título: pastel
data de publicação: 03/08/2022
quadro: amor nas redes
hashtag: #pastel
personagens: toshio e eva
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Amor nas Redes, sua história é contada aqui. [vinheta]Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. E hoje eu cheguei pra mais um Amor nas Redes. — Amo… — E hoje eu vou contar pra vocês a história do seu Toshio. Seu Toshio hoje tem 78 anos… — Eu acho uma fofura quando os idosos pedem pros netos aí me escreverem. — Ele me ouve e pediu pra escrever pra contar a história de amor dele. Então, hoje eu vou contar para vocês a história de amor do seu Toshio e de sua esposa, Eva. Então vamos lá, vamos de história.
O seu Toshio veio para o Brasil ainda bebê, — ele tinha ali menos de dois aninhos — e era uma época muito difícil e tal. Eles chegaram aqui, começaram a trabalhar na agricultura e, depois de alguns anos ali, quando seu Toshio tinha uns dez anos, o pai dele montou uma pequena pastelaria. Então, era uma época que, onde eles moravam não tinha ainda essa organização das feiras livres, né? E o pai dele montou tipo uma portinha onde ele vendia pastel. E o pai do Toshio… Toshio já tinha dez aninhos, por aí… Sempre dizia que fazia gosto que o Toshio casasse com uma moça japonesa. Ele tinha algumas amizades, né? Eles moravam tipo num sítio que tinha quatro casas e eram todas casas de pessoas que tinham vindo do Japão, né? De japoneses e tal. E o pai do Toshio fazia gosto que ele namorasse com uma das meninas. — Quando ele ficasse mais velho, né? Ele tinha só dez anos… — Com uma das meninas daquele grupo e tal, de uma daquelas casas.
E era uma época que o Toshio só queria saber de brincar de pião, de nadar no rio, essas coisas… Não queria saber de menina. Mas o tempo foi passando, o Toshio foi crescendo um pouco mais e, com 12 anos, ele começou a trabalhar ali na pastelaria do pai e começou a ver as garotas com outros olhos, né? E tinha uma garota japonesa que ele achava muito bonita e que ele estava interessado, só que ela tinha 12 anos como ele e ela não queria saber de nenhum garoto de 12 anos, né? [risos] — Ela queria um garoto mais velho. — Então ela achava, assim, o Toshio um pirralho. E aí o Toshio falou: “Bom, desse mato aqui não vai sair coelho, né?”. E ele seguiu a vida sem gostar de mais ninguém, né? — Só dessa moça japonesa aí, dessa garotinha japonesa. —
E, quando ele tinha 15 anos, ele já dava um duro ali na pastelaria, porque o pai dele é muito rígido e tal, um dia apareceu uma mocinha lá — nos seus 14 anos, uma garotinha adolescente — pra comprar um pastel. O nome dessa garota: Eva. — Uma garotinha brasileira. E a Eva começou a ir lá toda semana pra comprar um pastel de queijo. Depois o Toshio ficou sabendo que ela ajudava também a mãe dela a passar roupa, — a mãe dela passava a roupa pra fora — e aí os centavinhos que ela ganhava ali durante a semana, ela economizava pra poder comprar um pastel, que ela gostava muito de pastel de queijo. E aí o Toshio ficou apaixonado pela Eva. — Apaixonado… E a Eva apaixonada no pastel. [risos] Eva taurina. [risos] — Então, a Eva ia lá comprar o pastelzinho dela e não estava pensando em menino, né? E o Toshio já ficava admirando a Eva, achando ela linda e nã nã nã.
