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título: nariz
data de publicação: 04/06/2021
quadro: picolé de limão
hashtag: #nariz
personagens: dona aurora

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta] 

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão. E hoje eu não tô sozinha, quem tá aqui comigo é a Intimissimi. — Publi chique. — Em comemoração ao Dia dos Namorados, a Intimissimi preparou um concurso cultural aqui pra gente, vocês acreditam? — Tipo um concurso cultural nosso. — E o nome do concurso é “Feito com amor, Intimissimi”, e tá molezinha. Se você tem uma história fofa, engraçada, curiosa, romântica, qualquer história envolvendo uma lingerie, uma camisola, um pijama, um hobby, escreve pra mim. Euzinha vou escolher uma dessas histórias pra contar aqui e a pessoa dona da história escolhida vai ganhar — Olha só — um kit Intimissimi com dois kits de lingerie, sendo duas calcinhas e dois sutiãs, um hobby, uma nécessaire, uma vela, uma caneca, um kit de sais de banho e uma máscara, tudo da Intimissimi.

As lingeries e o hobby, lógico, de acordo aí com a numeração da pessoa que ganhar. E pra participar, além de mandar a história pra mim até o dia 18 de junho, no meu e-mail naoinviabilize@gmail.com, você precisa seguir o meu perfil e o perfil da Intimissimi no Instagram, e eu vou deixar o link aqui que tem tudo explicadinho, aqui na descrição do episódio… E, nossa, tô me sentindo, né? Adoro. Um concurso cultural nosso? Então vamos lá, gente, manda história aí. Intimissimi, design italiano feito com amor.

Agora vamos lá, vamos de história. E, assim, terceira vez que eu gravo essa história, porque meus cachorros estão impossíveis, Coentro Nenê já mordeu aqui o meu microfone, enfim, [suspiro] queria voltar para o estúdio, mas por enquanto, né? Pandemia… Vocês estão ouvindo os pássaros? Tem essa também, eu tenho um pé de amora gigante aqui e aí os passarinhos ficam enlouquecidos brigando por amora, e é a briga da amora. Mas vamos lá, eu vou contar pra vocês hoje a história da Dona Aurora, foi ela que me escreveu, ela é uma senhorinha ótima, sessenta e três anos, acho que nem é uma senhorinha, é uma senhora, maravilhosa. E a história dela é a história que motivou o divórcio de Dona Aurora, vamos que vamos, vamos de história.

[trilha]

Dona Aurora vem de uma cidade e de uma família bem antiquada assim, onde mulher estudava pouco e se casava logo, e foi isso que aconteceu com ela. Ela lutou muito pra conseguir estudar até o terceiro colegial, pelo menos, mas assim que ela se formou ela teve que casar. E aí ela casou com um traste. — Palavras de Dona Aurora, a gente não vai dar nem nome pra este homem. — E por que um traste? Porque ele era um cara que ele não estava nem aí pra ela, ele tratava ela mal, — Bem mal — não era violento, não gritava, mas assim, ela estando ali, não estando, era a mesma coisa, ele reclamava da comida dela, reclamava do jeito que ela criava os dois filhos que eles tiveram, ele reclamava de tudo e tratava ela mal. 

Além de trabalhar, esse cara ele era maluco por sinuca, participava de torneio de sinuca, então se ele não estava trabalhando, ele estava na sinuca. E aí, palavras de Dona Aurora: “em casa não existia bola na caçapa”. [risos] — Eu nem entendo essa gíria de sinuca, mas, né? A gente já entendeu o que faltava em casa, [risos] né, Dona Aurora? — E a Dona Aurora se sentia muito mal com tudo isso. E autoestima lá no pé, né? E ela começou a ficar depressiva, mas ela achava que a vida era assim mesmo. Então os filhos cresceram, se for formaram, e Dona Aurora achava que ela ia viver a vida toda com este homem. E, quando Dona Aurora era criança, ela sofreu um acidente assim, um acidente doméstico e ficou com o nariz torto e aquela coisa, né, gente? Se você não tem dinheiro, você vai levando a vida com o nariz torto mesmo. Então era uma coisa que incomodava muito a Dona Aurora, mas ela sabia que o marido jamais ia dar o dinheiro pra ela operar ou ela teria condição de operar, então era uma coisa que incomodava muito a Dona Aurora. 

