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título: princípios
data de publicação: 04/05/2023
quadro: picolé de limão
hashtag: #principios
personagens: dona juventina

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão. — E hoje eu não tô sozinha, meu publiii. — [efeito sonoro de crianças contentes] Quem está aqui comigo hoje é o podcast Nenê da Brasilândia, o novo podcast da Wondery, produzido aí pela Rádio Novelo. Nenê da Brasilândia é fruto de uma investigação enorme que começou lá em 1990, investigação feito pelos jornalistas Davi Molinari e Paulo Motoryn. — Os dois que apresentam aí o podcast. — Eles se dedicaram por anos pra entender quem foi Floripes Souza de Oliveira, a Nenê da Brasilândia, que é aí a mulher que dá nome ao podcast.


Gente, a Nenê, ela foi simplesmente a maior traficante de drogas da cidade de São Paulo nos anos 70 e 80. A Nenê comandava um esquema, assim, imenso… E ela tava sempre nas capas dos jornais, né? — Tipo, superstar de noticias populares. [risos] — E ela chegou a botar em prática, assim, uma fuga cinematográfica, com tiro, perseguição de carro… Numa das vezes que ela foi presa, né? Porque foi várias… O podcast da Wondery, Nenê da Brasilândia, produzido pela Rádio Novelo já está no ar e entram toda terça—feira no Amazon Music. Em outras plataformas você já pode ouvir os dois primeiros episódios pra ter aí um gostinho de quero mais. Eu vou deixar o link pra vocês aqui na descrição do episódio. 

— E hoje… [risos]  A história de hoje fica assim numa zona mais cinza da coisa. [risos] — Hoje eu vou contar para vocês a história da Dona Juventina. — Primeiro eu quero dizer que eu fico surpresa quando eu recebo cartas de pessoas evangélicas, porque eu achei que, sei lá, que não é a vibe, não é meu público, mas vira e mexe eu recebo histórias de pessoas que professam dessa fé em Cristo e tal, que são cristãs, evangélicas e aqui é o caso da Dona Juventina. Ela disse que: [efeito de voz fina] “Olha, Déia, eu acompanho seu programa, não escuto todas as histórias, aquelas mais picantes eu não escuto, tem algumas opiniões suas que eu também não concordo, mas eu gosto muito das histórias” [risos] e o podcast está aí pra isso, né? Um espaço democrático, nem todo mundo precisa gostar de tudo. [risos] E a história da Dona Juventina vai ficar aí nessa área cinza, né? Que eu acho que vai ter gente que vai concordar com ela e tem gente que vai discordar. [risos] Então, eu vou começar do começo… [risos] — Então vamos lá, vamos de história.


[trilha]


Dona Juventina, uma mulher viúva, já com os filhos criados, morando no mesmo quintal que a irmã, que também é uma mulher evangélica, casada aí com uma criatura. — E essa criatura cunhado aí de Dona Juventina… — Dona Juventina a única ali daquele pequeno núcleo familiar que está com o nome limpo, que tem ali o seu cartãozinho de crédito, seu nomezinho limpinho pra fazer um carnê, uma prestação aí… E acontece que há mais ou menos um ano e pouco, o carro do cunhado quebrou e ele não tinha dinheiro pra consertar a vista e eles tinham ali uma prática realmente de emprestar o cartão, né? De todo mundo usar o cartão da Dona Juventina e isso nunca deu problema. E aí, num movimento natural, o cunhado foi lá e pediu o cartão de Dona Juventina e ela falou: “Lógico, empresto sim”. 


E aí o cara foi lá, pegou o cartãozinho de Dona Juventina e fez ali seis prestações de 380 reais. — Então, assim é uma prestação que Dona Juventina sozinha, se o cara falhasse, ela não ia conseguir pagar. — E aí ele pagou a primeira, pagou a segunda… Na terceira, quando Dona Juventina foi cobrar pra ele depositar ali o dinheiro na conta dela, ele já falou: “Olha, esse mês eu não vou ter”, e aí a Dona Juventina falou pra ele: “Mas o meu cartão ele cai a fatura todo mês, não tem essa de “esse mês eu não vou ter”, como é que eu vou fazer? Não tenho pra pagar”. Aí ele começou a dar uma lição de moral na Dona Juventina, falando que ele era um homem de princípios… [efeito de voz grossa] “Porque eu sou um homem de princípios, que isso, que aquilo, que você está me ofendendo”. Quer dizer, ela estava ali cobrando um dinheiro de um favor que ela fez para ele e ele falando isso. E aí ela ficou ali cabreira e não tinha muito argumentos pra rebater ele e passou… 


