título: pisadeira 2
data de publicação: 30/10/2025
quadro: luz acesa
hashtag: #pisadeira2
personagens: lucinda, seu josé e tio ernesto
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para um Luz Acesa. E hoje vou contar para vocês a história da Dona Lucinda. Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]Dona Lucinda, quando ela era criança, ela junto com a sua família fazia uma coisa que hoje em dia é muito comum, mas que para a época era, sei lá, pouca gente fazia, que era separar reciclados. O pai da Dona Lucinda separava metais — numa época que era mais fácil até de se encontrar ferro, cobre, junto com entulho, com lixo mesmo — e conseguiam um bom dinheiro até vendendo isso… O pai dela — que a gente pode chamar aqui de “Seu José” —, Seu José, conseguia manter a família com esse trabalho e assim cresceu a Lucinda… — Ajudando… Desde pequena os filhos… Eram oito filhos, então todos ajudavam nessa busca aí pelos ferros, pelos cobres no meio de entulhos, no meio do lixo, enfim, eles conseguiam fazer essa separação. — Com o tempo, o Seu José foi crescendo nessa área e ele abriu um pequeno ferro velho.
Era ali que Lucinda, seus irmãos, além de ajudar o pai, eles brincavam naquele ferro velho e Seu José abriu esse ferro velho junto com o tio da Lucinda — irmão dele, que a gente vai chamar aqui de “Tio Ernesto” — e, conforme esse ferro velho foi crescendo, Seu José e Tio Ernesto compraram aquele terreno e compraram o terreno do lado. Do lado eles fizeram duas casas, uma de frente para a outra. — Então uma casa era do Tio Ernesto e a outra casa era do seu José. — Seu José fez uma casa com três quartos, quatro filhos dormiam no quarto da frente, quatro filhos dormiam no quarto dos fundos e, lá nos fundos, tinha ainda mais um quarto, que era o quarto do casal. E o Tio Ernesto fez uma casa menor, com um quarto só, ali virado para a frente. — Metade do terreno era de um, metade era de outro e eles fizeram tipo um pátio no meio. Acho excelente a ideia. Eu adoro casas, assim, familiares… — O tempo foi passando, Lucinda já estava ali com seus 14 para 15 anos e ela pediu pro Seu José colocar no quarto dela um espelho.
Na família toda tinham só duas meninas… — Vamos dar nome aqui: Lucinda e Emília. — No quarto da Lucinda e da Emília ficaram os dois meninos menores, assim, uns quase bebês ali e o outro quarto para os quatro meninos maiores. Então, a Lucinda pediu ali para o pai colocar tipo uma penteadeira pras duas meninas ali no quarto delas e o Seu José colocou bem em frente a janela. Então ficava a penteadeira, uma mesinha e essa mesinha ficava de frente para a janela, que dava pra janela do quarto do Tio Ernesto. O tempo foi passando, eles trabalhavam muito durante o dia e toda a família trabalhava… E à noite todo mundo chegava muito cansado, enfim, ainda era uma época que a casa não tinha muitos recursos, apesar de ser uma casa construída ali, não tinha água encanada, então assim você tinha que tomar banho de balde ou esquentar água, enfim, era mais complicado.
O Tio Ernesto vinha reclamando de um cansaço, estava se sentindo meio mal… Ela já estava com seus ali 15 anos — meninota — e ela já tinha feito até a quarta série, então assim, você estudava até a quarta série e depois não estudava mais, então ela não queria mais trabalhar no ferro velho ajudando e ela estava já ajudando mais a mãe… — A gente pode chamar aqui de “Dona Neide”. — Ela estava ajudando mais a mãe, fazendo mais coisas ali com a sua mãe e ela via pouco o Tio Ernesto. Ela ficava sabendo que ele estava reclamando que ele estava se sentindo mal porque o pai, Seu José, comentava ali na hora que eles estavam comendo a noite. Um dia, todo mundo chegou cansado, Lucinda já tinha tomado seu banho primeiro, os meninos trabalhavam todos no ferro velho — os do outro quarto, né? Os bebês óbvio que não. — e as casas eram uma de frente para outra e as duas tinham varanda, ele estava sentado ali na sua penteadeira.
