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título: queimados
data de publicação: 15/09/2025
quadro: luz acesa
hashtag: #queimados
personagens: paula, dona zuleika e maurício

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]


Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para um Luz Acesa. — Vamos ver se agora eu consigo gravar esse Luz Acesa. — E hoje eu vou contar para vocês a história da Paula. Então, vamos lá, vamos de história.

[trilha]


Paula começou a trabalhar num supermercado na área de logística, enfim, no escritório do supermercado. E como ficava muito longe da casa dela, agora com esse salário do supermercado, ela ia conseguir morar sozinha, a mãe dela — que a gente pode chamar aqui de “Dona Zuleika” — deu uma força para a filha falou: “Ah, você já queria morar sozinha, aluga um cantinho para você, eu te ajudo, né?”. Elas tinham duas geladeiras, uma mais nova e uma mais velha… E aí a mãe dela falou: “Pega, leva a geladeira e tal, eu te ajudo”. Paula começou a correr atrás de um lugar e a própria mãe dela sabia de um lugar… Era uma fábrica que tinha ali um espaço verde no meio, enfim, era uma fábrica… Um pouco antes daquela fábrica fechar, um setor pegou fogo e três pessoas morreram neste incêndio. 

Essa fábrica ficou fechada por muitos anos e depois uma incorporadora comprou e fez pequenos apartamentinhos e muita gente comprou esses apartamentinhos para alugar. Como eram apartamentos pequenos, o aluguel não era muito alto e era um prédio de dois andares. Então, tinha térreo, primeiro andar e segundo andar e teceiro andar. — Os três andares até no térreo era tudo apartamentinho. — Então, a Paula: “Poxa, tem apartamentinho lá, minha mãe viu, vou lá ver e tal”, foi e conseguiu alugar nesse lugar, que agora era um condomínio de apartamentinhos. Paula, muito empolgada: “Poxa, vou morar sozinha com 23 anos”. Tinha essa geladeira velha, a mãe arrumou ali uma mesa… Sabe assim? Ah, um tem um sofá, um tem uma mesa… Paula levou a própria cama, então ela tinha ali uma cama de solteiro. A mãe dela arrumou um fogão ali de duas bocas… Deu para dar aquela mobiliada para você iniciar ali a sua vida e depois, com o tempo, você vai trocando.

Ainda mais que ela estava trabalhando no mercado que vendia fogão, geladeira, mas ela estava nova ainda no mercado, mas ela falou: “Pô, depois que eu fizer um ano, eu vou fazer que nem o pessoal faz lá, faço os meus crediários” e assim a gente vai conquistando as nossas coisinhas, né? É assim que a classe C compra as suas coisas. Paula, muito feliz com seu apartamentinho ali, mobiliado, entrava para trabalhar duas da tarde e saía quase onze da noite. Era uma cidade sossegada, muita gente trabalhava ali naquele mercado também, tinha gente do predinho que trabalhava no mercado. Ela nunca voltava sozinha, assim, ela não tinha essa preocupação com a segurança de ser uma mulher sozinha na rua. Na primeira semana, foi tudo incrível… Na segunda semana, quando a Paula chegou em casa, digamos que era uma terça-feira, ela sentiu um cheirão de queimado. 

Não tinha como, quase meia-noite, ela bater na porta de alguém pra saber se tinha acontecido alguma coisa ali, porque tava um cheiro forte de queimado, mas ela olhou as coisinhas dela ali, ela sempre tirava o fogãozinho ali de duas bocas da tomada, ali que era elétrico, enfim… Ela tinha as precauções dela, então só ficava ligada à geladeira e a geladeira, mesmo sendo velha, era boa. Então, assim, não tinha nenhum curto, ela olhou tudo e não achou nada, mas assim, um cheiro de queimado… No dia seguinte de manhã ela perguntou ali pra alguma vizinha e a vizinha só falou: “não, não, não”, desconversou e nem deu conversa. — Sabe quando a pessoa não te dá abertura pra nada? — E aí ela falou: “Sei lá”, foi fazer as coisas dela, porque ela tinha que fazer tudo de manhã até dar o horário ali, almoçava e já ia trabalhar. No dia seguinte, quase meia—noite e aquele cheiro de queimado… 

