título: passaporte
data de publicação: 27/10/2021
quadro: picolé de limão
hashtag: #passaporte
personagens: ângela e um cara
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão, e hoje eu vou contar para vocês a história da Ângela. Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]Quando a Ângela tinha por volta ali dos 20 anos, ela foi contratada para trabalhar numa rede de lojas. — Chamada Pônei Eletro. [risos] — E aí quando ela entrou na Pônei Eletro, o gerente dela era um cara que era de Maceió. Essa loja era em Cuiabá, a Ângela morando em Cuiabá e esse gerente era de Maceió e estava lá para um treinamento, ia ficar um tempo e tal, e eles começaram a trabalhar juntos e rolou uma afinidade. Esse cara tinha 30 anos… E aí eles começaram a namorar. — A Pônei Eletro não tinha nenhuma política de “ah, não pode namorar funcionário”. — E eles namoraram — Assim, bacaninha de tudo. — por um ano e quatro meses.
Nesse tempo de 1 ano e 4 meses, eles foram lá para o Estado, né? Para Alagoas, em Maceió. Na casa da mãe desse cara por duas vezes. Foram de avião, voltaram de avião, foi tudo lindo… Comeram pra caramba. A Ângela conheceu toda a família dele, foi perfeito assim, duas viagens de férias. Então eles foram passar férias duas vezes em Maceió. Acontece que o treinamento que o cara estava fazendo lá em Cuiabá — Onde a Ângela morava. — acabou e ele tinha que voltar para Pônei Eletro lá de Maceió. E aí aquela coisa, né?
Os dois namorando firme, tudo lindo… O que ele fez? Ele pediu a Ângela em casamento e, antes dele viajar, eles ficaram noivos. — Então foi uma felicidade, né? A Ângela super apaixonada, ele super apaixonado e quais eram os planos? A mãe dele tinha umas casas de aluguel lá em Maceió, então a ideia dele é pegar uma dessas casas para morar. — Então eles já não pagariam o aluguel, né? — E ele ia mobiliar essa casa, e aí ele e a Angela casariam e ela pediria transferência para a Pônei Eletro de Maceió. Então tudo certo. Então, ele sairia lá de Cuiabá e ia pra Maceió pra morar com ele.
Acontece que era bem longe, né? Então pra pensar em toda a logística da família dela, onde ia ser o casamento, essas coisas, tinha muita coisa pra resolver. E aí estava chegando a época de férias, né? Final de ano, Natal e Ano Novo. E aí que esse cara falou? “Olha, Ângela, você não quer vir pra cá pra passar as férias?” — E lembrando que ela já tinha ido duas vezes com ele, né? — “Pra passar as férias aqui, assim a gente vê os últimos detalhes da casa e depois, da próxima vez que você vier, já vem pra ficar”. E aí Angela ficou super empolgada. E o combinado foi: ela pagava a passagem de avião da ida e esse cara pagava a passagem de avião da volta. Então esse foi o combinado, né? — Se ele viesse pra cá ele ia gastar mais ida e volta até Cuiabá, então ficou acordado assim. —
E aí a Ângela foi cuidar dos preparativos, né? Das coisinhas pra ela ir passar essa temporada lá com ele, pra acertar todas as coisas da casa, né? [efeito sonoro de avião] E assim foi feito. Ela comprou uma passagem de Cuiabá para Brasília, Brasília à Maceió. Acontece que, chegando em Brasília, a Ângela perdeu a conexão do próximo voo que iria para Maceió, e ela não tinha feito o cálculo ali e tal e se lascou. E aí ela teve que comprar uma nova passagem de Brasília para Maceió. E as passagens estavam caríssimas, porque era ali final de ano e ela não estava levando assim dinheiro em espécie, mas ela tinha um limite no cartão. Então, o que ela fez?
Ela passou essa passagem no cartão dela e foi. Chegando lá, eles já não ficaram na casa da mãe dele. A mãe dele morava num bairro mais bacana assim e tal, só que as casinhas que ela tinha para alugar era num bairro simples. A Ângela em Cuiabá morava também num bairro simples, só que esse era assim…. A Ângela falou que era bem, bem, bem periferia mesmo. E a casinha era uma casinha muito, muito, muito pequena que dava, assim, a calçada já dava pra rua, então ela falou que ela não tinha privacidade nenhuma na casa e tal, mas ela pensou pelo lado bom… Pelo menos ela vai casar, vai morar ali na casinha e não vai ter que pagar aluguel, mas a casinha já foi um ponto aí que ela pensou: “Bom, vou sair da minha casa para morar numa casa pior que a minha”. — Né? Já foi um ponto que ela levantou aí. —
Aí, beleza, chegou toda animada, toda felizinha para ficar com amorzinho dela, né? E aí ela levou uma roupinha especial e nã nã nã para a noite ali, para eles passarem a noite. E aí o cara virou para ela, ela botou a roupinha e tudo e ele falou: “então, eu voltei pra igreja. [risos] E agora a gente não vai transar mais, só depois do casamento”. [efeito sonoro de batida de carro] — Então o primeiro sinal aí, né? Talvez o segundo, se você for levar em conta a casinha… Ou não, né? — E aí ele já avisou que eles não iriam transar. Beleza, ela falou: “bom, vou respeitar, agora ele voltou a ser evangélico”. A Ângela católica… — Daquelas que não acompanha muito. Católica assim… — Falou: “bom, tudo bem”.
