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título: plástico
data de publicação: 23/01/2023
quadro: luz acesa
hashtag: #plastico
personagens: geraldo

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. E hoje eu cheguei pra um Luz Acesa. — Olha, eu estou tentando gravar essa história há três dias. O que aconteceu? Eu fiz o roteiro, essa é a história de um senhor chamado Seu Geraldo. E, desde o dia que eu falei com seu Geraldo, eu venho tendo pesadelos, assim, aleatórios. Mas quando eu tentei gravar pela primeira vez essa história, na sexta que passou, hoje é segunda, eu comecei a sonhar com o personagem principal dessa história, ter pesadelos sérios com isso. Então, eu não consegui gravar à noite, essa é a minha terceira tentativa de gravar. Na primeira, eu tentei gravar a noite e eu fiquei com muito medo. Parei. Na segunda vez eu tentei gravar e meus gatos derrubaram aqui umas coisas, caiu tudo no chão, mas foram eles, de onde eu estava, eu tava vendo. E aí eu falei: “Bom, me desconcentrei, não vou gravar”. E a terceira vez que eu tentei gravar, minha voz sumiu, mas eu também estou com um problema de garganta, então estou com uma dorzinha de garganta… Então faz parte. E agora eu estou tentando gravar de manhã, [risos] porque aí, né? Acaba um pouco a coisa do medo. Como tá chovendo aqui no meu bairro, na minha cidade, em santo André, não tem obra, então fica mais fácil gravar. Então esse é o bastidor [risos] aí do Luz Acesa de hoje. —


E hoje eu vou contar para vocês a história do seu Geraldo. Então vamos lá, vamos de história.


[trilha]


Essa história tem bastante tempo e o seu Geraldo, na época, ele trabalhava numa firma, numa metalúrgica e ele ia de ônibus trabalhar. E, numa dessas vezes que ele foi trabalhar de ônibus, estava um trânsito, assim, infernal, não tinha como avisar chefe, nada… — E por que estava trânsito? — Ele passava na beirada de um córrego com o ônibus e, naquele córrego, alguém tinha sido assassinado e enrolado num plástico muito grande, assim. O seu Geraldo nunca gostou de ver essas coisas, né? De ver gente morta e tal… Ele estava na janela do ônibus e o ônibus parou bem do lado de onde estava essa pessoa morta e ele não olhou. Então, todo mundo do ônibus ficou olhando, comentando e ele ficou olhando pra frente. Ele não quis olhar. Ele ainda falou: “Ai, Déia, vão me chamar de frouxo lá no seu programa, mas pode chamar. Eu não quis olhar, não”. — E aí não olhou, gente, não olhou… — E o ônibus seguiu ali pra firma, pra metalúrgica que seu Geraldo trabalhava. 


Seu Geraldo trabalhou aquele dia muito angustiado, ele não sabe explicar assim… A única coisa diferente que tinha acontecido no dia dele foi esse trânsito que rolou, ele bateu o ponto três minutos atrasado e o dia passou… Ele com aquela angústia… Ele foi para casa, chegou em casa, contou pra a mulher dele, a dona Ivete e falou: “Nossa, passei o dia com uma angústia e na ida tinha uma pessoa morta enrolada no plástico… Eu nem sei se é homem, se é mulher, porque eu não quis prestar atenção, não quis olhar”. E dona Ivete já estava sabendo daquele crime e falou pra ele: “Ah, foi um homem que acharam morto enrolado no plástico, né?”. E o seu Geraldo não quis saber mais. E aí a rotina do seu Geraldo era chegar, tomar banho, jantar, assistir um pouco ali de telejornal e já dormir. — Que ele acordava muito cedo pra ir trabalhar. — E aí ele fez lá a rotinazinha dele e, quando ele ia dormir, a esposa dele já estava deitada, já estava… Às vezes até já estava dormindo… 


E, conforme ele deitou… — Vamos aqui falar do quarto do seu Geraldo. — A cama de casal ficava na frente da porta… — Ai, não sei se isso é bom, né? Será que é bom isso? — Ele sentava, fazia uma oração burocrática mesmo, um Pai Nossozinho pra dormir e deitava e dormia. Ele estava sentado na cama, recostado na cabeceira — deitado sentado, sabe, assim, na cama? — e ele fazendo a oraçãozinha dele e, no que ele olhou pra porta… [efeito sonoro de tensão] Ele viu o homem que supostamente devia ser o homem que estava lá na beira do córrego, enrolado no plástico, em pé na porta dele. [efeito sonoro de tensão] E ele viu o homem em pé na porta dele… E ele falou: “Não, não pode ser porque eu nem olhei. Eu não tenho essa imagem na minha cabeça, não olhei”. E aí ele fechou o olho, virou para o canto e dormiu. 


