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título: palha de milho
data de publicação: 15/07/2024
quadro: picolé de limão
hashtag: #palha
personagens: dona polaca e alina

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para mais um Picolé de Limão. — E hoje eu não tô sozinha, meu publiii… — [efeito sonoro de crianças contentes] Quem está aqui comigo hoje é a Wondery e seu novo podcast: “Só no Brasil”. Só no Brasil é um podcast narrativo que investiga com muito bom humor alguns dos mais absurdos golpes — dos pequenos aos grandes aí [risos] —, as fraudes e, claro, os vigaristas por trás delas… — Eu amo… — O podcast apresentado pelos comediantes Pedro Duarte e Victor Camejo pra um público muito interessado aí em histórias de golpes e maracutaias. — Quem? Quem? Quem? A gente. — Os episódios do podcast Só no Brasil saem todas as quartas-feiras e estreou agora no último dia 10.

Então, o último episódio tá fresquinho pra você ouvir aí em todos os serviços de streaming de áudio. — Incluindo o canal da Wondery no Youtube, eu vou deixar o link aqui na descrição do episódio. Corre lá, vamos ouvir Só no Brasil. —   E hoje vou contar para vocês a história da Alina e de sua mãe, conhecida como “Polaca”. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha]

Dona Polaca veio para o Brasil de navio, junto com a sua família, né? — Da Europa. — E a viagem de navio era muito difícil, muita gente morria no trajeto, né? E Dona Polaca teve ali sua mãe, infelizmente, morta no navio. — Pelas condições, pelo calor, eles vinham na parte de baixo do navio, enfim. — Chegou aqui no Brasil a Polaca, ali com seus 15 anos, dois irmãos, o pai, a mãe e uma tia. —  Irmã do pai. — Desembarcaram aqui no Brasil, os europeus que chegaram aqui sempre tiveram mais oportunidades do que sei lá alguns outros… Pessoas negras, por exemplo, né? Africanos que chegassem aqui, enfim, a gente não vai entrar nesse mérito, mas eles conseguiram prosperar um pouco. Polaca, com seus 21 anos, se casou e teve Alina. [efeito sonoro de bebê chorando] Isso era ali nos anos 50.


O tempo passou, Alina cresceu ali naquela família, a tia já tinha morrido… — Então agora ela tinha o avô, o pai da Polaca e os dois tios que também já estavam casados, levando a vida e tal — passou um tempo, o avô também morreu e Alina quando tinha aí seus vinte e poucos anos, se casou. E era uma época ali, anos 70, mais ou menos que tinha um lado muito importante de liberdade, direito, as mulheres estavam ali, algumas queimando sutiã, mas eu gosto muito de trazer isso para a realidade da minha família, por exemplo, que as pessoas mais pobres elas não tinham esse acesso, né? O acesso à informação, acesso ao que, sei lá, a mais liberdade, enfim. E isso acontecia também com a Alina, né? Então, apesar ali dela estar inserida num núcleo um pouco mais favorecido, esse tipo de informação também não chegava. — Ela tinha um casamento onde o marido mandava em tudo. E, nessa época, Dona Polaca tinha duas casas. Então, o que ela fez? Quando a Alina casou, ela deu uma casa para Alina morar. 


Isso já era comecinho dos anos 80 e aí esse casamento de cara já parecia meio péssimo, mas assim, era o que tinha. A Alina, dentro do contexto da família dela e do que ela também tinha aprendido com a mãe dela — a Polaca — não reclamava. O tempo foi passando, a Alina teve dois filhos [efeito sonoro de bebê chorando] com esse cara e este cara, a partir do momento que ele entrou na família, que era ali Polaca e Alina, ele começou a mandar em tudo. O cara meio que não gostava muito de trabalhar e Dona Polaca trabalhava bastante… — Vou dar aqui um outro lugar: na feira. — Ele e a Alina trabalhavam muito na feira ali e tal, e o cara só queria administrar as coisas e, de vez em quando, ele dava alguns papéis para que agora Dona Polaca, que já estava ali, com seus quase 60 anos, assinasse. E Polaca assinava porque, assim… Enfim, gente, outra época, outra cabeça… Os filhos dos dois já estavam grandes também, Alina suportando esse casamento de muitos anos. 