No dia seguinte, que já era um final de semana, no sábado, ele acordou antes das cinco horas e já chamou a Angela. E todo final de semana ele jogava futebol a partir das cinco horas da manhã. [risos] E aí lá foi a Angela junto. E todo o final de semana que ela ficou lá ele fazia isso. Ela acordava junto com ele, eles iam para o futebol, ela ficava lá assistindo. [efeito sonoro de apito] E depois o futebol ele levava Ângela para comer um sanduíche de Maceió chamado “passaporte”, que é tipo um cachorro quente, mas que tem outras carnes junto e tem umas coisinhas lá. É tipo um cachorro quente… E tinha arroz também. — Um dia você comer isso tudo bem, dois dias tudo bem, né? Três dias tudo bem… —
Só que todo dia era só isso que ele dava para Ângela comer. E a Angela estava com pouco o limite no cartão, então não tinha como, sei lá, fazer uma compra para comer ali na casinha e ele não queria comprar nada, só dava o passaporte pra ela. — [risos] Ai, Ângela. — E ai ela foi ficando, né? Pô, cabreira. E aí teve um dia, de tantos dias que ela ficou lá, tio, 30, teve um dia que ela comeu tapioca. O restante era só isso aí. — Só passaporte e arroz… E aí você já vai ficando mais cabreira também, né? — E aí chegamos ao Ano Novo. O que ela pensou? “Pô, Maceió, vamos passar na praia, vai ter fogos e nã nã nã”, aí ele falou: “Não, aqui a gente passa o Ano Novo na vigília da Igreja”. [risos]
E a ângela super festeira, falou: “bom, tá bom, é a religião dele…” — Sendo que todos esses dias que ela ficou lá, ele ia pra igreja e ela ia junto. Mesmo não tendo a religião dele, ela acompanhava. — E aí eles passaram a noite na vigília, não podia beber, só rezando e tal… — Orando, né? — E ela escutando os fogos, escutando de longe a galera, assim, em festa. E ela lá, com ele na vigília, todo mundo na vigília. — Detalhe… — Esse cara não levou a Ângela nem um dia na praia, porque não ficava bem mulher de biquíni na religião dele, a esposa dele de biquíni… Não. Então praia estava fora de questão… Ela não foi um dia na praia. — Gente, ela em Maceió e não foi um dia na praia. —
Bom, Ângela já não estava aguentando mais esse esquema dele, né? — E, assim, parecem coisas sutis, mas a gente vê que o cara tava dominando o total ali, né? Ele escolhia só tudo o que ela podia comer, o que ela podia vestir, onde ela podia ir… Assim, as bandeiras vermelhas enormes estão aí, né? Pra a gente olhar e falar “pare”. — Estava chegando o dia dela voltar e ela foi falar para ele, que ele podia já reservar passagem dela de volta que ela já ia voltar. — Ela estava doida para voltar, para Cuiabá, doida… — Ela falou: “ah, voi entrar aqui, sei lá, no EM no site, né? Das companhias aéreas para a gente ver”. Aí ele falou: “o que? Não… Como assim? Não… Não tenho dinheiro para você voltar de avião, não”… — Sendo que ele combinou. —
Ele falou: “então, você vai voltar de ônibus”. — Gente… Ela já sem um tostão, sem limite no cartão e ele falou isso… — “Você vai voltar de ônibus, é rapidinho, três dias”. — [risos] Eu estou rindo porque agora está tudo bem com Ângela. — Rapidinho, três dias… E aí ela estava incrédula, mas ela estava tão assim com vontade de ir embora que ela falou: “bom, tudo bem, eu vou de ônibus mesmo”. — Aí que você imagina? Sei lá, um ônibus leito, ou semi leito, porque a viagem é de três dias, né? — Gente, era um ônibus clandestino que ele pagou a passagem… 120 reais. E ele deu na mão da Ângela 30 reais pra ela passar os três dias… 10 por dia para ela se alimentar na estrada. Surreal, né?