Quando foi lá pelas duas da manhã, ele nunca acorda… Ele nunca tem sede, nunca nada… Ele já acorda ali, dez pra cinco, que é o horário que ele levanta e a esposa dele levanta logo em seguida. — Porque é o seu Geraldo na época que fazia o café, né? E aí ele acordava ela e tal. — E aí duas pouco ali da manhã ele acorda com sede e já tinha esquecido de tudo e levantou ali pra tomar água… Conforme ele levantou da cama, naquele escuro, ele falou desse jeito pra mim: “Andréia, por essa luz que está aqui me iluminando agora, eu peguei no homem com plástico, porque ele estava muito colado na cama. Então, eu fiquei em pé e dei de cara com ele e, pra não cair pra trás, eu segurei o plástico. Eu senti o plástico na minha mão…”. — Ó, tô toda arrepiada… — “E eu não consegui gritar. Eu soltei aquele plástico sem entender o que estava acontecendo e corri… Esqueci até que Ivete estava ali dormindo e corri pra cozinha pra pegar uma faca. Conforme acendi a luz, peguei a faca. Cadê? Voltei para o quarto com a faca, acendi a luz, Ivete já estava acordando e assustou de me ver com a faca, porque achou que eu fosse esfaquear ela”. [risos] 


E aí ele falou: “Não, não é pra você, não… É pro homem que estava aqui dentro”. E aí ela levantou também, eles procuraram e não tinha homem nenhum. — E, a partir daí, gente, o seu Geraldo começou a ver esse homem enrolado no plástico. — E o problema era… Pensa num plástico grande, transparente… O homem estava com uma roupa por baixo desse plástico e ele foi enrolado vestido no plástico, só que prenderam o plástico no rosto desse homem, em volta da cabeça, com fita… [efeito sonoro de tensão] Então, ele via esse homem com a fita enrolada na cabeça e, conforme os dias foram passando, o seu Geraldo foi percebendo… Porque, assim, ele via esse homem dentro de casa, ele via esse homem quando ele saía, porque ele saía e estava escuro ainda, né? E ele chegou a ver esse homem na firma. Só que, conforme os dias foram passando, esse plástico parece que estava apodrecendo junto com o cara. — E a gente sabe que plástico demora pra decompor, né? Então ai eu até brinquei com seu Geraldo, falei: “Ó, tá vendo? É uma inconsistência aí do mundo [risos] espiritual, porque o plástico demora para se decompor”. —


Só que ele falou assim: “Eu não sei se tava apodrecendo o plástico ou se o plástico estava ficando com lodo assim… E as fitas, em volta do rosto dele, fita tipo fita isolante preta, sabe? E dava pra ver o rosto dele. Então, passou, sei lá, uma, duas, três voltas só de fita em volta do rosto para o plástico, sei lá, asfixiar o cara”… Porque ele não sabia do que o cara morreu, nada… E o cara foi arrancando, ele não sabe como, as fitas. Então as fitas estavam despedaçadas, assim, meio que largadas do lado do rosto, assim. Só que, conforme o tempo também foi passando, este homem embrulhado no plástico, ele foi ficando agressivo. [efeito sonoro de grunhidos] O seu Geraldo não sabe como, ele começou a aparecer com hematomas. Ele dormia e ele sentia, tipo, levou um soco, levou um chute. Falei: “Mas como se o cara estava embrulhado no plástico, né?” e o Geraldo falou: “Eu não sei, Andréia, só sei que eu passei a ser machucado. E cada dia mais machucado…”. E aí, dona Ivete começou a ficar preocupada, né? E resolveu chamar lá uma benzedeira que tinha na época… Não adiantou.


