Skip to main content


título: pirracento
data de publicação: 04/08/2025
quadro: picolé de limão
hashtag: #pirracento
personagens: neuza

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para mais um Picolé de Limão. E hoje eu vou contar para vocês a história da Neuza. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha]

Nos anos 90, Neuza conheceu um cara. — Ela estava ali com seus 38, quase 40 anos. — Acabou namorando esse cara por um ano e eles resolveram se casar. A pressa da Neuza é que ela queria ter um filho… Eles casaram e tiveram um bebezinho, [efeito sonoro de bebê chorando] Neuza conhecia pouquíssimo aquele marido e descobriu que ele era um cara… — Sabe gente que gosta de silêncio, de ficar sozinho o tempo todo? Ele era esse cara. — Ele não se adaptou à rotina de um bebê chorando dentro de casa. [risos] — Assim é fácil, né? Ser pai. — E resolveu se separar da Neuza. Este cara tinha herdado dois apartamentos dos seus pais… Eram dois apartamentos pequenos que ficavam uns três quarteirões um do outro. Como ele que queria se separar e a Neuza ali, com o bebê deles muito pequeno, ele deu o apartamento para a Neuza, no nome da Neuza, na separação. Esse apartamento ficou para a Neuza, somente no nome da Neuza, não pôs no nome da criança. 

Porque ele falou: “Se você quiser, você vende, vai para outro lugar, você faz o que você quiser” e ele foi morar no outro apartamento. E a Neuza achou que era uma boa ficar por ali mesmo, porque o pai não aguentava o choro da criança, enfim, mas era pai, né? Poderia dar essa força. O cara sempre pagou a pensão direitinho, mas não dormia, não gostava de levar o filho para dormir. Então, pegava no sábado, passeava, né? Quando o menino cresceu um pouco mais. Devolvia no domingo, pegava e levava para almoçar e devolvia, enfim… Nunca deixou o menino dormir na casa, pelo menos quando ele era muito criança. Quando o garoto foi ficando adolescente, o pai — que nunca mais se casou, tinha uma namorada aqui, outra ali, mas ele é muito sistemático, segundo a Neuza, e ele gosta da casa dele muito certinha, muito organizada, do jeito dele, então, e ele é um homem que cozinha, faz as coisas dele, enfim, mas abandonou a Neuza ali com o bebê, né, gente? Hoje a relação deles é ok —, pai até fez um quarto que era tipo um escritório e quando o moleque ia lá tinha uma cama dessas de puxar, assim, sofá cama. 

Mas sempre naquela, ele não criou o filho, né? Quem criou foi a Neuza sozinha. O menino estudou num bom colégio particular, terminou o colégio sem trabalhar. — Que eu acho que hoje em dia é assim, né? Dificilmente a gente vê adolescente trabalhando, na minha época, era diferente. Eu acho bom até, né? Se a pessoa puder estudar, terminar o ensino médio sem trabalhar, eu acho incrível, eu acho bom, mas nem sempre essa é a realidade de todos, né? — E em casa, a Neuza já via certa dificuldade, porque assim, o quarto dele era uma zona e ele não arrumava… Neuza trabalhando, ainda tinha que chegar e fazer as coisas pro adolescente… Então ela foi também dando bronca nele, e aí ele queria ir pra casa do pai, o pai via que ele era bagunceiro, não queria ele ir lá, enfim… E ele terminou ali o ensino médio: “Ah, vai fazer uma faculdade, não sei o que lá”, não passou numa federal, foi fazer uma particular paga pelo pai. 

Aquela pensão que ele pagou ali até os 18 se estendeu até o final da faculdade. — Então, a gente está falando aqui de um rapaz que chegou ali aos seus 23 anos devendo o estágio da faculdade para se formar. Então, ele teve que fazer esse estágio, trabalhar por seis meses e, segundo a Neuza, parecia que ele estava sendo torturado. — Porque, nossa, o chefe botou uma hora pra ele chegar, uma hora pra ele sair, tem horário pra comer… Enfim, inaceitável. Bom, mas cumpriu o estágio, se formou. A partir do momento que esse rapaz se formou ali com seus 23 anos, Neuza falou: “Agora você precisa arranjar um emprego e seguir sua vida, né? Porque você faz uma bagunça em casa, você não me ajuda em nada. Você não contribui com nada, seu pai vai parar de pagar sua pensão e você precisa se virar”. Nossa, parecia que estava enfiando uma faca no peito do cara. — Porque 23 anos já é um carinha, né? — Aí começaram as brigas, porque a Neuza queria que ele trabalhasse e ele não queria trabalhar. 

