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título: prouni
data de publicação: 23/09/2022
quadro: politícas públicas
hashtag: #prouni
personagens: dandara

TRANSCRIÇÃO

[vinheta: “Lula lá” no piano] 

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. E hoje eu cheguei pra uma série de histórias diferentes. Ao longo da semana, eu vou trazer aqui pra vocês histórias de pessoas que foram impactadas positivamente e tiveram a sua vida completamente mudada por políticas públicas. [efeito sonoro de Windows travando] — Déia, o que é uma política pública? — Bom, eu vou dar um exemplo aqui, bem simples, pra tentar facilitar aí o entendimento. Digamos que você passe aí todo dia numa praça e ali, naquela praça, você vê uma senhorinha, que a gente pode chamar aqui de dona Maria, pedindo ajuda. E sempre que você passa lá, você dá uns trocados pra Dona Maria, você tenta ali dar um alívio naquela situação da dona Maria, mas você passa por lá de vez em quando. Enfim, não dá para você aí ajudar muito essa pessoa. 

A política pública é algo que vem do governo pra tentar resolver aí essa situação de desigualdade, que é ver aí senhorinhas como dona Maria pedindo ajuda na rua. Mas isso não vem só para Dona Maria, vem pra ela, vem para o João, para o Pedro, para a Vânia e todos que estiverem aí numa situação de vulnerabilidade ou desigualdade, enfim, e geralmente essas políticas públicas elas vêm como um impulso, né? Pra dar uma igualada nas coisas, uma nivelada e tal, né? E a pessoa geralmente não vive eternamente dependente dessas políticas. Então é ali um degrau que às vezes a pessoa não consegue alcançar sozinha, e aí ela leva essa força. E o por que é importante que seja uma política pública e não uma ajuda que venha de você, individualmente? Porque a política pública ela acessa todas as pessoas, né? 

E quando a gente faz uma iniciativa dessa individual, a gente acaba só atingindo ali um nicho, as pessoas que estão no nosso entorno. Então, aqui a gente vai falar um pouco sobre isso, contar histórias de pessoas que foram impactadas por políticas públicas. E aí você vai reclamar: [efeito sonoro de pessoas fazendo “ah” descontentes] “Ah, Déia, um podcast de histórias falando de política?” Primeiro que o podcast Não Inviabilize fala de política e de questões da sociedade o tempo todo. Você que não percebeu… Tudo é política. O ser humano é um ser político, tudo na vida é político. O ato de comer, de se expressar, de se vestir, de ir pra lá e para cá, enfim, tudo envolve política. E agora chegou o momento, eu acho e a maioria que me ouve acho que também pensa assim, da gente se posicionar e lutar aí pelo nosso bem maior, que é a manutenção da democracia e da dignidade humana. 

E este é o meu ato democrático, essa é a minha contribuição voluntária para a retomada de algo que a gente vem perdendo ao longo dos últimos anos: A esperança. Eu estou muito emocionada e quero que, com esses relatos, você restabeleça a sua fé num tempo melhor. Agora é hora de lutar e de ter fé em novos tempos. Eu optei aqui por trazer alguns relatos e vou falar somente o primeiro nome das pessoas, são os nomes reais. Eu não recebi nenhum tipo de remuneração pra contar essas histórias e nem remunerei ninguém para que esse programa fosse ao ar. Então, ele é uma iniciativa minha, que partiu de mim e somente de mim. Ao longo da semana, seremos apenas eu e você. Você que é uma das pessoas que eu amo, das mais de 950 mil pessoas que ouvem esse podcast fielmente em mais aí de 92 milhões de plays. Sim, esse é o nosso número… Rumo aí aos 100 milhões de plays no Spotify. 

Eu espero que este programa aqueça aí o seu coração, te encha de amor e que essa iniciativa alcance o máximo de pessoas possíveis. E hoje eu vou contar para vocês a história da Dandara, que é uma travesti maravilhosa e teve a vida modificada positivamente pelo ProUni, Programa Universidade para Todos. Bom, então vamos lá, vamos de história. 

[trilha]. 