Não é que ela chegou e já estava o cheiro de queimado, ela chegou, tomou banho, fez as coisas dela e, quando era meia-noite, ela sentiu o cheiro de queimado. E aí ela saiu, porque era um prédio ali e ela se sentia segura ali, né? Pra ver. “Poxa, de novo? Será que tem alguém que fica fazendo fogueira? Fica queimando lixo aqui?” e saiu meio brava e não encontrou nada… Terceira noite nada aconteceu, até esqueceu aquela coisa do cheiro de queimado, porque ela chegou e não aconteceu nada… Quando foi no sábado, ela estava nova ali naquele condomínio, então ela não queria sair, ela queria ficar na casinha dela ali, curtindo as coisinhas dela. Ela tinha agora uma TVzinha pequena, então “ah, vou ficar por aqui assim, curtindo as minhas coisinhas” e era uma época de frio, assim, meio junho, então “ah, vou ficar aqui quietinha na minha”, né? 

Paula estourou ali uma pipoca e ficou vendo alguma coisa que passava na TV. — Então, assim, ela não tinha DVD, não tinha nada pra botar pra assistir assim, né? “Ah, vou assistir um filminho”, não, assistiu o que estava passando na TV. Deitou na cama dela, porque ela tinha colocado a TV no quarto… Como era este apartamento? Era um banheiro e dois cômodos, como é aqui a minha casa. Num cômodo era a cozinha e ela pôs a mesa ali, né? Que a mãe dela arrumou, onde ela fazia as refeições e tinha um sofazinho. — Só que ela gostava de assistir TV deitada, então ela pegou a TV e botou no quarto. — Então, ela estava ali recostada, encostada na parede, né? Sentada na cama dela, assistindo TV, comendo pipoca e tinha o banheiro e já o outro cômodo. Quando você passava pra entrar no banheiro, você passava na porta… Paula está ali, comendo a sua pipoquinha, com a luz apagada, mas era tipo assim 18 horas… Mas, como estava frio, já estava escuro.

Quando ela viu uma pessoa passar em frente à porta e entrar no banheiro… E, gente, aquilo era inacreditável, porque assim, a porta ali, se alguém abrisse a porta e entrasse no apartamentinho micro que a Paula tinha alugado, ela ia ouvir. Como que uma pessoa passou e entrou no banheiro? Paula não conseguia se mexer, porque, até então, ela sempre se sentiu muito segura naquele condomínio. Ia dar um mês ainda que ela estava lá: “Meu Deus, como assim alguém conseguiu entrar aqui?”. E aí ela começou a olhar em volta pra ver com o que ela podia se defender no quarto só tinha a TV e a TV estava em cima de uma banqueta. Então ela muito devagar colocou a TVzinha no chão — era uma TV bem pequena mesmo — e pegou a banqueta… Com uma coragem que Paula não sabe de onde ela tirou ela foi com a banqueta na mão pra dar uma banquetada na pessoa. — A cadeirada de Paula era uma banqueta. —

Quando ela chegou ali no porque era sair do quarto e já ver a porta do banheiro e a porta do banheiro estava aberta… O banheiro micro, mesmo escuro, ela viu que não tinha ninguém. Não tinha ninguém no banheiro. E aí ela acendeu tanto a luz do quarto quanto a luz do banheiro… A luz da cozinha ficava lá perto da porta, então ela foi saindo com a banqueta olhando, também não tinha nada r ela acendeu a luz e não tinha ninguém. Só que aí, quando ela acendeu a luz ali da cozinha, ela sentiu novamente o cheiro de queimado. O que que Paula fez? Fez o que eu faria, Paula pegou a roupa dela do serviço de segunda—feira e foi dormir na casa da mãe. Ficou sábado, domingo e não contou pra mãe, porque assim, no primeiro sinal, a mãe ia falar “volta pra casa”. Ela não queria voltar, né? Só falou: “Ah, vim passar aqui, tava com saudade e tal” e ficou por lá. 