E ele tinha muitos amigos, ele saía com esses amigos, a Neuza passou a não dar mais nenhum dinheiro para ele… Ele começou a sair menos, mas ainda tinha amigo que pagava, né? Uma cerveja aqui, outra ali, ele saía com os amigos, enfim. E aquilo foi aborrecendo a Neuza, porque a Neuza estava chegando aos seus 65 anos para se aposentar e ir com esse rapaz dentro de casa sem fazer nada. E a Neuza estava inconformada… E aí a primeira atitude que a Neuza tomou foi: parar de fazer comida em casa. Como ela ainda trabalhava, ela comia no trabalho, saía do trabalho, jantava na rua e ia para casa. — Pra ver se ele se mexia. — Ela falou para mim: “Andréia, eu pensei realmente que ele ia se mexer… Ou pelo menos para fazer a comida dele, porque tinha arroz, tinha feijão, enfim… Hoje em dia a gente tem aí as redes sociais, ele podia procurar receita, um vídeo, fazer uma comida”. 

Não, este carinha comeu macarrão instantâneo — Pôneiojo, que eu amo, de tomate —, pão de forma e café, porque ela parou de comprar leite, todos os dias, até ele ter um problema de estômago. E aí ela que teve que levar ele na UPA e depois pagar os remédios dele. — Então, assim, não funcionou… — E aí ela voltou a fazer comida, porque ele preferia não fazer e comer Pôneiojo do que fazer. — Isso, gente, a gente tá falando de uma mãe amorosa… Não é que foi uma mãe chata, nada. — Tanto que a Neuza fala: “Andréia, fui eu que errei, porque eu devia ter pegado mais pesado com ele quando ele era adolescente. Eu que sempre dei tudo na mão, eu que sempre fiz tudo. Então ele cresceu assim”. Então isso de não fazer comida não funcionou e ela estava gastando muito comendo na rua, voltou a fazer comida. Então isso não interferiu em nada para ele quase, a não ser que ele teve um problema de estômago, mas enfim, Neuza resolveu parar de lavar a roupa do próprio filho e parar de limpar o quarto dele.

Pois ele levava os copos pro quarto e o copo lá ficava até criar mofo, gente… Ela foi ficando sem copo, ela teve que entrar no quarto pra pelo menos pegar copo, talher, essas coisas que ele levava pro quarto e o quarto tava um chiqueiro, tava começando já a cheirar mal o apartamento. Foi lá, fez uma faxina, pegou toda a roupa dele suja… — Porque ele não lavava, gente, não lavava nem as cuecas. — Ela botou a roupa dele na máquina e as cuecas todas ela botou numa sacola e deixou lá no quarto dele, falou:  “A cueca você precisa esfregar suas cuecas para depois botar na máquina”. Ele pegou a sacola e jogou no lixo e a Neuza: “Bom, eu vou acabar tendo um derrame, um infarto aqui”. Então o que a Neuza fez? Ela resolveu radicalizar. Neuza, sem avisar o filho, foi numa corretora de imóveis, botou o apartamento à venda… — A casa era só dela, o apartamento era só dela. —

Conseguiu vender o apartamento e a pessoa que comprou deu três meses para ela sair. — A família da Neuza eles são do sul. — A Neuza comprou uma casa perto da casa da irmã dela, ela comprou um sitiozinho do lado… A aposentadoria dela já estava para sair, ela falou: “Bom, eu tenho férias para tirar, então vou fazer um acordo aqui e não trabalho mais”. A Neuza avisou uma semana antes de se mudar, pegou as coisas dele, porque nem isso ele fez, ele ficou em choque e levou para a casa do pai, que eram três quarteirões dali, porque o rapaz também se recusou a se mudar para o sul. — E era isso que a Neuza queria, que ele não se mudasse para o sul. — O pai também ficou em choque, porque gostando muito de morar sozinho, tendo a rotina dele, agora ele tinha que aguentar o próprio filho. — Mas foi o que a Neuza falou: “Eu aguentei sozinha, eu criei ele sozinho até os 25 anos, agora eu entreguei para o pai dele. Ele é um homem já, então ele e o pai dele que se virem”. 