Um belo dia, a mãe desse senhor traste ficou doente numa outra cidade do interior e ele foi pra lá, quando ele estava há um mês já lá, então Dona Aurora sozinha em casa, ele telefonou pra ela e falou que não ia voltar mais, que não ia voltar mais, que a vida dele estava melhor ali com a mãe dele, com os amigos dele de infância e o pessoal da sinuca de lá e deu uma banana pra Dona Aurora, falou: “Não vou voltar mesmo”, ela ficou muito abalada, chorou muito, porque assim, bem ou mal, era a única realidade que ela tinha… Era aquela vida com aquele traste e ela não sabia por onde começar. Ele falou que ela podia ficar na casa, que a casa estava no nome dos dois mesmo, então depois que os dois morressem os filhos vendiam e dividiam o dinheiro, né? Mas até então ela podia ficar na casa porque ele ia morar lá com a mãe dele. E aí ele falou: “Olha, eu vou continuar pagando a água luz, o IPTU e vou te dar aí um dinheiro pra feira”, que a feira seria a compra do mês e tal pra ela comer, e era só isso que ele dava. 

Ela falou que ela não passou necessidade, mas ela não tinha dinheiro pra mais nada, porque ela não trabalhava, né? Não fazia nada. E ela estava bem deprimida, né? E aí ela teve uma ideia… Por que o que esse traste falou? Que além dessas coisas, o que ele ia pagar? Então, se precisasse de uma manutenção no telhado, consertar alguma coisa, ele mandava dinheiro e aí, gente, ao longo de dois anos ela foi pegando o dinheiro deste homem pra consertos que não existiam. Então ela foi mentindo pra ele que “Ah, precisa trocar uma parte do telhado”, coisas grandes, tipo, “Agora precisa trocar toda a fiação”, e ela foi pegando o dinheiro, juntando o dinheiro com o objetivo do que? Consertar o nariz. [risos] — Dona Aurora é ótima. — E ela foi pegando esse dinheiro dele e foi juntando, até que ela passou numa consulta com uma cirurgiã plástica particular, explicou que ela queria ter noção de quanto custava pra ela arrumar o nariz, porque ela estava juntando o dinheiro e a cirurgiã plástica deu o preço, ainda falou que dava um desconto pra ela, porque ela podia operar no hospital tal lá. — Sei lá, o acordo que elas fizeram. — E aí ela já tinha uma meta, né? Que era juntar tanto pra poder operar. 

Ela juntou e operou o nariz, gente. — Era o sonho de Dona Aurora deixar de ter o nariz torto. — E aí conforme o nariz foi desinchando e o olho foi deixando de ficar roxo, e esse traste, ele não ficou sabendo de nada, os filhos sabiam que ela fez a cirurgia plástica, mas o traste lá não. E, conforme ela foi vendo que o nariz dela ficou bonito, ela foi sentindo vontade de passar uma tinta no cabelo, pôr uma roupinha mais bonita que uma nora dela dava, porque as noras davam muita força pra ela, sabe assim? “Ah, se arruma mais, se cuida um pouco, vamos fazer a unha”, e aí ela foi entrando nessa das noras e uma das noras fazia caminhada, elas moravam no mesmo bairro e ela começou a fazer caminhada com a nora, e foi ficando bonita assim, foi se sentindo bonita, né? E aí a outra nora já falou: “Olha, tem uma faculdade particular aqui da nossa cidade — Que eles moravam todos na mesma cidade, né? — que tem bolsa pra terceira idade, — Nem é terceira idade, acima de cinquenta anos, uma coisa assim… — e você vai lá faz o teste, vamos ver se consegue a bolsa”. 

E ela conseguiu a bolsa, começou a fazer faculdade, e aí quando esse traste viu que ela estava bonita, — Porque as vezes ele vinha pra cá pra ver os filhos, os netos, né? — Viu que ela estava bonitona, ele pegou as coisinhas dele lá do interior da casa da mãe dele e voltou pra casa, gente. — Voltou. — Só que ela não queria mais saber dele, tinha ranço dele, não queria mais saber, ela estava se cuidando, estava se sentindo bonita, estava fazendo faculdade, tinha arrumado um estágio e tinha arrumado um peguete oito anos mais novo. — Tá bom pra vocês? Dona Aurora maravilhosa. — Estava com a vida toda caminhada já, coisa que ela nunca imaginou, e o que deu, né? O start ali, o primeiro passo, foi arrumar o nariz. — Que era uma coisa que incomodava ela muito. —

Só que aí esse véio voltou e se encalacrou ali dentro da casa, que não saía mais e queria retomar o casamento, e ela falou: “Não, não quero, você quer ficar aqui dentro da casa? Então vamos vender a casa”, vamos vender a casa, vamos vender a casa… E nessa de falar que vai vender a casa, ele foi subir pra pegar um negócio lá em cima da garagem, caiu da escada, quebrou o quadril… — Ó, que beleza. — E aí ele ficou, ia ficar um tempo na cadeira de rodas até se recuperar e ela ficou cuidando dele… Só que aí ela combinou com os filhos de revezar, porque ela tinha estágio, tinha faculdade, estava com a vida toda corrida, Dona Aurora. E este homem, gente, nunca que o quadril dele ficava bom, ia pra fisioterapia, porque o filho levava, e tomava os remédios, ela que dava os remédios, via que ele engolia os remédios e não ficava bom esse homem… — Não ficava bom. — Quase um ano na cadeira de rodas, ela tendo que cuidar dele e ele não ficava bom. 