A Dandara, uma mineira de Juiz de Fora aí, nascida no bairro Furtado de Menezes, um bairro da periferia de Juiz de Fora. Desde criança ela já sabia que ela não era como as outras crianças que estavam ali em torno dela. Então, quando ela era pequenininha, a diretora da escola chamou a mãe da Dandara lá e falou: “Olha, esse menino ele é líder aqui das meninas, ele só fica no meio das meninas. Isso não está certo. A senhora precisa tomar uma providência, aí, porque esse menino está demais aqui na escola, desse jeito não dá pra ficar”. E aí a mãe da Dandara, muito ali, apavorada, resolveu mudar a Dandara de escola. Então ela tinha ali, ela estava naquele meio escolar, ela estava muito entrosada com as garotas e tal e ela perdeu toda aquelas amizades e tudo o que ela tinha conquistado ali naquela escola. E esse foi o primeiro… A Dandara fala que esse foi a primeira questão que ela sofreu de transfobia, né? Que ela sabia ali, no caso, homofobia na época que ela era criança e ela migrou para uma outra escola. 

Então, ela sempre cresceu sabendo que ali, naquele meio escolar, ela não poderia mostrar quem ela era de fato. Aí, quando a Dandara tinha oito anos, ela estava assistindo televisão, o ano era 1989 e, de repente, ela viu na TV uma mulher maravilhosa, com um lenço na cabeça chegando numa cidadezinha e um miúra vermelho conversível, numa roupinha de couro.. Quem era esta mulher? Essa mulher era Tieta. — Para quem não é da época, não tem essa referência, Tieta uma ótima novela. — E a Tieta, aqui resumindo, era uma pessoa que foi meio que excluída da cidade e que, para conquistar alguma coisa, ela teve que sair daquele meio que ela vivia e depois de um tempo ela voltou. E ali, com oito anos, a Dandara pensou que a vida dela só mudaria se ela fizesse como a Tieta, né? Se quando ela crescesse ela fosse embora para conquistar as coisas que ela pensava, pra poder ser quem ela queria ser e um dia voltar para a cidade dela para mostrar como ela estava bem. 

E aí o tempo foi passando, a Dandara entendeu que só por meio do estudo ela conseguiria alcançar esse objetivo… Só que, assim, ela sofria muito assédio na escola, então tudo era difícil, tudo era muito complicado para ela, né? Ela sofria demais. E aí, jovem da periferia, assim que com muito custo ela conseguiu terminar ali o ensino médio, ela foi para um trabalho precarizado. Então, ela trabalhou em supermercado, ela trabalhou num café, enfim, trabalhou em 1000 trabalhos que não era o que ela queria fazer. E ela ainda também, nessa época, ela não podia ser quem ela queria ser, que era a Dandara. Até que um dia, uma amiga dela falou assim: “Olha, Dandara, aqui no Brasil você não vai conseguir nada… Vem comigo para a Europa que lá você vai poder ser a travesti que você quer ser e você vai conseguir juntar um dinheiro… Enfim, né? Ter uma vida melhor”. 

Só que Dandara ela caiu aí num tráfico de pessoas e foi obrigada a se prostituir na Europa e ficou nessa vida por três anos, até conseguir sair. Então, era uma época que ela teve retido por essas pessoas que a traficaram o seu passaporte. Então ela só tinha pouca comida e tinha que se prostituir o dia todo, enfim… Dandara viveu por três anos um inferno até conseguir escapar e voltar pro Brasil. [efeito sonoro de avião aterrizando] Bom, Dandara voltou pra cá sem um real… Ela chegou no aeroporto e ela não tinha dinheiro pra pegar uma condução para chegar na casa dela. E, além de não ter um real, ela voltou também com o emocional, a cabeça totalmente destroçada, né? Aí em 2006, quando ela voltou… E tinha que arrumar um emprego, né? Porque não dava mais pra ficar do jeito que estava, ela conseguiu ali alguns trabalhos e tal e, no ano seguinte, 2007, ela ficou sabendo que se ela fizesse o Enem ela podia conseguir uma bolsa por meio do ProUni pra fazer aí uma faculdade. 

