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https://open.spotify.com/episode/7xWVnpr5bkE3jnKrZyt9PG?si=2RjIKvBmRWiMmItHeQ-4bA&dl_branch=1

título: o jogo virou
data de publicação: 25/08/2021
quadro: picolé de limão
hashtag: #jogo
personagens: selma

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta] 

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de limão, e hoje eu vou contar pra vocês a história da Selma. A história da Selma, assim, deixa uma galera que a conhece dividida. — Tem gente que acha que ela fez certo, tem gente que acha que ela não fez certo… — E aí ela me escreveu pra poder saber de mais gente, o que as pessoas acham, então vamos lá, vamos de história. 

[trilha]

A Selma, quando ela tinha 19 anos, ela conheceu um cara, o pai dela não deixava namorar e aí o pai dela falou: “Olha, ou casa ou termina com isso aí”, e aí a Selma casou. Era uma outra época, né? Uma época você focava mais em construir uma casa, né? Em ter um lar, do que nos estudos, essas coisas. — Pelo menos pra mulher era assim, né? A gente tinha bem menos oportunidades. Não que isso tenha mudado muito, né? — E aí a Selma junto com o marido, lado a lado, 50% cada, compraram um terreno e construíram uma casa, compraram um segundo terreno, construíram outra casa, e aí eles moravam numa casa, e a outra eles alugaram. Aí tinha uma renda, né? Que entrava desse aluguel, e os dois ali trabalhando e fazendo melhoria nos dois imóveis. E o tempo foi passando, a vida foi passando, a Selma teve dois filhos, — Com esse cara — e quando as crianças estavam com nove anos, — Ela teve filho ali na casa dos vinte e pouquinhos, né? Quando as crianças estavam com 9 anos — esse cara simplesmente chegou pra ela e falou que queria a separação. 

Pegou a Selma de surpresa. — Muito de surpresa — E… Mas tudo bem, né, gente? Quer separar… — Aquela coisa, se um não quer, gente, não tem que insistir, né? Tem que separar. E aí quando foi fazer a separação… — Numa outra época, né? E, sei lá, não se apuravam muitas coisas — O cara tinha colocado os dois imóveis — Que a Selma construiu 50% — no nome do irmão dele. Sério. O cara colocou as duas casas no nome do irmão dele, e a Selma não entendia nada dessas coisas de documento, então ela só construiu junto com ele as casas e achou que, né? Uma das casas era dela, e estava tudo no nome do irmão dele, ou seja, a Selma ficou sem nada. E por que sem nada? Esse cara ele despejou a Selma com as crianças. — E era uma época, que assim, hoje em dia se você deve pensão você, né? Corre grande chances aí de ser preso. — Era uma época que não tinha isso, não tinha isso. E aí a Selma se viu com duas crianças, sem família assim, pra dar um suporte maior, porque o pai da Selma era aquele cara que, assim, saiu de casa, não volta mais. 

Veja que a Selma estava cercada de homens péssimos, né? E aí a Selma se viu sem nada, ela tinha uma amiga que trabalhava na mesma fábrica que ela, e essa amiga morava numa ocupação, único jeito foi ir pra essa ocupação. Ela fez ali um cômodo só de madeira e foi viver com os filhos ali. Uma vida dura, dura, dura, dura… Privação… Muito ressentimento também, porque o cara foi um maldito, né? — E gente, as crianças tinham nove… — Bota aí na conta uns 15 anos sem ver o pai, sem o pai fazer nada, sem o pai acompanhar e tal. E elas cresceram, só que com a Selma ali batalhando muito, e a Selma conseguiu que os dois cursassem uma faculdade, e aí também os filhos… Cada um tomou meio que o seu rumo, né? E casou cedo, e constituiu família. E Selma já não estava mais naquela ocupação, não estava mais naquele barraco, né? — Porque a Selma falou pra mim: “Andréia, a palavra é barraco, eu estava num barraco”. — 

Só que ela ainda vivia de aluguel, vivia modestamente ali, né? Eis que um dia, Selma não sabe como, ela foi localizada… — E ela foi localizada por quem? — Porque assim, a Selma quando se separou ficou sabendo que esse ex-marido dela aí, tinha uma amante, que era mais jovem que ela ainda, ela casou com esse cara com 19, a moça que ele estava quando ela se separou dele tinha 18. — Tipo assim… — E aí quem procurou pela Selma foi esta moça. Que agora, 15 anos depois, estava procurando a Selma pra dizer que o cara tinha tido um AVC e que ela não ia cuidar dele, e que ele tinha aquele irmão, né? E que, nessa época, o irmão, parece que depois que se separou da Selma, botou de novo os imóveis no nome do cara, e essa amante aí, agora já em outra época estava ficando com um dos imóveis e que o cara ia ficar nesse imóvel aí que estava no nome dele, que ia ser dele, sozinho, e que ele não conseguia se mexer direito, enfim, tinha várias restrições agora, principalmente ali de mobilidade, mas o cara estava 100% falando e tal.