Até que um dia ela saiu cedo do estágio e, conforme ela foi chegando perto de casa, ela escutou uma música, e uma música alta, uma música alta, que ela entrou na cozinha, ele estava… Este senhor estava em pé na pia descascando uma manga e dançando, e a cadeira de rodas ali do lado. [risos] — Tipo, um milagre. Vocês acreditam que esse cara estava fingindo que ele estava ainda precisando da cadeira de rodas e ele já estava até dançando? — Dona Aurora ficou puta, chamou os filhos, e falou: “Olha, aqui eu não quero mais ele… Ou eu saio ou ele sai”, ele sentou de novo na cadeirinha e falou que ela estava mentindo. — Olha que véio sonso. [risos] — E aí acabou que ele foi pra casa de um dos filhos, né? Pra ser cuidado na cadeira de rodas, só que aquela coisa, quando você não tá na sua casa, você não tem certas mordomias, né? E as noras já sabiam que ele era tosco, então elas não davam trela pra ele. 

E aí ele não aguentou, levantou da cadeirinha de rodas por um milagre e voltou pra casa da mãe, porque aí Dona Aurora já tinha trocado as fechaduras da casa e falou: “Não, pra cá você não volta”, e aí ela pediu o divórcio e ela se formou na faculdade, hoje ela trabalha e tá ótima de nariz novo, não se juntou com aquele cara lá, já teve mais dois namorados, disse que não quer mais morar com ninguém, só quer aí viver. [risos] — Ter os namoradinhos dela e tá ótimo, né, Dona Aurora? — Então ela queria que eu contasse a história dela porque ela acha que tem muita dona de casa como ela, que acha que “Ah, já passou, né? Dos 50, e não tem mais nada pra viver, tem que ficar com esse traste mesmo”, e ela pensava assim também… E se não fosse ele ter saído de casa ela, provavelmente, estava com ele até hoje. 

E nossa, né? Que bom que esse nariz foi consertado e que foi ali o primeiro passo pra tudo. Então essa é a história da Dona Aurora, ela queria que eu compartilhasse com vocês. Eu tô adorando receber aí as histórias de gente mais velha, né? Tem muito idoso e gente com mais de cinquenta, de sessenta anos me escrevendo. Por favor, me escrevam, contem suas histórias, eu já recebi umas aqui ótimas, e eu vou contando pra vocês. 

[trilha]

Assinante 1: Olá, aqui é o Rodrigo Basso, de Rio Claro, interior de São Paulo. Eu ouvi a história aí da Dona Aurora e eu acho que ela tá mais do que certa de ter engabelado o marido pra conseguir arrumar o dinheiro pra conseguir consertar o nariz dela. O cara tinha ido embora mesmo, falou que foda-se, “Olha, fica com Deus, eu vou com Deus”, né? E tudo mais… Então assim, eu acho que diante dessa situação toda, eu acho que a gente tem que tirar o melhor proveito com as pessoas que faz esse tipo de coisa com a gente. Então eu acho que ela estava certinha, sabe? Foi lá e deu, fez o que precisava fazer, acertou tudo que precisava fazer e conseguiu o que ela queria, acabou. E também não tem compromisso nenhum em voltar depois que ele queria, porque foi ele tinha ido embora mesmo, não é? Então acho que tá tudo certo, acho que Dona Aurora ela fez muito bem. 

Assinante 2: Oi, gente. Aqui é Domenica de São Carlos. E, Dona Aurora, a senhora é mesmo uma mulher porreta, hein? Tá certíssima de utilizar esse gerenciamento do planejamento familiar de sua família e utilizar o dinheiro do jeito certo, né? E chega de boy lixo, isso serve para todas as Auroras desse país e desse mundo, a gente tem que aprender mesmo a se amar e a se libertar das coisas ruins. Arrasou, Dona Aurora. Adorei a sua história e, né? Quem gosta de passado é museu e historiador que estuda isso, mas não é nem porque gosta tanto, só quer entender mesmo. Um beijo pra vocês. 

Déia Freitas: Um beijo e até amanhã.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.