E o que ela queria fazer era o curso de gastronomia. E aí Dandara foi lá, estudou, conseguiu essa bolsa e, assim que Dandara passou e ela pisou no ambiente universitário, ela pôde conhecer outras pessoas, um outro universo e ter acesso aos professores… Ela foi muito bem acolhida e foi ali que Dandara começou a perceber que ela poderia ter sim uma vida digna, estar no espaço e ser quem ela queria ser. Só que nem tudo foram flores… Nessa época, ela começou realmente a transição, né? De deixar de ser um homem gay para assumir a travesti que ela era. Porque, a partir do momento que ela voltou para o Brasil, tudo o que ela tinha conquistado em relação à sua identidade na Europa, ela teve que voltar a esconder de novo. E aí, gente, isso foi um processo… Por nove anos a Dandara ficou nessa, praticamente se violentando. Porque quando a gente não pode ser quem a gente é… E ela não podia. Não tinha como. Nem no ambiente familiar… Ela podia estar mais solta ali na universidade, mas ainda era uma época que não dava para ela se assumir do jeito que ela queria se assumir. 

Até que, em 2015, a Dandara prestou um concurso pra uma empresa que geria ali todos os hospitais universitários federais. Era um projeto ali da do Ministro da Educação, que na época era o Haddad e, nessa empresa pública, ela conheceu ali um cara e se apaixonou. E aí a gente vai para um novo capítulo na vida de Dandara… Bom, Dandara se apaixonou e o marido de Dandara, porque eles logo se casaram, né? Ele era um cara cis, gay e Dandara deu uma pirada, porque ela gostaria de voltar a fazer a transição, né? A ser, de fato, a travesti que ela sempre quis ser e que ela sempre foi, né? Só que estava ali enclausurada dentro de 1000 coisas e 1000 convenções e ela não podia ser quem ela queria ser. E aí ela foi para a terapia, ela deu uma boa pirada… Nisso tudo, ela resolveu fazer mestrado, começou aí a se entender melhor e tudo isso, gente, aconteceu por causa do ambiente universitário, assim, de um mundo que a Dandara não teria acesso se não fosse por meio do ProUni. 

Porque ela estava ali estudando gratuitamente, ela estava ali fazendo os cursos que ela queria. Inclusive, ela entrou no mestrado através de uma política pública. Em 2018, em decorrência da morte da Marielle, a Dandara resolveu se filiar ao PSOL e resolveu se engajar politicamente. E em 2020, ela concorreu às eleições e foi a mulher preta mais votada da história da cidade dela. Ela fundou o Centro de Referência LGBT da cidade de Juiz de Fora e também a Astra, Associação de Travestis, Transgêneros e Transexuais de Juiz de Fora. E, desde então, gente, Dandara nunca mais parou… Hoje é uma pessoa politicamente engajada, é uma pessoa que está aí a frente de várias lutas, principalmente nessa questão de direitos de travestis, transgêneros e transexuais. E, assim, ela diz que a vida dela você pode contar como um antes e depois do ProUni e de toda essa oportunidade que ela teve… 

E que se não fosse, gente, por uma política pública, a Dandara não tinha conseguido chegar numa universidade federal. Então, essa é a história da Dandara, a primeira história aqui no nosso combo de histórias da semana. Agora a gente vai ouvir a maravilhosa Dandara e, na sequência, o queridíssimo Haddad. 

[trilha] 

Dandara: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, tudo bem? Eu sou a Dandara, eu sou uma travesti preta de 41 anos de idade. Hoje em dia eu trabalho como técnica administrativa em educação na Universidade Federal de Juiz de Fora e o ProUni mudou minha vida a partir do momento que, depois de ter sofrido um processo de tráfico internacional de pessoas, eu voltei ao Brasil, consegui voltar a estudar e aí consegui fazer o Enem para poder utilizar o ProUni e entrei numa universidade de gastronomia, que foi a minha primeira formação. A partir dali, eu comecei a perceber e a melhorar minha autoestima, mudar minha vida, perceber de como eu podia ocupar outros lugares nos espaços que nos são negados o tempo todo no Brasil. E aí então o ProUni mudou a minha vida por conta disso… Eu consegui perceber que eu poderia ocupar a universidade, sendo uma travesti, preta, que normalmente é excluída de todos os espaços da sociedade. Um beijo, viu, querida. 