Ele foi morar no pai e ela se mudou para o sul. Pai e filho passaram a morar juntos e os atritos começaram a acontecer. Primeiro que o rapaz não colaborava em nada em casa. Se ele tomava banho, a toalha estava molhada, lá a toalha ficava. Com a mãe, a Neuza falava, entrava por um ouvido, saía pelo outro. Só que agora com o pai, eles chegavam quase às brigas físicas. Esse rapaz é muito pirracento e ele fazia de propósito pra irritar o pai, coisas que ele sabia que o pai não gostava. Só que a Neuza lá no sul falou: “Bom, eu tô aqui me adaptando à rotina do sítio e daqui não saio mais”. Esse pai e esse filho passaram um ano brigando, quase saindo aos tapas… O pai querendo que a Neuza pegasse o filho de volta, a Neuza falou: “Não, eu moro no sul, não vou voltar e também aqui não é um espaço para ele, aqui não tem nada para ele fazer” e o rapaz também não queria ir para o sul, porque ele tinha toda a vida social dele ali em São Paulo.

Depois de muita briga, o pai resolveu alugar uma kitnet para o filho. Essa kitnet é bem pequena, é num predinho de dois andares, mas assim, tem muitas dessas kitnets para estudantes, então é do lado de uma faculdade. — A pessoa investiu, fez um prédio com locação para estudantes. — Para o rapaz, foi a glória, porque o que ele mais gosta é de fazer social, é festa… Então o pai colocou ele lá, essa kitnet você já aluga mobiliada, o pai paga, não precisa pagar água, luz, porque já está incluso no preço, né? Da kitnet. E o pai dá, na mão dele, pra ele comer e se virar, mais 500 reais. — Então ele paga a kitnet e dá 500 reais na mão de um cara, que a gente tá falando agora de 27 anos, que não quer trabalhar, gente. Não quer trabalhar. — Neuza não sabe como ele consegue se virar… — Mas com 500 reais você come o mês todo… Se você é uma pessoa só e não tem luxos, né? Se só for a base arroz, feijão, salada, sei lá, uma proteína, né? Sem luxos, sem nada. Talvez sem o leitinho que ele goste. —

O fato é que pro rapaz que não quer trabalhar de jeito nenhum, tá ótima a vida. O pai ficou com a vida boa. Neuza tem certeza que esse dinheiro não vai fazer diferença pro pai. Então, assim, ela mandou o rapaz pro pai pra ver se o pai endireitava o rapaz, sei lá, pra ele arrumar um emprego ou alguma coisa assim, né? Só que em vez disso, o pai botou ele numa kitnet, num lugar que só tem festa e ele tá feliz da vida, né? Neuza, que viveu 25 anos para o filho, mudou para o sul, para esse sítio… Lá ela arrumou um cara da idade dela que ela ficou apaixonada. — Cada um tem a sua casa, ele tem um sítio lá perto também, eles não querem morar juntos, mas tem um casamento onde cada um mora na sua casa. Finalmente, ela disse que ela está agora se sentindo plena, importante. Não só uma mãe cuidando de um filho, né? — E agora o pai fica insistindo para que ela volte, porque ele acha que este cara está usando drogas pesadas, que ele está começando a ficar estranho e que o pai diz que ele não dá conta, que a Neuza tinha que vir para cá e buscar o rapaz para levar para o sítio.

Neuza veio um final de semana para ficar na kitnet do filho, a kitnet uma pocilga, porque o rapaz realmente não limpa. Neuza limpou tudo e achou que o rapaz estava estranho, mas que de repente ele não estava dormindo. — Indo a muita festa, enfim… — O rapaz mal ligou para ela e a Neuza falou para o pai: “Olha, eu estou voltando para o sul, pra minha vida no Sul. E se você achar que ele tá com algum problema sério com drogas, vê com ele de ir pra uma reabilitação, porque eu não vou levar ele para o Sul. Eu acabei de reconstruir a minha vida, você passou dois anos com seu filho, não aguentou, já botou ele numa kitnet”. O pai alega que o rapaz já é adulto e que devia já estar se virando sozinho e não tá… E ele culpa a Neuza. E a Neuza falou: “Olha, eu fiz sozinha o máximo que eu pude. Errei algumas coisas? Errei sim, mas se você tivesse mais presente, talvez eu errasse menos”. E Neuza não tá errada. E agora virou uma bucha esse rapaz. 