Na segunda—feira, quando ela estava voltando do mercado, né? À noite, eu falei pra vocês que tinham outras pessoas que moravam lá, né? Nesse condomínio. E todo mundo voltava junto. Ela comentou que tinha tido a impressão que tinha gente dentro de casa e um rapaz que voltava junto com ela, que trabalhava no estoque — a gente pode chamar ele aqui de “Maurício” — falou: “Ih, você não sabe da história, né? Desse prédio”. Maurício contou pra Paula que aquele prédio tinha sido uma fábrica, ela nem sabia que tinha sido uma fábrica e que algumas pessoas tinham morrido num incêndio lá, por isso que a fábrica tinha fechado e tal. — Ele não sabia na época que eram três, né? Depois, quando Paula foi pesquisar melhor ela entendeu que foram três pessoas. — Aí ela falou: ‘Meu Deus, será que esse cheiro de queimado que eu tô sentindo é disso?”, “É disso sim, outras pessoas já sentiram cheiro de queimado lá e você teve sorte porque você só viu um vulto. Teve gente que já viu pessoa queimada lá”. 

Pronto, Paula ficou totalmente cismada e queria saber mais. Aquela vizinha ali do lado não tinha dado brecha pra ela e ela foi conversar com outras vizinhas. Sempre tem uma fofoqueira, né? E aí a fofoqueira falou: “Ih, minha filha, e você mora… Você tá no segundo andar, mas você mora bem em cima de onde aconteceu o incendio”, que foi só num pedaço, né? Ali da fábrica. “Você e sua vizinha”, então falou o nome da vizinha lá, que era aquela vizinha chata. “E a sua vizinha já viu coisa, agora você tá me falando que viu coisa, o fulano ali do primeiro andar viu coisa” e vizinha foi falando pra ela as coisas que aconteciam sobrenaturais naquele condomínio. Muita gente sentia cheiro de queimado. E falou mais: “Se você sentiu cheiro de queimado e não viu ninguém, é porque essa pessoa queimada tava em um outro apartamento ali, porque você pode ter certeza que alguém viu”. Pronto, Paula ficou apavorada, mas ela não queria sair ali daquele condomínio…

Então, ela começou a rezar bastante, assim e, por um tempo, até que ficou tudo bem. Até que um dia… E aí é que me pega muito, gente, de dia… Um domingo, meio-dia, ela estava lavando salada na pia ali da cozinha. Sabe quando você sente que tem alguém perto de você? Alguém, uma pessoa de carne e osso, assim, que está muito próxima, a gente tem um, sei lá, um espaço entre, assim, né? Ao redor da gente, que é um espaço pessoal, que se a pessoa chegar muito perto, você se incomoda, você se sente… E ela sentiu aqui no ombro dela que tinha alguém muito próximo, olhando pra ela. E aqui, pelo canto de olho, ela via que era alguém, mas não queria virar, pois ela continuou lavando a salada e pensa, ó: Paula está aqui lavando, sei lá, um alface dentro da cuba da pia. Subiu aquele cheiro de queimado e uma mão toda queimada, faltando alguns pedaços de pele, botou a mão embaixo da torneira, como se quisesse molhar a mão, a parte de cima da mão assim, né? Não a palma, em cima da mão, assim, não a palma…

 Paula começou a tremer, mas continuou lavando a salada. O que ela ia fazer? Ela falou: “Andréia, não conseguia nem gritar, eu comecei a lavar a salada de olho fechado, e eu sentia às vezes essa mão perto da minha mão”. Ela ficou um tempo ali de olho fechado, e quando ela abriu, só estava o cheiro de queimado e já não estava mais essa mão. De vez em quando, ela via vulto dentro daquele micro apartamentinho e Paula já estava meio que conformada, mas assim, sempre muito assustada. Ela começou a ficar com o que hoje ela entende que seja ansiedade, mas na época ela não conseguia entender o que era aquilo que ela sentia. E ela foi trabalhando, não tinha como parar de trabalhar, né? Tinha que fazer as coisas dela. Um dia ela chegou, destrancou a porta, abriu, trancou a porta e, quando ela virou, que ela ia botar a bolsa ali em cima da mesa, ela viu… — A mão que ela tinha visto, ela acha que era uma mão de homem. — Quando ela virou, ela viu uma mulher que estava muito queimada. 

