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título: pai
data de publicação: 05/10/2020
quadro: luz acesa – especial halloween
hashtag: #pai
personagens: cláudio, rosana e irmão de cláudio

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente, voltei. É um Luz Acesa do bem, porque assim, teve um final bom, mas eu achei assustador, então para quem tem mais medo, já deixo aí o alerta. Esse Luz Acesa é a história do Cláudio, de Poços de Caldas em Minas Gerais.

[trilha]

O Cláudio, ele vem de uma família de três irmãos. Então é ele, a irmã dele que chama Rosana e o outro irmão, eles moravam junto com o pai. O Cláudio é o mais velho, agora ele tá com 25 anos, e o outro irmão dele, só um ano de diferença 24 e a menina 17 anos, menor ainda. E assim, a vida corria bem, a mãe dele já tinha morrido há muitos anos, então eles estavam habituados a morar só com o pai, o pai nunca casou de novo, e era tudo meio “ok”, tirando o fato desse irmão dele do meio ser meio escrotinho, mas sempre tem, né? Toda família tem um escrotinho, então vida que segue.

Um belo dia, o Cláudio tá no trabalho [efeito sonoro de celular recebendo ligação e vibrando] e ele recebe um telefonema. O pai dele era Mestre de Obras, e ele recebeu um telefonema da firma do pai chamando ele para ir rápido pra um hospital, que o pai tinha se machucado, e ele largou tudo que estava fazendo, foi, ligou para os irmãos no caminho e os três foram lá para o hospital. Chegando no hospital, a triste notícia: o pai dele tinha sofrido um acidente na obra e tinha morrido. E um detalhe que eu só vou contar porque é importante para a história, se não eu não contaria, o pai dele foi esmagado da cintura para baixo, provavelmente, ele morreu na hora e a parte debaixo do corpo dele não existia mais, caiu, tipo, de um guindaste, alguma coisa assim, em cima e virou uma pasta, não tinha como salvar nada.

Então foi tudo muito horrível, muito traumático, né? Até na hora de vestir o corpo, essas coisas. Teve que ter um familiar junto, quem já perdeu ente querido sabe que é assim. Você ver seu pai ali só pela metade, então foi uma coisa muito, muito, muito triste para todos eles, mas aconteceu o velório, o enterro, e aí agora era lidar com a perda e com as questões burocráticas também. E aí é que tá, né? Um tempo antes do pai do Cláudio morrer, ele tinha dado para o filho do meio, pra esse que é meio escrotinho, uma procuração para cuidar de umas coisas lá de aposentadoria que ele não tinha como ir atrás, então o menino que estava correndo atrás disso para ele. 

A procuração era para o menino e tinha um advogado que estava cuidando do caso, só que ele deu uma procuração que não foi específica para o INSS, eu não sei bem como funciona, mas o Cláudio me falou que foi um lance assim, tipo, o pai dele acabou dando uma procuração que era uma procuração geral, qualquer coisa que o menino quisesse fazer lá ele podia fazer porque ele tinha a procuração do pai, inclusive, para mexer nas contas. E o pai dele tinha conta da firma e tinha uma outra conta que ele tinha uma poupança. E aí, gente, a gente sabe como é essa coisa de parente e dinheiro, né? O quê que o menino fez? Antes de inventário, de qualquer coisa, o menino começou a gastar o dinheiro do pai sozinho. E assim, o Cláudio trabalhando, a menina mais nova só estudando, então aí agora era o Cláudio que tinha que bancar a casa e bancar o aluguel — Porque eles moravam de aluguel. — e o cara do meio lá gastando o dinheiro do pai.

O Cláudio ficou sabendo, e aí começou aquele monte de briga entre os três irmãos, os dois contra esse do meio que estava gastando dinheiro, óbvio. Até que numa noite a menina mais nova tinha ido dormir na casa de uma amiga e estava só o Cláudio e esse irmão dele que é o escrotinho, que eles dormiam no mesmo quarto. Então tinha o quarto do pai, tinha um quarto da menina e o quarto dos dois, eles dividiam o quarto. E aí tá lá dormindo, sei lá, duas horas da manhã, esse escrotinho [efeito sonoro de gritos] começa a gritar, gritar, gritar, gritar, gritar, assim do nada. O Cláudio acordou assustado, e aí o escrotinho virou para ele e falou: “Mano, eu acabei de ver o pai aqui na cama todo ensanguentado, só metade do corpo, com uma cara feia para mim”, e aí o escrotinho começou a chorar, chorar, chorar, o Cláudio virou pro lado e não deu atenção, e falou: “Deve ter tido um pesadelo aí, deve estar com a consciência pesada”, e não deu atenção também o Cláudio queria ele se fodesse, estava já roubando dinheiro da família, então que se foda.

E passou, essa foi uma primeira noite. Na noite seguinte, de novo, o escrotinho [efeito sonoro de gritos] gritando, gritando, gritando e dizendo que o pai agora estava em cima dele todo ensanguentado só da cintura para cima, sem parte de baixo nada e tentando enforcar ele. E a coisa foi escalando, e aí o que esse cara resolveu fazer, resolveu dar a senha do banco lá para o Cláudio e falou: “Olha, eu usei” — Ele tinha parece que já usado uns cinco mil reais… — “Eu usei uns cinco mil reais, então você pode tirar o extrato, pode ver aí nas contas dele o que eu usei e eu não quero mais saber disso, porque o pai está atrás de mim por causa desse dinheiro.”