O seu Geraldo começou a ir na missa e não adiantou… E isso foi prejudicando a saúde do seu Geraldo, até que ele comentou lá no serviço dele com o chefe dele, o que estava acontecendo e o chefe dele deu para ele um escapulário e falou: “Olha, você vai usar isso aqui, você não vai tirar do seu corpo mais” e ele começou a usar o escapulário e, conforme o tempo foi passando, as visões desse homem embrulhado no plástico foram diminuindo, até que cessaram. Mas isso durou mais de ano, ele sendo assombrado por este homem enrolado num plástico, que ele falou que era igual a um cadáver mesmo assim e ele ficava parado… — Ainda perguntei pra ele, né? Porque o cara estava enrolado no plástico, se ele fosse andar, ele ia ter que dar uns pulinhos, né? Tipo, ir pulando assim e ele falou: “Não, Andréia, eu não via ele andar, ele aparecia na minha frente… Brotava na minha frente”. E eu sonhei que esse homem do plástico aí… No meu sonho ele estava com o plástico só na cabeça e, um dia ele estava aqui na minha porta de entrada… E, no segundo dia que eu sonhei com ele, já estava dentro da minha casa. Então aí fiquei apavorada… Mas é aquela coisa, né, gente? Eu fiquei pensando nisso e escrevendo sobre isso, e aí foi por isso que eu sonhei, né? Não foi que o homem apareceu para mim… Oremos. —


E essa é a história de seu Geraldo, ele falou que ele ficou a ponto de enlouquecer real, que ele adoeceu e que foi esse escapulário que ele usa até hoje… O escapulário arrebentou, né? Porque aquilo é um… Como se diz? É um cordão, um barbante e hoje ele tem o escapulário dentro de um plastiquinho — Ó a ironia do plástico aí — pra conservar melhor, dentro da carteira… Apodreceu, né? Aquele barbantezinho, vai ficando velho e tal, né? E arrebenta. Mas ele usa na carteira até hoje, e aí nunca mais viu esse homem embrulhado no plástico. E, na época, a esposa dele, Ivete, ela foi até atrás de saber quem era, porque saiu notícia no jornal, tudo, mas o seu Geraldo, quanto menos ele soubesse, melhor. Ele achava que quanto mais informação ele tivesse, mais esse homem ia ficar grudado nele. Então ele não quis saber de nada. E essa é a história do seu Geraldo e deste homem embrulhado aí em saco plástico que estava na beira do córrego.

[trilha]

Assinante 2: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, aqui é a Duane de São Paulo. Essa história é assustadora, né? Você pensar que tem ali um espírito na sua frente dessa forma… Porque a forma como a pessoa morreu foi muito trágica, né? E ainda bem que esse escapulário aí te protegeu, hein, seu Geraldo? Ainda bem. Um beijo. 

Assinante 2: O que eu não entendo. Tanta gente ficou olhando e comentando sobre esse homem, porque que ele grudou no seu Geraldo, que nem olhou pra ele, que nem fez nenhuma referência ao crime ou teve curiosidade sobre? Eu não consigo entender esses links assim, que às vezes gruda na pessoa aleatória, porque aí isso dá uma complicada pra gente. Quer dizer, a gente não olha, a gente não comenta e mesmo assim a coisa é bem. 

[trilha]

Déia Freitas: O que eu não entendo? Tanta gente ficou olhando e comentando sobre esse homem, por que ele grudou no seu Geraldo que nem olhou pra ele? Que nem fez nenhuma referência ao crime ou teve curiosidade sobre? Eu não consigo entender esses links assim, que às vezes gruda na pessoa aleatória, porque aí isso dá uma complicada pra gente, né? Quer dizer, a gente não olha, a gente não comenta e mesmo assim a coisa vem? É injusto, né? Seu Geraldo não fez nada… Tanta gente ali, gente botando a cabeça pra fora do ônibus pra ver melhor e pegou justo no seu Geraldo? Horrível, né? Bom, então, essa é a história de seu Geraldo, comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis com seu Geraldo. Um beijo… Deus me “libre”. E eu volto em breve.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.