E um dia, Dona Polaca ficou doente e precisou ir morar na casa da Alina. O que foi combinado? Que a casa de Dona Polaca que, fatalmente, acontecesse alguma coisa com Dona Polaca, ficaria para Alina, única herdeira, seria alugada e uma fonte a mais de renda e eles morariam juntos, porque agora os filhos já tinham saído de casa, então seria a Alina. Foi feito, Dona Polaca passou a morar com a Alina e o cara começou a administrar esse aluguel, assim, elas não viam o dinheiro, mas isso não era algo incomum, assim, elas só viam que as coisas entravam ali em casa pelo trabalho delas, mas esse dinheiro do aluguel não era visto. Até que um dia, um rapaz de terno, jovem até, seus 25, 26 anos, bateu na casa de Alina. [efeito sonoro de campainha tocando] Estava só Alina e Polaca e este rapaz ele estava ali a mando do cartório para checar uma coisa… No meio dessa papelada que Dona Polaca assinava, ela acabou assinando algumas procurações para o marido de Alina. E o que esse cara fez? 


Esse cara vendeu a casa de Dona Polaca e agora ele estava tentando vender a casa que eles moravam, onde estava a Alina e Polaca. E aí o cartório resolveu checar isso porque uma casa já tinha sido vendida, né? — E aí, não sei porque também, elas também não sabem por que cargas d’água o cara mandou alguém do cartório lá. — E aí elas tomaram um choque, porque a casa de Dona Polaca que ela tinha comprado com muito custo, tinha sido vendida e agora elas só tinham aquela casa que ela estava tentando vender. E aí o rapaz viu que poderia ser um golpe e instruiu a Dona Polaca de que ela fosse no dia seguinte de manhã até o cartório para anular essas procurações, revogar, sei lá, X. No dia seguinte — elas não falaram nada, ele chegou, jantou, enfim, elas ficaram quietas —, Dona Polaca foi lá, viu que não tinha como reaver a casa ou o dinheiro que ele pegou, enfim, ele devia estar colocando o mínimo de dinheiro ali para pagar o mínimo de contas, fingindo que era de aluguel, mas o grosso do dinheiro foi todo pra ele.


E aí ela fez o que tinha que fazer e fatalmente ele saberia, porque ele estava tentando vender a segunda casa, mas elas resolveram não falar nada. Dona polaca e Alina elas tomaram um golpe. — E aqui agora a gente tem que falar de todo um outro lado de Dona Polaca. — [música de suspense] Dona Polaca, quando estava com a mãe no navio e ela já sabia do trabalho que a mãe fazia na Europa, a mãe de Dona Polaca era uma espécie de Marcia Sensitiva da época, só que com um plus porque ela fazia feitiços… Fazia feitiços para o bem e para o mal… E, quando ela estava morrendo no navio, ela falou para a Polaca — que era uma menina de 15 anos — que aquele dom era passado de geração em geração para as mulheres da família, que ela tinha recebido o dom da mãe quando a mãe morreu e que agora a Polaca teria aquele dom e que era para ela usar com sabedoria, mas que ela teria que usar, se não ela seria atormentada e teria uma vida muito infeliz.


Então, assim que Polaca chegou ao Brasil e eles se ajeitaram um pouco ali, ela começou a fazer esse trabalho sem cobrar nada. Inicialmente lia uma mão, fazia ali uma coisa de adivinhação e era tudo meio que soprado para ela, ela não sabia explicar… — Ela já sabia fazer isso. — Só que quando ela alcançou ali seus 21, 22 anos, ela também teve uma revelação — que aí Dona Polaca não fala como — que ela teria que cobrar… — Não cobrar um dinheiro absurdo, mas qualquer coisa… A pessoa tinha que dar qualquer coisa pra ela, enfim… — E ela começou ali, entre as pessoas daquele bairro, que era um bairro que tinha bastante pessoas da Europa, mas todos muito pobres, a fazer esse tipo de coisa… Adivinhação… E Dona Polaca realmente adivinhava as coisas e fazia algumas magias, mas o tempo foi passando e isso foi diminuindo. Dona Polaca foi preferindo lidar ali com as consequências de não colocar o seu dom em prática do que colocar em si.