[trilha]

Fernando Haddad: E aí, Déia, e aí, ouvintes do Não Inviabilize, aqui é o Haddad. Eu acabo de ouvir a história da Dandara, a quem eu cumprimento e estou aqui para dar um depoimento pessoal do quanto ouvir essas histórias me deixa feliz. Vocês sabem que o ProUni nasceu de um debate, de um diálogo entre eu e minha esposa, Ana Estela. Ana Estela recebia muitas cartas de pessoas desesperadas… Uma delas chamou muito a atenção dela e a Ana Estela me ligou, chegou em casa chorando e disposta a fazer qualquer coisa pra gente conseguir bolar uma ideia pra tirar as pessoas dessa situação em que elas se encontram. E a história dessa mãe é muito dramática, porque ela tinha perdido o filho dela… O filho dela estava morto, mas ela pagava todo mês o FIES do filho dela, porque o programa não tinha sequer seguro para o estudante. Ou seja, o fiador, no caso, era a mãe dele, teve que continuar pagando as prestações. 

Aquilo revoltou a Estela de um jeito muito, muito absurdo. E ela falou: “Puxa, Fê”, é como ela me chama, né? “Fê, a gente tem que fazer alguma coisa… Você já teve essa ideia na prefeitura? Vamos fazer alguma coisa juntos e tal?”. Ela estava no Ministério do Planejamento, e eu no Ministério da Educação e a gente bolou o ProUni. Só que a gente não podia nem imaginar que a gente podia, com o ProUni, mudar a vida de tanta gente. Hoje, são mais de 3 milhões de brasileiros que tiveram a vida transformada pelo ProUni, um programa de um casal de professores preocupado com o bem estar de uma juventude privada dos seus direitos. E do mais sagrado deles, que é o direito a educação. Então, quando eu ouço a Déia contando a história da Dandara, eu fico imaginando assim, nós não tínhamos condições de saber o alcance desse programa, porque hoje são mais de 3 milhões de brasileiros que tiveram acesso a uma bolsa do ProUni… 

E às vezes a gente está num ato público, numa solenidade, alguém levanta um cartaz, alguém berra lá do fundão dizendo que é o Prounista, se aproximando da gente… E cada um tem uma história bonita para contar. Essa história da Dandara, Déia, é uma em 3 milhões, muito significativa a história dela, porque a gente vê que ela estava à beira do abismo e, de repente, ela agarrou uma oportunidade e mudou radicalmente a vida dela para melhor. E o programa se presta exatamente a isso, a que as pessoas acreditem no seu potencial, mas para que isso aconteça, a oportunidade precisa estar a mão, ela precisa acontecer… Não adianta a pessoa ter talento, ter esforço e a oportunidade não estar diante dela, não está no horizonte dela. E o ProUni é esse horizonte, que criou uma condição para milhões de pessoas poderem sonhar com um futuro melhor. 

Me emociona essa história, me emociona sempre encontrar bolsistas que transformaram suas vidas e eu fico muito feliz desse programa estar dando visibilidade para uma história que podia terminar mal, como tantos brasileiros, tantas brasileiras. E termina com a felicidade de um ser humano que encontrou o caminho da educação, da paz, da constituição da família dela, enfim, do amor… Que é isso que a gente tem que proporcionar, o caminho para que as pessoas encontrem seu destino. E isso é uma tarefa coletiva, todos nós, enquanto sociedade e o Estado, nós temos que ter compromisso com isso, em cada pessoa dos 212 milhões de brasileiros que vivem entre nós. 

[trilha]

Déia Freitas: Bom, é isso… Eu volto amanhã com mais uma história de esperança por um tempo melhor. Está próximo, está chegando e a gente não vai parar de lutar. Um beijo, gente e eu volto em breve. 

[vinheta: “Lula lá” no piano]