aí o cara começou a falar para ele, falou: “Oi, tudo bem?”, aí ele falou: “Beleza, cara, tudo firmeza, né?” e ele falou: “Ah, então, eu estou por aqui também, você vem sempre aqui nessa balada? Fica cheia de gente e tal… Eu moro em tal lugar”, tipo, era um lugar longe… 

Aí o Wellington já foi achando que ele ia pedir dinheiro, alguma coisa, né? Aí o cara falou: “Pô, mas eu não consigo… Cara, eu não consigo mais achar minha casa, eu não consigo, não consigo voltar para casa” e o Wellington ali num papo, achando que era um papo estranho, sabe? Ele falou: “Pô, esse cara vai me pedir alguma coisa… Ou será que vai tirar uma arma aqui e vai me assaltar? Sei lá, tá estranho”. E aí o cara continuou falando, até que o Wellington falou: “Pô, cara, você quer é um cachorro-quente? Eu te pago um cachorro-quente aí. Você precisa de um dinheiro pro ônibus? O que que é?”, aí o cara falou: “Poxa, eu até estou com fome, mas eu não consigo comer” e continuou conversando e tal. E aí o pessoal foi pegando seu cachorro-quente, sentando e tal, e aí o Wellington falou: “Cara, eu vou pedir um cachorro quente pra você e a gente continua aqui conversando, firmeza?” e o cara ficou quieto. 

O Wellington levantou, foi até onde tava, tipo dois chapeiros ali dentro do trailer e falou: “Cara, o meu prensado tá pronto? Eu queria mais um cachorro-quente ali pra aquele fera”, virou pra mesa e falou: “Cara, você quer completão?”. O chapeiro ficou olhando pra cara do Wellington e falou: “Pra quem?”, “Pro cara ali que está sentado na mesa comigo” e a coca do Wellington estava lá em cima da mesa. O chapeiro virou pra ele e falou: “Cara, eu não sei se você tá muito louco, mas não tem ninguém sentado com você… Você tava ali na mesa falando sozinho”. E aí o Wellington virou pra falar pro cara, falar: “Mano, você que está viajando, ó o cara ali”, quando ele virou, cadê o cara? A cadeira estava até encostada… E, quando o rapaz chegou, ele puxou a cadeira e sentou, o Wellington viu isso. — O Wellington viu isso… — E a cadeira estava até puxada, não dava tempo do cara sair correndo, nada… O Wellington ia ver… Não tinha ninguém na mesa do Wellington. Aí ele olhou em volta e viu que as pessoas estavam olhando pra ele, porque provavelmente mais gente viu o Wellington falando sozinho, conversando sozinho… 

E aí o Wellington então pegou, já estava de pé, o cara falou: “Pô, seu prensado tá pronto aqui, né?”, ele já tinha dado o dinheiro, já estava pago… E aí o cara também olhando pra ele estranho, tipo: “Esse cara tá drogado” o Wellington falou que acha que ele pensou isso, né? E aí ele voltou pra a mesa, comeu que nem sentiu o gosto do cachorro-quente e ficou pensando nas coisas que aquele cara estava falando, porque agora o papo fazia sentido… O cara não conseguia achar a casa dele, não conseguia voltar pra casa dele. O cara estava com fome, mas não conseguia comer… E aí o Wellington foi achando que ele conversou com um espírito de alguém que estava perdido e não conseguia encontrar a casa. E aí, conforme o Wellington estava comendo ali, sem sentir o gosto, pensando nisso, ele começou a tremer, porque aí caiu a ficha dele. Falou: “Porra, tava aqui conversando com um fantasma?” e meio incrédulo… 

Ele terminou de comer, pegou ali a latinha de coca, jogou no lixo e tal e foi indo para o ponto de ônibus. Quando ele está indo a pé, cinco e pouco da manhã para o ponto de ônibus, [efeito sonoro de tensão] o rapaz aparece de novo do lado do Wellington. E aí o Wellington já assustou e pensou em correr, mas na cabeça do Wellington, ele falou: “Andréia, foram segundos…”, eu falei: “Mano, ele é fantasma, ele vai me alcançar onde eu for, eu vou então trocar uma ideia”. Olha o Wellington…. E aí ele falou: “Cara, eu vou te dar um papo aqui… Você tá morto”. E aí o rapaz que estava conversando ali… Que tinha voltado pra conversar como se nada tivesse acontecido. O rapaz foi ficando bravo, foi ficando estranho e o Wellington falava só assim: “Você tá morto, você tá morto” e o Wellington falou: “Andréia, depois eu fiquei até, assim, me sentindo culpado, porque eu devia ter falado pro cara “procura uma igreja”, sei lá, mas eu não conseguia falar nada. Eu falei: “Cara, você tá morto, cara… Você não é mais daqui. Você tem que procurar outro lugar, você não é mais daqui, mano” e o cara foi falando: “Não, não, não” e ficando bravo e ele desapareceu na frente do Wellington. 