E aí a Selma falou: “Ah, quer dizer que agora que ele não tem ninguém pra cuidar dele e que você tá falando na minha cara que você vai embora, ele pediu pra você me procurar pra eu cuidar dele? [efeito sonoro de risadas] Beleza”. Selma foi até a casa que era justamente a casa que eles moravam, né? — A moça ficou com a casa, que era a casa que eles colocavam pra aluguel. — E a Selma falou pra ele o seguinte: “Ah, você quer que eu cuide de você? Então você vai ter que passar esse imóvel para o meu nome, porque esse imóvel é meu”, e aí ele deu uma xingada tal, mas ele também não tinha saída, e ele passou o imóvel para o nome da Selma. E aí era um quintal grande, e a Selma construiu dois cômodos ali no fundo, um cômodo e um banheiro, e uma cozinha, e botou ele lá. E aí a Selma cuidou dele, e ela disse que ela cuidou de maneira digna e tal. — Tipo, não avacalhou o cara, nada. — Por 11 anos, até que ele morreu. 

E aí essa é a história da Selma, muita gente na época ficou contra ela ter condicionado os cuidados ao imóvel, mas o imóvel era dela, né? Ela foi roubada. — Na época da separação. — E aí depois pra ela cuidar dele, ser enfermeira dele… — Sabe-se lá por quantos anos, durou 11, mas podia ter durado mais 30, né? — Ela condicionou isso ao imóvel, à transferência do imóvel e o cara transferiu, então ela ficou com o imóvel, e a outra moça que passou os 15 anos com ele ficou com o outro imóvel. E essa outra moça que ficou com ele não tinha tido filhos e ela ficou com a casa pra ela, que é a casa que ela mora até hoje, que vai ficar para os filhos e tal, quando ela morrer. E aí ela queria saber de vocês, a Selma já é uma senhora, né? De quase 70 anos… Só que ela sempre ficou com isso na cabeça, sabe? Que na época teve gente que foi contra o que ela fez, eu acho que ela fez foi pouco, né? Porque ela batalhou junto com ele, era uma época que tinha dia que até… — Ela falou que… — até de servente de pedreiro ela trabalhou pra poder subir as casas mais rápido, e eles fizeram tudo junto e, na hora da separação, porque ele arrumou uma novinha, ela ficou sem nada na rua. — Literalmente na rua… — Porque o cara botou ela na rua com os dois filhos dela e dele. 

Na rua, não é assim, “Ah, vou te dar um tempo pra você sair”, não. Ele botou ela na rua. Não botou nem ela na casa que era deles alugada, não, botou ela na rua. E aí depois aí de uns 15 anos, o negócio virou, o cara teve um problema sério de saúde e precisou de alguém pra cuidar dele e pensou em quem? — Quem que ele pensou? — na Selma. Como ele dizia “a mãe dos filhos dele”, que aí agora é mãe, né? Agora ele tem filho. Bom, Selma, olha, você tem todo o meu carinho, meu apoio, achei que você fez certinho. Que bom que você ficou com a casa e que pena que você teve que cuidar dele pra isso. 

[trilha]

Assinante 1: Oi, gente… Eu sou a Ciça de Belo Horizonte. Acabei de ouvir a história “O Jogo Virou” da Selma, e acho que ela fez muitíssimo bem, fez muito certo. Eu, inclusive, faria muito pior, porque eu não ia cuidar do cara, eu ia mandar ele para o irmão dele, ia falar: “Ó, toma aí que a família é sua, cuide você”, estava no direito dela. Ela não botou faca no pescoço dele pra obrigar ele a passar para o nome dela, provavelmente a consciência dele até deve ter pesado, ela passou por poucas e boas, criou dois filhos sozinha, viveu em comunidade, barraco, né? Passou perrengue, enfim… Ela está mais do que certa e quem julga essa mulher, gente, pelo amor de Deus, né? Que se olhe no espelho aí, e rever os valores na vida, se coloca no lugar dessa mulher porque não é fácil uma vida dessa, não, acho que ela está muitíssimo certa.

Assinante 2: Oi, gente. Oi, Déia. Aqui quem fala é Milene, eu falo do Rio de Janeiro. Selma, mulher… Não há culpa nenhuma aí que você tenha que ter, porque ele foi muito, muito ingrato com você, ele não foi uma pessoa bacana, ele não teve um caráter, ele te jogou na rua com seus filhos e te usurpou duma casa que você havia investido seu tempo, seu dinheiro, sua energia, você está certíssima. Você foi certíssima em fazer o que você fez, não sinta culpa porque quem foi o errado aí na história foi ele, você está corretíssima. Viva sua vida assim, de forma completamente tranquila, tá bem? Eu admirei toda a sua força e coragem. Um beijo.

[trilha]

Déia Freitas: Um beijo pra todo mundo, e um beijo especial pra Selma.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.