Por que qual era a ideia da Dona Polaca? De que a Alina não precisasse ter esse dom, então que ela carregasse pra si ali tudo de consequência que tivesse se ela não usasse mais o dom. Então, quando a Alina nasceu, ela não quis mais fazer esses feitiços e essas magias e tal e queria levar isso aí só com ela. Só que quando ela descobriu o que o marido da Alina tinha feito, uma raiva muito grande tomou conta de Dona Polaca. E Dona Polaca resolveu usar um feitiço que ela sabia que era perigoso de usar, mas ela ia usar. — E aí aqui nós temos dois caminhos, né? O caminho de Dona Polaca e Alina, que acreditam nessas coisas e o meu caminho, que acha que pode ter sido tudo coincidência. — Enfim, calhou que naquela semana o marido da Alina apareceu com um carro na casa delas e ele não tinha um poder aquisitivo para comprar um carro. Ele mentiu para elas que era um carro emprestado, que era de um amigo deles, mas como elas já sabiam que ele tinha vendido a casa, elas deduziram que era um carro que ele comprou, mas ele não tinha como contar para elas. 


Dona Polaca resolveu colocar em prática o feitiço que ela sabia… [efeito sonoro de suspense] Ela pegou cabelo dele… — Eu vou falar aqui um pedaço só, a Alina também não lembra muita coisa porque Dona Polaca já é falecida, né? — Ela pegou cabelo dele, pegou um pedaço de uma roupa dele que ele tinha usado, pegou palha de milho e mais algumas coisas, mas era importante a palha de milho, porque ela trançava essa palha de milho com as coisas dele no meio e ia falando coisas. Ela fez esse feitiço e avisou a Alina que em breve ela ia saber que o marido não ia ter como gastar esse dinheiro, porque ele não estaria mais ali. — E ela tinha dado mais ou menos umas três semanas que ela falou pra Alina, né? — Passou um mês, esse homem caiu com o carro de uma ribanceira e morreu… — Mas era uma época que não tinha tanta sinalização ainda, total de trânsito, sei lá, eu acho que foi uma coincidência, mas ele morreu… — E, a partir do momento que ele morreu, Dona Polaca falou pra Alina que ela teria X anos de vida. — Ela, Dona Polaca. —


Por quê? Porque assim que ele morreu, ele voltou e ficou com Dona Polaca e Dona Polaca sabia que isso ia acontecer, porque ela prendeu, supostamente, a alma dele  naquele feitiço da Palha de Milho. E aí Polaca foi emagrecendo, emagrecendo, emagrecendo — Provavelmente podia ser, sei lá, uma diabetes não diagnosticada, não tratada, enfim… — e ela faleceu. Dona Polaca, quando ela foi morrer, ela falou pra Alina: “Olha, eu vou levar o nosso dom da família comigo, eu sei que o que isso pode me trazer tanto aqui encarnada como desencarnada, mas eu não vou passar isso para você”. Tinha um ritual, uma coisa que ela tinha que fazer, então ela queria libertar a Alina disso, e aí ela não fez nada e morreu. E, quando ela morreu, ela falou desse jeito, porque Dona Polaca era meio geniosa: “O desgraçado já está aqui” e o desgraçado provavelmente era o cara, né? Na cabeça de Alina, ela acha que sim, a mãe fez um feitiço para interromper a vida do marido, o que abreviou a vida de Dona Polaca e agora os dois — isso é o pensamento da Alina, tá? — ficariam juntos sei lá onde no plano espiritual, até que o tempo deles mesmo de morrer, que seria o tempo certo, chegasse. 