Seu tio — Ernesto — estava sentado ali, naquela varanda… Lucinda da janela do quarto ela via a casa inteira do tio, inclusive o telhado. Isso era mais ou menos umas sete horas da noite e já estava escuro… — Já estava estranho. — Com uma lua que deixava tudo claro. — Sabe quando a lua está… Eu não sei de que fase de lua que a lua ilumina tudo e que fica meio claro, assim, você consegue enxergar bem com a luz da lua. — E ela viu o tio sentado na varanda e ela conseguia também olhar a casa toda, inclusive o telhado. — As telhas eram aquelas telhas de argila, de cerâmica e, sobre o telhado, Lucinda conseguia enxergar um cabelo branco, comprido, uma figura muito magra e que na cabeça da Lucinda, parecia uma mulher. Lucinda — na sua cabeça de adolescente — não conseguiu entender aquilo e ela pensou: “Meu Deus, meu tio arrumou uma namorada que está no telhado?”, mas era uma mulher muito velha e ela não conseguia ver o rosto dessa mulher, ela só via os cabelos assim e que era uma mulher muito magra… E parecia que ela vestindo algum pano, mas ao mesmo tempo, Lucinda não sabe dizer se aquilo era o cabelo da mulher e a mulher estava nua. — Ela não sabe dizer… —
Lucinda não sentiu medo e voltou a fazer as coisas dela e esqueceu que o tio estava lá na varanda. Todo mundo dormia cedo, quando foi umas oito e meia ali ela já estava dormindo… No outro dia cedo, Tio Ernesto não apareceu. — Tanto Seu José quanto Tia Ernesto eles iam muito cedo pro ferro velho, que era colado na casa. — Seu José foi lá, as portas não tinham nem chave para trancar, né? Você abria a porta e entrava. — Entrou e o Tio Ernesto estava na cama… Ele não estava morto, mas ele mal conseguia falar… E aí aquela correria, porque era uma época, assim, com pouquíssimos recursos e tinha que levar ele pra cidade para ver se achava um médico e tal pra tratar o Tio Ernesto, ninguém sabia nem o que era… E quando foram fazer esse movimento de socorrer o Tio Ernesto, ele, com a voz muito fraquinha, falou pro Seu José: “Não, não adianta me socorrer”, e aí o Tio Ernesto contou ali a história dele. Ele disse que ele deitou e, quando ele viu, tinha uma mulher, como se fosse um cadáver, em cima dele.
E que essa mulher abriu a boca e que a boca dela era um buraco sem fim. E que algo — que ele não sabe o que —, saiu dele, que ela sugou dele, sem encostar nele… Enquanto ela ia tirando essa energia dele, ele ia ficando fraco. E aí ele falou assim pro Seu José: “José, você lembra o que o papai falava para a gente? Eu acho que eu recebi a visita da Pisadeira. Eu tô morrendo, eu sei que eu estou morrendo, então eu quero água e eu quero ficar aqui”. E aí eles se revezavam ali para cuidar do Tio Ernesto, mas ele não conseguia levantar da cama e as crianças maiores faziam turnos ali, também Dona Neide, todo mundo cuidando ali do Tio Ernesto. E ele durou assim cinco dias e tinha dias que olhava para o teto assim e falava: “Olha ela, olha ela”, assustado… E uma das crianças conseguiu ver a Pisadeira, um dia que estava lá tomando conta do Tio Ernesto. E esse menininho — que a gente pode chamar aqui de, sei lá, de “Mário” — disse que essa mulher desceu pela parede e ficou em cima do Tio Ernesto e ele ficou ali, paralisado. Quando essa mulher olhou para ele, onde era boca e olho, não tinha nada, era um buraco preto e ela era toda enrugada…