E aí o Wellington foi andando, assim, meio sem rumo, chegou no ponto de ônibus e com medo do cara aparecer de novo, mas o cara não apareceu… E isso era uma sexta-feira. Final de semana todo o Wellington ficou perturbado. Quando foi domingo à noite, a mãe dele é evangélica e ele foi na igreja, foi junto com a mãe pra ouvir ali a palavra do pastor e tal, mas não adiantou em nada. Resumo: Wellington teve que começar uma terapia. O Wellington tá fazendo terapia e ele falou: “No final, Andréia, me ajudou até em outras coisas… Mas eu comecei a terapia porque eu encontrei um mano na rua, um cara que não era cara, não era gente, ele era fantasma. Você olhava para ele e ele, para mim, ele parecia carne e osso. Normal assim… Legalzão igual a gente tá aqui”. Só que, assim, o tempo todo que o Wellington tava conversando com ele lá na frente do trailer lá de cachorro-quente, ele sabia que tinha alguma coisa errada, mas nunca imaginou que fosse isso. Ele achou que, sei lá, de repente o cara ia pedir alguma coisa, sabe? Ou o cara ia assaltar ele… Não imaginou que fosse uma pessoa que não existia mais. — Que era um fantasma. —

Só a hora que os chapeiros lá falaram pra ele que ele estava conversando com ninguém e que ele olhou em volta e as pessoas estavam reparando nele, olhando estranho assim, que ele falou: “Eu estou vendo uma assombração, só eu estou vendo”. E aí o Wellington falou: “Andréia, eu nunca acreditei nessas paradas de coisa sobrenatural, nunca… Sempre dei risada, sempre achei paia, sempre achei que isso é coisa da cabeça. Aconteceu comigo…”. — E não faz muito tempo, tem dois, três… Antes da pandemia, um pouco antes da pandemia rolou isso aí com o Wellington. — Então é isso, assombração aí, esse cara, esse mano… Ele falou: “Podia ser meu brother, mano mesmo… E o cara tava morto”. Aí agora o Wellington às vezes pensa nesse cara do tipo: “O que será que aconteceu? Do que o cara morreu?”. Porque, assim, não tinha nenhum sinal nele. Ele falou: “Se de repente o cara tomou um tiro, na roupa dele ali não tinha nada, não tinha nenhuma marca de tiro, não tinha nenhum sangue, não tinha nada”. 

Essa história ele contou para pouquíssimas pessoas, ele falou: “Andréia, se eu chegar na minha quebrada falando que eu conversei com um cara que não existe, entendeu? Eu vou ficar desmoralizado”. Então ele contou pra pouquíssima gente… Contou para a mãe dele que é da igreja, na época fez umas campanhas de oração para ele e tal, mas nunca mais ele viu. E ele nunca mais voltou naquela balada, nunca mais… Não consegue passar nem na rua, porque é uma rua que tem vários bares, várias baladas e tal. Ele não consegue mais nem ir nessa rua com medo de, como ele disse, “trombar esse maluco aí de novo”. Então você vê que louco? Ele falou que quando ele estava com medo ali, ele só falava pro cara: “Você tá morto, você tá morto, você tá morto”. Então é isso… E o Wellington também não acreditava, como eu. — E eu não quero, gente, não quero ser testada, não. Deixa pra lá essa coisa aí de assombração. — 

Mais uma vez a minha revolta de você não saber se a pessoa é viva ou é morta… Custa ter uma luz, uma coisa em volta, uma névoa? Qualquer coisa… Porque aí você já corre, né? Agora, a pessoa vem aparentando carne e osso, eu fico revoltada… Então é isso, essa é a história do Wellington… [riso] E o título do e-mail dele era: “Encontrei um mano que não existia”, é isso…


[trilha]

Assinante 1: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, aqui é Bruna, eu sou de Contagem, Minas Gerais. Que susto… Você cair a ficha de que você está conversando com uma pessoa que já não existe mais. Mas daí eu me lembrei que a família do meu marido é espírita, tem muito conhecimento dessa parte espiritualista e eles falam que balada geralmente é um lugar onde se reúnem muitas pessoas desencarnadas que estão a procura de saciar os vícios, seja de bebida, de drogas… Essa busca por satisfação, alguma falta nessa vida pós morte, né? E eles falam que principalmente quem está vibrando na mesma energia ou que tem uma abertura espiritual maior, Às vezes atraem essas pessoas desencarnadas. Eu acredito que talvez seja isso, às vezes o cara seguiu o Wellington desde a balada até o lugar onde ele conseguiu se comunicar, que foi na barraca do cachorro-quente, né? Um abraço pra todo mundo. 

Assinante 2: Olá, Não Inviabilizers, aqui é a Paula de São Paulo. Tô rindo aqui pelo final, né? [risos] A Déia indignada que a gente não tem como saber o que é alma, o que é um espírito ruim, um espírito bom, o que é uma pessoa, né? Mas que tenso aí quando você se deparou que estava falando com uma alma penada, né? Que talvez tenha morrido na balada ou próxima e só queria uma ajuda. Acredito que não era uma alma ruim, mas foi o meio que esta alma teve para pedir um auxílio. Espero que até hoje nunca mais você tenha tido nenhum tipo de visão, nem com ele, nem com outro. Mas é isso, espero que você também esteja muito bem. Um beijo. 

[trilha]

Déia Freitas: Então eu fico por aqui, Deus me livre, sempre falo isso, mas fico revoltada com assombração que parece gente. Um beijo, gente, e eu volto em breve. 

[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.