O primeiro mês ela recebeu o aviso, o segundo mês já não conseguiu pagar a fatura porque no segundo mês ele também não pagou e o nome de Dona Juventina foi para o SPC, Serasa. E aí ela, arrasada, arrasada, porque a única coisa que o pobre tem é o seu nome… E aí ela, assim, muito mal, muito mal… E ela notou que esse cunhado ele estava, assim, mais arrumado, estava passando perfume… Dona Juventina que já estava muito cabreira com ele… — Sabe quando você começa a implicar com a pessoa? — E ela começou a reparar mais, falou: “Ué, do nada esse homem se arrumando? Não está nem se arrumando pra ir na igreja em dia de dar testemunho… O que que é isso?”. E aí ela muito cabreira resolveu um dia que este homem se arrumou, — era umas quatro da tarde, não era dia que tinha culto e saiu… — ela falou: “Eu vou atrás dele, não tenho nada pra fazer… Ele já está me devendo, vou atrás dele”. 


Dona Juventina seguiu este homem… Este homem andou a pé por um bairro inteirinho, atravessou esse bairro e chegou num ponto de ônibus e ficou ali parado no ponto de ônibus. Aí Dona Juventina pensou: “Poxa, como é que eu vou fazer agora pra subir no mesmo ônibus que esse homem sem ele me ver, né? Não vai dar”. E já estava desistindo, voltando… Quando parou um ônibus, ele não subiu e desceu uma moça. — Desceu ali uma mocinha… — Dona Juventina, pela roupa, ela achou também que fosse uma moça evangélica e ali ele deu um beijo na boca da moça. Dona Juventina não acreditou… Como assim deu um beijo na boca? Na hora ela sacou o celular e começou a filmar. E aí ele deu mais um beijo na moça e foi andando de mãos dadas com a moça por mais ou menos ali um bairro e entrou numa casa. 


E aí Dona Juventina chocada, pegou, anotou ali o endereço da casa, ficou esperando um tempo e deu mais ou menos uns 20 minutos, o cara saiu… O cunhado dela. E aí ela correu, se escondeu pra ele passar na frente e ele voltou pra casa. Aí Dona Juventina falou: “Ah, quer dizer que ele está namorando? Ele está namorando…”. — E aí é que é que a gente vai pra uma zona cinza… — Porque Dona Juventina resolveu o que? Contar pra irmã? Não. Contar para o pastor da igreja? Não. Dona Juventina resolveu chantagear o cunhado. Aí ela chegou depois dele, esperou ele entrar ali, deu uma disfarçada e entrou. E, no dia seguinte cedo, antes de o cunhado sair para trabalhar, ela estava toda feliz ali no quintal, lavando roupa… A irmã dela já tinha saído, porque era dia de… — Algumas pessoas da igreja revezam ali pra limpar a igreja e era o dia que a irmã dela ia. — E a irmã dela já tinha saído cedo para ir lá resolver isso e ela chamou o cunhado e falou: “Então, eu tenho uma coisinha pra te mandar”, e aí o cunhado falou: “O quê?”, ela falou “Depois eu te mando”. — Porque ela ficou com medo, só os dois ali de, de repente, ele fazer alguma coisa, né? E você vê o instinto da mulher, né? — Ela falou: “Meu cunhado nunca foi agressivo, nada, mas eu sou mulher e ele é homem. Nós dois ali… Eu mostro um vídeo que eu tenho dele beijando outra mulher e ele pode me dar um soco ali, sei lá, me matar”. — E ela está correta, né? —

E aí Dona Juventina esperou esse homem sair, ele saiu todo cabreiro e, quando ela mais ou menos calculou o tempo que ele chegava no serviço, ela mandou o vídeo pra ele. [risos] Aí ela falou: “Então, aquelas parcelas estão aqui com juros. Quando é que você vai me pagar?”. E aí ele ficou mudo, demorou pra responder… E aí ele falou de novo: “Eu sou um homem de princípios, eu vou te explicar”. E aí ela falou: “Olha, eu não preciso que você me explique nada… Eu posso mostrar isso na igreja, posso mostrar isso aqui pra minha irmã e eu posso mostrar isso aqui na rua, o que você quer? Você vai me pagar? E agora tem duas atrasadas e tem mais duas pra vencer… Então, agora eu quero todas, todas as prestações”. E aí passou um tempo, mais ou menos umas duas, três horas… Provavelmente este homem deve ter pedido um adiantamento ou um empréstimo na firma e ele depositou, inclusive com juros e tudo as parcelas atrasadas e pagou ali a Dona Juventina. [risos].