E foi o jeito que a Lucinda viu — que é a Lucinda que está contando a história para a gente, só que ela estava de longe, só iluminando com a luz da lua, então não dava para ver o olho, nada, né? Então ela não viu esse esses buracos — e o Mário, ele ficou tão assustado, que ele não conseguia se mexer. — Então ele ficou lá parado vendo e, quando a Dona Neide apareceu lá, tinha uma poça de xixi, ele fez xixi nas calças em pé… E uns dois, três anos, ele fez xixi na cama… — Dormindo e tal. — Passado alguns dias, o Tio Ernesto faleceu e foi um dia que ele pediu… Ele falou: “Olha, não precisa ficar ninguém comigo essa noite, eu quero ficar sozinho”. Ninguém sabe explicar o que aconteceu, assim, Tio Ernesto era um cara nem magro e nem gordo, e ele estava magro… — Eu vou usar a palavra que a Dona Lucinda usou: “chupado”. Eu acho que é por conta também que ele mal estava se alimentando, só tomando água, então perdeu muito peso e a hora que ele morreu a família focou nisso, né? Mas a família acha que foi a Pisadeira que veio tirar ali o restinho de vida que ele tinha, né? —
Na cidade dela naquela época, as pessoas falavam que a Pisadeira… Como é que ela chega até você? Você precisa estar muito triste, muito pra baixo… E o Tio Ernesto tava assim porque há alguns anos ali, uns 15 anos, ele teve uma namorada e não deu certo esse namoro… Enfim, tem namoro que não dá certo… E essa namorada tinha arranjado um outro namorado, tinha se casado e o Tio Ernesto na época ficou muito triste, mas enfim, passou… E depois de quase uns 15 anos de casamento ela tinha ficado viúva. Então, acendeu ali no Tio Ernesto, ele tinha um amor por essa moça, né? Um interesse de novo nessa moça. E quando ele foi conversar com essa moça, ela falou que o marido tinha sido o grande amor da vida dela e que ela não ia se envolver com mais ninguém. Ele ficou decepcionado ali pela segunda vez e ele ficou muito triste e, Dona Lucinda, acha que foi isso que desencadeou ali uma tristeza no seu Tio Ernesto que abriu as portas para a Pisadeira.
O irmãozinho da Lucinda — o Mário, que era bem mais novinho — infelizmente morreu de tuberculose… — A Dona Lucinda já era adulta… — E ele falou pra mãe quando tava morrendo que ele nunca ia esquecer o que ele viu da Pisadeira, e que ele agradecia que ela não tinha vindo buscar ele. — Então, veja, o menino ficou traumatizado com o que ele viu e ele sempre contava isso, assim… Que ela desceu em cima do Tio Ernesto e que ela era, assim, ficava muito pra encostar, não encostava, mas que ela abria boca, assim, e fazia um barulho e que uma hora ela olhou pra ele, que ela não tinha nem olho, nem boca, e era realmente esse cabelo branco, a pele toda enrugada e ela realmente estava sem nada, sem roupa, assim… — Dona Lucinda só viu aquele dia no telhado e uma coisa que Dona Neide falou pra ela é que, assim, nem todo mundo vê a Pisadeira… Tem gente que fica como o Tio Ernesto ficou e não vê a Pisadeira. Ela vem, ela fica em cima, mas você não vê… Segundo Dona Neide, você precisa ter uma mediunidade pra ver, né?
E Dona Neide falou pra ela, tanto pra ela quanto pro Mário, que eles tinham que tomar cuidado, porque agora sempre que ela aparecesse pra alguém, eles iam ver. E a Dona Lucinda até hoje não olha para os telhados e sempre fica cismada de um dia ela conseguir de novo um dia se encontrar com a Pisadeira ou ver a Pisadeira chegando pra alguém.
[trilha]Assinante 1: Oi, gente, aqui é a Jéssica do Rio. De todas as histórias, a Pisadeira é a que me apavora mais. Olha, eu sou Luzaceser, eu escuto todas feliz, contente, rindo à toa, mas a Pisadeira me dá um cagaço… Eu não gosto de olhar pra telhado e, mesmo eu morando de frente pra telhado, eu não gosto de olhar porque eu morro de pânico… Jesus amado, tá repreendido… Socorro, Seu Tranca a Rua… Beijo, gente.
Assinante 2: Oi, nãoinviabilizers. Cara, Pisadeira é pesadelo puro… Cagaço… Minha nossa… Podemos já ter Pisadeira 3, 4, 5? Coletando Pisadeira, já tô amando, já. Dá medo? Muito… Deus é mais. Deus me livre? Deus me livre, mas tamo aqui comendo pipoca, ouvindo Luz Acesa.
[trilha]Déia Freitas: Essa é a história da Dona Lucinda, comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis. Um beijo e eu volto em breve.
[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]