Aí o Cláudio, mais esperto, falou: “Olha, então você vai agora lá no cartório para cancelar essa procuração aí que você tinha” e, sei lá, não entendo dessas coisas, mas ele fez lá com o advogado pro menino não ter mais como acessar as contas. E aí passou ali mais uma semana, esse irmão do meio agora super abatido, assustado, o pai continuava aparecendo para ele e o Cláudio não acreditava, né? Não queria nem saber disso. Até que uma noite o Cláudio estava no box tomando banho, e o Cláudio viu o pai dele também, só da metade para cima, flutuando… — Eu assim, eu já tinha desmaiado na hora, né? — E ele ficou paralisado, ele estava embaixo do chuveiro, ele ficou paralisado e o pai dele não estava com cara de bravo para ele, estava com cara de desesperado, e o Cláudio ainda pensou “Não, eu tô alucinando”, e ficou assustado, tudo, foi uma visão rápida que aconteceu e parou. 

E aí ele saiu do chuveiro e falou: “Não, eu tô alucinando”. Até que dali uns dois dias, o Cláudio estava chegando em casa do trabalho, já era tarde, era tipo umas nove horas da noite e não tinha ninguém em casa. A menina não estava e o irmão dele do meio também não estava, estava tudo apagado porque ele era o primeiro que estava chegando, né, ali à noite. E aí ele foi entrando e acendendo as luzes e, quando ele acendeu a luz da cozinha, [efeito sonoro assustador] o pai dele estava lá na cozinha. Ele viu metade do pai dele deitado em cima da mesa da cozinha [efeito sonoro de grito], aí ele deu um grito, porque ele falou: “Foi muito real”, diferente do banheiro que o pai não parecia tão com pessoa assim, estava meio… Como que eu vou explicar para vocês? Não era fumaça, mas também não era sólido, mas ali na cozinha era sólido.

E aí ele deu um grito e tal, mas ele estava sozinho e também nada aconteceu. E ele que não tem religião nenhuma, o Cláudio, começou a rezar o “Pai Nosso” que era a única oração que ele sabia e  a falar: “Pelo amor de Deus, alguém me ajuda. O que meu pai quer que ele fica aparecendo aqui?” Porque ali depois da cozinha, ele acabou acreditando que o pai dele estava aparecendo mesmo, que o pai dele queria alguma coisa. Daí o Cláudio teve um estalo e falou: “Bom, eu vou mexer nas coisas do pai, se tiver alguma coisa que ele tá tentando dizer para a gente e não tá conseguindo, a gente vai saber”. E começou a fuçar na roupa, no guarda-roupa, na cômoda, e procurar alguma coisa, e acabou achando uma certidão de nascimento em nome de uma criança ali, que pela data da certidão de nascimento era para uma criança de nove anos. E o pai que constava na certidão de nascimento era o pai do Cláudio.

Então, quer dizer, o Cláudio descobriu ali que eles tinham um meio-irmão e ele falou “Nossa…”, além de ficar chocado com o fato de ter um meio-irmão e nunca ter tido notícia desse meio-irmão, ele achou que poderia ser aquilo que o pai dele estava atrás. E aí ele entregou aquilo para o advogado, que era o advogado lá que já estava cuidando das coisas do INSS, para saber se tinha como localizar aquela criança de alguma forma, e o advogado conseguiu localizar a criança. A mãe daquela criança já tinha falecido uns dois, três meses antes do pai do Cláudio, e a criança foi parar na casa de uma tia e estava perigando ir para o Conselho Tutelar porque não tinha ninguém da família que queria ficar com ela. E essa criança era irmã do Cláudio, então ele falou: “Bom, não sei se é isso que o meu pai quer, e se não quer, ela não tem mais mãe e o meu pai morreu, então eu acho que é para eu ficar com a guarda dessa criança. Não sei se é isso.”

E aí ele acabou fazendo todo o processo e ficou com a guarda dessa criança, desse menino que é o irmão dele e o pai dele nunca mais apareceu. O Cláudio acha que as visões assustadoras que o irmão dele teve, o escrotinho, e que ele depois teve também, a menina que era a filha mais nova nunca viu o pai morto, provavelmente, era isso mesmo, que era o pai dele desesperado tentando contar para eles… Que eles tinham um irmão e que agora, o irmão estava totalmente desamparado, né? Porque ele morto parou de dar dinheiro e a tia que estava com a criança não quis mais ficar, queria entregar num abrigo, queria largar a criança.

E aí assim, no final deu tudo certo, né? Ele criou o irmãozinho dele e o pai nunca apareceu. Agora o que me intriga e o que intriga o Cláudio também é: Por que ele aparecia do jeito que ele sofreu o acidente? Por que ele não, sei lá, apareceu como um espírito depois e com perna? Ele aparecia só a metade, isso é uma coisa, sei lá, bizarra, que pra mim não tem explicação, do cara aparecer só na metade. E também aparecer desesperado para o Cláudio e aparecer bravo para o escrotinho… Então será que eram duas questões? O pai estava bravo com o escrotinho por causa do dinheiro e para o Cláudio ele apareceu por causa do irmãozinho? Ou era tudo a mesma coisa e é uma questão de como cada irmão interpretou ali a vinda do pai?

Agora, Deus me livre. Deus me livre ter uma experiência dessa, né, de chegar em casa, acender a luz e ver o seu pai morto, pela metade, ali na mesa da cozinha, deitado, agonizando, tentando falar com você, né? Isso que eu não entendo. Não podia aparecer de uma maneira mais angelical? Eu acabo nunca acreditando em nada apesar de acreditar em tudo e ter medo de tudo [risos], então eu não sei, não tenho explicação para nada dessas histórias do Luz Acesa. Eu sou uma mera interlocutora que, ao mesmo tempo que não acredita em nada, fica com medo e acredita em tudo. Eu não sei se dá para entender.

E aí, o que vocês acham que aconteceu aí? Com esse senhor que aparecia desse jeito e por que aparecia de uma maneira tão assustadora assim?

[vinheta] Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta] 

Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.