Dona Juventina recebeu o dinheiro, foi lá, acertou as prestações atrasadas — pra tirar o nome dela do SPC, Serasa — e depois que o nome dela estava limpo, ela pegou o vídeo e mandou pro pastor e mandou pra irmã. [risos] Porque ela diz que ela é uma mulher de Deus e ela não podia guardar esse tipo de segredo. [risos] E aí, não satisfeita, Dona Juventina foi lá na casa da moça e, realmente, a moça é evangélica. O cunhado dela, muito, mas muito mais velho, tinha mentido que era pastor de uma outra cidade e estava já praticamente enganando a moça, mas aparentemente ele só tinha um trocado assim beijinhos ali, né? E aí já deu a letra também pra a família da moça e a moça rompeu com ele. Então ela foi aí esperta de uma maneira cinza… [risos] — Porque sim, Dona Juventina, o que você fez foi chantagem, né? — E depois de chantagear o cunhado, ela contou pra todo mundo do caso dele e foi lá e contou para a família da moça que ela nem conhecia, bateu palma lá na casa e contou. [risos] 


Falou: “Ó, o namorado da sua filha aí é o meu cunhado, casado com a minha irmã há 20 anos e nã nã nã”. [risos] Dona Juventina a gente do caos, né? [risos] E, detalhe: O homem de princípios foi perdoado tanto na igreja, lá na comunidade deles na igreja, quanto pela irmã de Dona Juventina. Então, ele meio que continua com o discurso de que ele é um homem de princípios. [risos] — Ai, meu Deus, que ódio… [risos] — Mas pelo menos ela resolveu essa questão do cartão, ela não empresta mais agora. — Então é uma coisa que também ele perdeu, né? Não pode mais usar aí o cartão de Dona Juventina. — E essa é a história dela, ela falou: “Ai, Déia, eu sei que vai ter gente que vai me recriminar, mas eu já estou em paz aí com Deus”. [risos] “Já estou bem com Cristo, então tá tudo certo”. [risos] Amo… [risos] 


[trilha]

Assinante 1: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, meu nome é Marília, sou de Campinas, interior de São Paulo, sou advogada criminóloga e vim aqui para assumir a defesa da Dona Juventina, tá? Apoio completamente que ela fez, acho que está certíssima de contar para todo mundo mesmo, tá? Ela não tem que ser conivente com esse cara, com esse cunhado dela. Perdoar ou não é uma decisão da irmã dela. Mas queria dizer que, o que a gente chama popularmente de chantagem é o crime de extorsão, está previsto no artigo 158 do Código Penal e esse crime fala em “indevida vantagem”. No caso da Dona Juventina, não era indevida, né? Ele devia para ela, então era uma “devida”, era algo devido. Dona Juventina, não tem crime, não foi chantagem. [risos] Tamo junto, um beijo. 

Assinante 2: Oi, gente… Aqui é Natiely de Santa Catarina e, Dona Juventina, você é minha heroína. Eu só achei essa história meio complicada até o ponto da chantagem porque eu pensei: “Tá, mas aí vai chantagear, vai conseguiu limpar o nome e a irmã vai continuar sendo traída sem saber?”, mas a rainha foi lá e entregou o trabalho. Entregou sem prometer, falou pra irmã a verdade, limpou nome e é isso… Se a irmã resolveu perdoar, aí a questão é dela. Mas a Dona Juventina fez a parte dela e nós vamos passar pano sim. Beijo, gente, beijo, Dona Juventina. Amei a história. 

[trilha] 

Déia Freitas: Bom, gente, não esquece: Tem novo podcast na área, Nenê da Brasilândia. E, olha, é uma história doida, cheia de mitos e que envolve policiais, políticos e até figuras famosas da ditadura militar. A Nenê morreu assassinado em 1989 na porta da sua casa e virou lenda no bairro da Brasilândia, onde ela viveu a maior parte da vida. A Rádio Novelo sempre aí escolhendo histórias ótimas. — Valeu pela parceria, Rádio Novelo e Wondery. — Um beijo, gente, e eu volto em breve. 

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]

E pra você que ficou aqui depois da vinheta, a Dona Juventina disse que quando ela cobrou o cunhado, que ela ameaçou de divulgar o vídeo e tudo, o vídeo dele dando beijocas ali no ponto do ônibus e andando de mãos dadas, né? Era esse o vídeo… Ele falou assim pra ela: “Você sabe que o que você está fazendo vai contra os princípios cristãos, você vai se acertar com Jesus”. E aí ela falou: “Bom, primeiro eu vou me acertar com você, depois eu me acerto com Jesus, uma dívida por vez”. [risos] E aí depois que ela recebeu, ela foi lá contou pro pastor e  se acertou com Jesus também, fez ali as orações… Sei lá como se acerta com Jesus, mas enfim, tá certo aí… [risos] Segundo Dona Juventina, tá tudo beleza. Então é isso, gente, agora eu vou mesmo.

Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.