Acho uma teoria, assim, sei lá, não consigo conceber algo assim, acho que foi uma coincidência… Um detalhe: A Alina ela era herdeira do cara, né? E esse dinheiro nunca foi encontrado. Ela não sabe o que ele fez com o dinheiro, ela não sabe se ele tinha outra família e não sabe nada, assim, porque supostamente ela seria herdeira, ela ficou com alguma coisa que ele tinha no banco, mas o grosso mesmo que seria, sei lá, no dinheiro de hoje, 180, 200 mil reais, não se sabe para onde foi. Então, essa é a história de Alina, agora “Dona Alina”, uma senhora já. Dona Alina acredita muito de que o que aconteceu com o marido dela foi um feitiço da mãe, esse feitiço da palha de milho… Aquele cabelinho do milho, né? Mas Dona Polaca falava “palha de milho”. Então, todo o lado Picolé de Limão, de você assinar procuração… — Gente, não assina procuração, não assina… Se for assinar, faz uma procuração pra algo específico, “uma procuração para que ele cuide do aluguel, dos vencimentos, sei lá, X do imóvel tal, do aluguel”. Vai junto no cartório e faz as coisas e é isso, sabe? Então, muito cuidado aí… 


E aí tem todo esse lado Luz Acesa que o cara, depois que ele morreu, Dona Polaca dizia que ele tava com ela… — Mas ela não tinha medo, não ficava atormentada, chamava ele de “desgraçado” e falava “o desgraçado tá aqui, tá comigo”. E quando ela morreu, ela falou: “O desgraçado já chegou, tá aqui”, e aí ela morreu… — Eu não acredito, eu acho que foi uma grande coincidência, o cara também nunca teve carro, sei lá, foi dirigir assim a olho e morreu, eu acho. Mas enfim, fica aí para vocês decidirem se foi o feitiço da palha de milho ou se foi uma coincidência. Eu acho que foi uma coincidência, a Alina acha que foi o feitiço da mãe que matou o marido dela. 


[trilha]

Assinante 1: Oi, gente, aqui é a Fernanda, eu falo de Dublin, na Irlanda. Diferente da Déia, eu super acredito nesse poder da Dona Polaca, de realmente ter feito aí um feitiço pra que esse homem nojento não desfrutasse do dinheiro das duas, desse golpe que ele deu nas duas. Mas eu fiquei pensando: “Ai, será que valeu a pena?”, toda interferência que a gente faz na vida de alguém vai trazer resultados pra nós mesmos e acho que interferir nesse grau na vida de um sujeito, por mais que seja um sujeito desprezível, nojento, vigarista, em contrapartida, isso custar sua paz, né? Porque Dona Polaca ficou aí ligada a esse espírito o resto da vida dela e ainda por cima isso custar vida propriamente dita de Dona Polaca… Sei não, viu? Eu, particularmente, acho que não vale a pena. Não julgo de jeito nenhum, acho que ela fez o que ela pôde, mas é isso… Até a próxima, gente.


Assinante 2: Ei, Não Inviabilize, aqui é a Letícia de BH. Alina, eu fiquei fascinada com a história da sua mãe, pela personalidade dela, ela parece uma pessoa muito singular, muito ímpar, sabe? Que não passa despercebida no seu tom, no seu comportamento… Achei um pouco bonito, assim, ela não querer passar isso pra você. Eu sou cética, mas eu acredito nas pessoas, eu acho que a fé, o místico e o espiritual é uma questão de sensibilidade. Pra mim há um véu da sensibilidade que algumas pessoas perfuram e outras não, então eu acredito no que você vê e no que você sente em relação a essa história, assim como a sua mãe. Torço pra que ela esteja bem no seu pós—morte, que ela esteja descansando, porque, minha filha, ir pro além segurando esse rojão não é pra qualquer um, tá? Um beijo.


[trilha]

Déia Freitas: Conheça o mais novo podcast da Wondery, o “Só no Brasil”, que conta causos aí dos mais absurdos golpes, fraudes e, claro, a história dos golpistas… E ele é apresentando por dois comediantes: Pedro Duarte e Victor Camejo. O primeiro episódio já está no ar em todas as plataformas de streaming de áudio — e é gratuito, gente, corre pra ouvir —  e também está disponível aí no canal do Youtube da Wondery. — Valeu, Wondery… — Um beijo, gente, e eu volto em breve.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.