O pai falou: “Eu continuo pagando e dando os 500 reais pra ele, mas mais que isso não vou fazer, porque ele é um homem adulto”, “Olha, eu já fiz tudo que eu podia até ele ter 25 anos”, ‘então você não tem amor de mãe?”. — Como que não tem amor de mãe, gente? — “Eu amo meu filho, mas eu já me dediquei, dos meus 40 aos meus 65, eu dediquei a ele, agora que eu tenho sei lá quantos anos de vida, eu quero viver um pouco e eu tenho esse direito de viver um pouco. E eu não vou levar filho pra reabilitar, estragar meu relacionamento, a vida que eu criei no Sul, porque o pai não consegue lidar com ele aqui na cidade. Então, não”. Tem horas que ela acha que ela fez tudo realmente que ela podia. Ela começou a fazer terapia e a terapeuta falou para ela: “Você não acha que você fez tudo que você podia? Você podia fazer mais?” e ela falou: “Não, não podia”. Então, não tem o que lamentar. Então, ela está trabalhando isso com a psicóloga, mas, ao mesmo tempo, tem hora que ela fala: “Meu Deus, se ele cair nas drogas ou, sei lá, for morar na rua, a culpa é minha” e ela se culpa.

Então tem hora que ela acha que ela fez tudo que ela podia e tem hora que ela acha que ela é uma péssima mãe. Como lidar com isso, assim? Porque não dá pra você, realmente, não dá pra você expulsar um filho de casa, botar um filho na rua. Mas como lidar com o jovem de hoje, assim? Qual a expectativa do jovem? E a gente não tá falando de jovens que não estudaram… Veja esse cara, ele fez faculdade, mas ele não pensou, em trabalhar nem na área, ele não queria nem fazer o estágio. Eu não sei, gente, porque assim, eu não tenho filhos, né? Então, eu não tenho muito a dizer em relação a isso, assim, essa coisa de criação, né? Tem um ponto bom, importante, nos jovens de hoje, que eles não aceitam a precarização de trabalho que a minha geração aceitou. Isso eu acho importante, mas será que a gente tem que criar novas formas de trabalho? Ou novas áreas? O que acontece hoje? 

Porque a gente está falando de jovens, pelo menos os e—mails que eu recebo, que eles têm pai, têm mãe… Eu acho que isso é uma realidade de uma classe mais privilegiada? Porque o jovem da periferia, ele trabalha, porque ele não tem escolha. Então a gente tá falando aqui de pessoas que têm mais escolhas. E aí joga, então joga pra vida… Deixa resolver? Eu não sei, gente, eu não tenho muito a dizer uma história como essa. Só acho que o rapaz já tinha que estar trabalhando há muito tempo. Mas de onde eu vim é assim, né? A gente começa a trabalhar cedo. Então, essa classe que não é nem rico, nem pobre, que está ali naquele meio, é que está acontecendo isso, eu acho. E esse pai, gente, não aguentou dois anos o filho… Mas aí ele tem obrigação de aguentar um adulto bagunçando a casa dele? Tem esse lado também. O pior de tudo pra Neuza é que esse filho, ele é pirracento, parece que ele faz de propósito, ele ri e ele não tá nem aí. 

Então, gente, eu não sei… Eu fico meio assim de descer a lenha porque é o filho da Neuza, né? Então, assim, a gente sabe que uma mãe não quer ouvir coisas do próprio filho e enfim, mas Neuza, não acho que você foi uma mãe ruim, nem nada nesse sentido, não. O que vocês acham? 

[trilha]

Assinante 1: Oi, nãoinviabilizers, aqui é a Malu Moraes, eu tô falando de Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Queria deixar meu abraço pra Neuza, dizer que ela foi muito corajosa, tá sendo muito corajosa de manter essa decisão dela e que ela fique firme, porque a gente não pode ajudar ninguém que não quer ser ajudado. Eu acho muito importante dizer que existe sim uma geração que está entrando no mercado de trabalho agora dos seus 20, 20 e tantos anos, que está com muita dificuldade de ser comprometido, de não ser preguiçoso, de não esperar as coisas meio que caírem no colo. E existe, sim, muitos programas de jovem aprendiz em que essa criança, esse adolescente, pode começar a exercitar, desde os 14 anos, responsabilidades. 

Assinante 2: Oi, nãoinviabilizers, meu nome é Samanta, sou de São Paulo. Essa história parece a história da vida do meu irmão. O meu irmão tem trinta e poucos anos, mas foi quinze anos dando trabalho pra minha mãe com droga, que não queria trabalhar, só queria ficar vagabundando. O meu pai, ele foi um pai, assim, fisicamente presente, mas na questão de educação, de empurrar o cara pra vida, de ensinar, de mostrar as coisas, foi totalmente ausente. Além de vários maus exemplos que ele deu pro meu irmão. E é isso. Um beijo. 

[trilha]

Déia Freitas: Então é isso, gente, um beijo e eu volto em breve.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]