Até que um dia, o Toshio teve uma ideia… — Não é a melhor ideia, assim, em termos sanitários, mas foi o que veio na cabeça dele. — O Toshio resolveu fritar um pastel no dia que a Eva fosse lá… Fritar um pastelzinho de vento, sem nada… Eles já vendiam assim aquele kitzinho, um monte de pastelzinho de vento mais o vinagrete… E abrir de leve aquele pastelzinho e botar um papelzinho dizendo que ela era linda, que o nome dele era Toshio e nã nã nã dentro do pastel. E como ela comprava um pastel só, ela não ganhava brinde. E aí ele botou esse pastelzinho de brinde e falou pra Eva, falou: “Olha, tem um pastelzinho de brinde aqui pra você”. E a Eva foi pra casa, comeu o pastel dela e nada aconteceu… Ela voltou lá na outra semana como se nada tivesse acontecido, cumprimentou o Toshio do mesmo jeito e um ano se passou… Um ano depois esse bilhete que ele enfiou dentro do pastel de brinde. [risos]
E aí o Toshio atormentado, porque assim, poxa, um ano… Nem “oi” ela me fala. Eu falei que ela era linda e tal, ela nem me chama pelo nome e nã nã nã. E aí ele tinha um amigo que também era ali daquela daquele espaço que eles moravam, né? Daquela colônia. E falou: “Meu, fala com ela… Na hora que você for dar o pastel, você fala pra ela que você já botou um bilhete no pastel. E aí?”. — O amigo dele já estava impaciente. — E aí o Toshio tomou coragem e falou pra Eva: “Ah, eu te dei um dia um pastel de brinde. Você gostou?”, e aí ela falou: “Eu não comi, dei eu dei pro meu avô”. [risos] — E o avô, na certa, abriu, viu aquele bilhete, jogou fora e não comentou nada com a Eva. — E aí ele ficou morrendo de medo… Porque, né? Nossa… “O avô dela vai me odiar e tal”. Só que nesse dia ele criou coragem, ele ficou muito vermelho e falou que tinha escrito que ela era muito bonita no papel e tal. E ela também ficou muito vermelha, pegou o pastel e foi embora.
Na semana seguinte, ela voltou pra comprar o pastel e veio com uma amiga… — Porque ela sempre ia sozinha. — E aí as duas ficavam de risinho e nã nã nã. E aí a hora que ela foi pagar o pastel, ela pegou o pastel e deu um bilhete pro Toshio. E aí no bilhete estava escrito que ela também achava ele bonito e tal. — E aí eles começaram, gente, a trocar bilhetes. — Eva, quando ia comprar o pastel deixava um bilhete e Toshio, a hora que ia entregar o pastel, mandava um bilhete pra ela. Quando o Toshio fez 17 anos, ele criou coragem e no bilhete ele chamou — a Eva — pra tomar um sorvete na praça. E aí, assim, ele teria que enfrentar o pai dele, né? E ele marcou, ele combinou, tinha horário e tudo no bilhete. — Pra ir na praça. — E aí ele foi conversar com o pai dele, o pai dele conhecia a Eva de vista — porque ela ia durante anos toda semana lá comprar pastel — e ele falou que ele tinha convidado a Eva pra tomar um sorvete.
E o pai dele na hora disse que não… Que ele já tinha uma moça para apresentar para o Toshio, que não ia sair com a Eva coisa nenhuma, que isso, que aquilo… E falou: “Você não vai”. E aí ele obedecia muito o pai dele, só que ele não tinha como avisar a Eva que ele não ia. E aí ele não foi… A Eva foi pra praça e ele não apareceu. E aí a Eva parou de ir comprar o pastel. — E nisso, gente, o Toshio estava meio que de castigo, né? Porque ele queria sair com a Eva. — O Toshio ficou doente, ficou de cama com uma febre que não passava, que não passava, que não passava… E aí a mãe do Toshio foi lá e enfrentou o pai do Toshio e falou: “O Toshio vai sair com quem ele quiser, vai namorar com quem ele quiser e vai casar com quem ele quiser. E, se você não aceitar, você pode fazer as suas coisas, pegar seus pasteis e ir embora”. [risos] — Amei a mãe do Toshio. —
E aí o Toshio tinha receio, porque assim… — Ele não conhecia a família da Eva, não sabia se a família da Eva ia aceitar ele, né? Um rapazinho japonês. A Eva de uma família negra… Então tinha esse lance para os dois lados. — A febre dele não passava. A mãe do Toshio foi lá na casa da Eva [risos] e bateu palma lá, [efeitos sonoros de palma] e falou com a mãe da Eva… E falou: “Olha, então, meu filho… Nós somos japoneses… O meu filho queria levar sua filha pra tomar sorvete, eles marcaram, meu marido não deixou ele ir e sua filha deve estar chateada com ele. Eu vim aqui pedir desculpas e ver se ela dá uma outra chance pro Toshio”. [risos] — Ai, gente mãe é mãe, né? — E ainda a mãe do Toshio falou assim pra a mãe da Eva: “O meu filho é muito sério, ele já tem 17 anos… Ele está terminando os estudos. Ele vai assumir a pastelaria ali ele junto com o pai, então a gente tem como manter a sua filha caso ele case com ela, porque ele quer casar com ela”. [risos] — E o Toshio nunca tinha falado de casamento, ele nem tinha tomado sorvete com a Eva. [risos] —
Então a mãe do Toshio praticamente pediu a Eva em casamento pra mãe da Eva. E aí a mãe da Eva vendo que era sério e tal, falou: “Ah, se ela quiser ir, ela pode ir, né?”. E aí a Eva foi, eles tomaram o sorvete e eles começaram a namorar. — Então era um namoro assim: na casa do Toshio a mãe ficava junto e, na casa da Eva a mãe ficava junto assim… Foi um namoro de mães. — E aí as mães começaram a se dar muito bem, né? A mãe do Toshio levava pastel pra mãe da Eva, a mãe da Eva passava roupa pra fora, pegava roupa lá da mãe do Toshio pra passar, também ganhava uma grana, enfim… E elas ficaram amigas. Mais do que os filhos que acabaram casando, — o Toshio acabou casando com a Eva e eles tiveram quatro filhos — as mães ficaram muito amigas, muito amigas… Tanto que o Toshio fala que o verdadeiro casamento foi da dona Emiko com a dona Josefa. — Todo mundo chamava a dona Josefa de Zefinha. — E era, assim, Emiko e Zefinha pra baixo e pra cima.