E ela falou pra mim que, assim, o que mais impressionou, sabe quando a pessoa está queimada e o cabelo está assim, ralo? Alguns pedaços do cabelo foram queimados e ela tinha um pouco só de cabelo espalhado pela cabeça, assim… E você percebia que tinha sido queimado, assim… Só que ela estava com uma cara muito ruim, assim, não era amigável. E ali ela deu um grito, a vizinha do lado não veio, mas o vizinho debaixo subiu. E aí o vizinho falou: ” Ah, você viu né?” e ela falou: “Ah, eu vi e tal”. Tomou água com açúcar e tal e depois desse dia a Paula falou: ” Olha, eu não quero voltar pra casa, mas também não consigo mais morar aqui” e o próprio vizinho ali de baixo falou: “Olha, o que acontece só nesse nosso bloco aqui, terro, o primeiro e segundo andar, só acontece nesses dois apartamentos. Vê se você consegue alugar um outro aqui mesmo no complexo, pro outro lado, que aí isso não vai acontecer” e ela falou: “E você?” e ele falou: “Ah, eu já acostumei, eu tenho minha religião, eu já acostumei”. 

Paula procurou um outro apartamentinho ali e foi avisando o pessoal quando vagasse… Ela ela teve que ficar ainda nesse apartamento mais dois meses até que outro vagou — e ali não tinha contrato, não tinha nada — e ela foi pra esse outro apartamentinho. E aí nunca mais aconteceu nada, mas ela ouvia histórias. O apartamento que ela estava logo foi ocupado também, por uma moça e a moça continuou lá, ela falou: “Eu sempre olhava se era a mesma moça que alugou depois de mim que estava lá e a moça ficou lá. Eu nunca nem conversei com ela, nem fui contar nada”, e aí que ela foi saber que eram três pessoas que tinham morrido ali, né? Duas mulheres e um homem, eram trabalhadores ali daquela fábrica. Logo depois a fábrica fechou e que tinham rumores que a fábrica fechou por isso, os funcionários ficavam muito assustados, porque eles viam esses funcionários queimados ainda andando ali pela fábrica, né? E, principalmente, naquela área, que era a área que eles trabalhavam e ficavam ali. 

Paula ficou ainda naquele complexo ali de apartamentinhos uns três anos, e aí só depois que ela conseguiu alugar um apartamento um pouco maior, de um quarto ainda, mas maior do que aquele que ela morava ali, que era tipo uma kitnetzinha bem pequena mesmo. Aí nunca mais ouviu falar nada, mas enquanto ela estava lá esses três anos, ela sempre ouvia histórias. Ou “ah, fulano estava gritando”, “ah, fulano viu”, sempre tinha alguma história… Só que no bloco que ela estava, nunca aconteceu nada, que era do outro lado. — Eu, hein… — O que vocês acham? 

[trilha]


Assinante 1: Oi, não inviabilizers, meu nome é Ana Lívia, eu sou aqui de Brasília. Paula, você foi muito corajosa, aguentou foi muito tempo aí. Essa história pra mim foi um mix de sentimentos, porque eu dei risada de você pegando o seu banquinho, que é a nossa mais nova cadeirada pra se defender, mas também senti muita pena desses espíritos que ainda estão presos lá. Rezar pra eles serem libertos, porque, gente, que dó do espírito botando a mão pra se aliviar ali na água, né? Poxa, que pena… Mas um beijo, pessoal. 

Assinante 2: Olá, nãoinviabilizers, eu sou a Paula de São Paulo. Fiquei com medo, hein? Nossa, ninguém merece ser assombrada, sentir cheiro de queimado, ver vulto, ver uma mão aí toda despedaçada enquanto você lavava louça… Olha, você aguentou muito e ainda foi simpática, mas no final, ainda bem que você conseguiu aí mudar de bloco, não teve mais nada sobrenatural acontecendo com você e espero que essa moça aí que alugou depois de ti, no bloco dos assombrados, não tenha sofrido igual você e os vizinhos sofreram, né? Mas no final, deu tudo certo pra ti. Um grande beijo, Paula. 

[trilha]

Déia Freitas: Comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis com a Paula. — Deus me livre… — Um beijo e eu volto em breve. 


[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]