Ainda o banco, o assento que ela veio de volta para Cuiabá, era muito perto do banheiro e ela a Ângela falou que o banheiro era assim um esgoto puro. E do lado dela tinha um senhor também que roncava muito, então assim, a viagem de volta foi tenebrosa. E na primeira parada ela tomou uma Coca e comeu um misto quente e já foi 20 reais. Aí ela tinha mais 10 reais para passar dois dias… E aí a fome apertando… E o senhor que estava do lado dela percebeu que ela não descia nas paradas, né? E ele não via ela comendo nada no ônibus também. E aí ele se ligou. E aí ela estava assim tão aborrecida, tão nervosa com tudo, que ela menstruou ali no ônibus clandestino. — Pergunta se ela tinha absorvente, pergunta se ela tinha dinheiro para comprar absorvente… —
E aí ela foi colocando papel higiênico e aquele fluxo intenso… — Pesadelo. — E aí ela foi começando a passar mal de fome, e o senhorzinho comprou um pacote de bolacha para ela, porque ele também não tinha muito dinheiro, mas ele foi um querido, um fofo. E foi essa bolacha mas dois pães de queijo que ela conseguiu comprar com os outros dez reais que ela veio segurando. — Dois dias… — Aí quando foi chegando em Cuiabá assim, aquele desespero, aquela vontade de chorar, aquela alegria… [risos] Tipo: “ai, Meu Deus, estou voltando para casa, sabe?”, daí a Ângela chegou em casa — Daquele ônibus clandestino, caindo aos pedaços. Ela falou que era um ônibus muito velho. — Ela chegou em casa, tomou um banho, dormiu um pouco e em seguida já entrou na internet, na época tinha o MSN, né? Que estava em alta. Ela entrou no MSN ali e terminou com ele.
E aí ele falou: “então tá bom, então você tira a aliança que não teve compromisso nenhum”, ainda quis, sabe? Sair por cima da situação. — [risos] Que ódio. — Mas olha como foi importante a Ângela ter ido fazer esse, digamos, test drive na casa nova, viver um mês com ele como esposa para ver como ele era de verdade, né? Porque ali ele se mostrou totalmente como seria a vida dela depois de casada, e ainda bem que ela não se iludiu que ele ia mudar ou que as coisas iam melhorar e voltou e já terminou. Foi a melhor coisa, né? Ela ter ido… Já pensou se ela vai de uma vez para ficar, o trampo que ia dar para separar ou, sei lá, se ela ia tentar ficar um tempo…
Hoje a Ângela já está casada, já tem filhos, já está tudo bem. Casou com cara lá de Cuiabá mesmo. [risos] — Né? Mais perto. — Mas, gente, vê que perrengue que ela passou. Tanto lá quanto na volta… Pensa num ônibus clandestino. [risos] E o cara não cumpriu com nada do que ele falava para ela, de como era a vida deles como namorados… Foi tudo diferente, foi tudo péssimo. E ainda bem que a Ângela disse não e encerrou isso, né, gente?
[trilha]Assinante 1: Oi, gente, aqui é a Natasha de Porto Alegre. Ângela, MULHER, QUE PERIGO, hein? Que situação. Graças aos céus que você está bem hoje, que está tudo certo… Mas olha que perigo, olha que homem abusador. Olha como nós mulheres não podemos ficar felizes e tranquilas nem mesmo num relacionamento que tu conhece a pessoa há tanto tempo, né? Um ano e quatro meses não é pouco tempo, mas olha como a gente tem que confiar desconfiando… Porque realmente esse cara… Isso ia se tornar, sem dúvida, um relacionamento abusivo, né? E tem todas as características aí, de isolar a mulher num lugar que ela não conhece, que ela não tem outras conexões, não deixar muitos recursos para ela, deixar ela vigiada o tempo inteiro… Ainda bem que tu está bem, e fica o alerta aí para nós mulheres, que nós temos que, realmente, confiar desconfiando. Um beijo e até mais.
Assinante 2: Oi, grupo, oi, Déia, aqui quem fala é Mabel da Baixada Fluminense, do Rio de Janeiro. Amiga, que situação ruim, né? Eu sou como a Déia, mexeu com comida eu já viro o bicho. Mas, gente, eu comecei a pensar muito sobre as concessões que a gente faz em relacionamentos, né? Amiga, quanta concessão que você fez para esse macho tóxico, né? Quanta coisa você cedeu para ficar do lado de uma pessoa que você amava e como ele não fez nenhuma por você. Ele te carregava para a igreja, amiga, e você nem era da igreja. Como diz minha mãe: tem males que vem pra bem, né? Que bom que você superou isso tudo, eu desejo muita felicidade pra você e pra sua família, viu? Beijão.
Déia Freitas: E eu volto em breve, um beijo.
[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]