— A dona Zefinha já criava a Eva ali sozinha, eram só as duas, né? — Então a família ali do Toshio acolheu muito as duas, né? Tanto que quando o Toshio e a Eva casaram, o pai do Toshio construiu uma casa naquela chácara enorme que tinham outras famílias para o casal e construiu uma outra casa pra dona Zefinha, pra todo mundo morar no mesmo lugar. [risos] — Não é o máximo? — E, assim, além do amor dos dois, de Toshio e Eva, Dona Zefinha, depois de uns dez anos ali veio a falecer. Dona Emiko ficou muito mal, muito mal e faleceu depois de um ano que dona Zefinha tinha morrido… E morreu chamando pela dona Zefinha. — Não é louco isso? Essa amizade que nasceu assim? — E o seu Toshio pediu pra neta dele me escrever, porque ano passado a dona Eva faleceu, né? E uma das coisas que distraiu muito ele foi as histórias do podcast, então ele queria eternizar aí o amor que ele sentia por dona Eva, por sua mãe e por sua sogra aqui no podcast. — Não é fofinho, gente? —
Sinto muito aí pela perda do seu Toshio. E ele já está melhor, né? Pela cultura japonesa, eles enxergam a morte um pouco diferente da gente aqui e isso é bom, né? Ele tá tranquilo, tá bem e tá seguindo a vida dele.
[trilha]Assinante 1: Boa tarde, Déia, Não Inviabilizers… Meu nome é Giovanna, moro em Santa Catarina, sou mineira. E, gente, essa história do pastel, gente… Coisa mais linda. Eu fiquei encantada, assim, com a história… Não só assim com o amor desde a juventude, assim, desde tão novinhos, a amizade das mães e também depois saber que era um amor interracial, né? Que imagina, se hoje o seu Toshio já é avó, então, quando que foi essa história muitos anos atrás, né? E o quanto era ainda mais difícil essa questão. Então, tudo muito bonito, eu fiquei, assim, com um sorriso no rosto ouvindo tudo e agradeço seu Toshio por compartilhar com nós essa história. Gracinha.
Assinante 2: Oi, meu nome é Natácia e eu falo do Japão. Eu queria falar pro seu Toshio que eu sou brasileira e sou casada com um homem japonês e tenho dois filhos que são japoneses… E eu fui muito bem acolhida pela família do meu marido, pela família japonesa dele… Até hoje somos muito unidos. Eu amo os japoneses, eu amei muito a sua história, seu Toshio, adorei tudo nessa história. Sinto muito pela sua perda, mas fiquei lisonjeada de escutar sua história. Um beijo pro senhor.
[trilha]Déia Freitas: Ah, seu Toshio mandou frisar que [risos] depois de uns anos ele saiu da área de pastelaria. — E que ele não aguenta nem o cheiro de pastel hoje em dia. [risos] Eu amo pastel, desculpa, seu Toshio. [risos] — Bom, gente, deixem suas mensagens de amor pro seu Toshio lá no nosso grupo do Telegram. Se você ainda não tá no nosso grupo, é só jogar na busca “Não Inviabilize” que o grupo aparece. Então é isso, gente, um beijo e eu volto em breve.
[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Amor nas Redes é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]