título: sandro
data de publicação: 31/10/2024
quadro: luz acesa
hashtag: #sandro
personagens: regiane e sandro
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]
Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para um Luz Acesa. — Essa história se passa em 1999, um tempo onde a internet ainda não era acessível a todos, ou melhor, era acessível a pouquíssimas pessoas. — E hoje eu vou contar para vocês a história da Regiane e de seu primo Sandro. Então vamos lá, vamos de história.
Regiane cresceu numa família muito boa, com muitos primos e ela tem também dois irmãos, todo mundo mais ou menos na mesma idade, aquela faixa que todo mundo brinca, todo mundo cresce junto e você não tem tantos amigos fora… Seus melhores amigos são seus primos. E assim era com Regiane e Sandro. Eles eram muito amigos, aí chegou a adolescência, começo da juventude ali, cada um seguiu seu caminho, foi fazer suas coisinhas… Regiane arrumou emprego, depois casou, Sandro também arrumou emprego e Sandro resolveu tentar a vida fora do país. Era uma época ainda mais difícil de acesso as coisas, mas ele conseguiu, por meio de uma empresa aqui do Brasil — onde ele trabalhava — ser transferido para a Irlanda. Então, ele não ia naquelas de “ah, vou arrumar um emprego lá”, né? Ele já foi contratado daqui e começou aí a trabalhar lá.
A vida seguiu e o contato era, assim, por telefone… — Acho que mesmo aqui a gente no Brasil, que tinha parente, amigo em outros estados, você marcava ali um dia um horário para a pessoa ligar, né? E muita gente não tinha nem telefone em casa, então combinava ali com o vizinho da rua que tinha telefone que “ah, fulana ou sicrano da minha família vai ligar domingo dez horas”, e aí sempre tinha alguém na casa do vizinho para deixar você entrar ali [risos] e receber a ligação. Eram outros tempos… — E o Sandro ligava uma vez por mês, mas nem sempre dava certo, enfim, o contato era meio escasso e ele ligava para a mãe dele. — Porque era assim, era uma ligação… Então não era nem para Regiane, era para a mãe dele que ele ligava. — E depois a Dona Cida — mãe dele — passava as informações ali pros primos e tal. O tempo passou, Regiane saindo de casa um dia para ir até o mercado, ela não estava nem trabalhando nesse dia, estava de folga… Então ela ia fazer as coisas da rua ali, mercado, depois volta limpar para casa e ela saindo pra ir ao mercado, ela viu o Sandro…
Do outro lado da rua tinha uma praça dessas, assim, que tem aquelas mesinhas de jogar dama, essas coisas e ele estava sentado ali num banco, numa dessas mesinhas de jogar dama. E aí a Regiane olhou e falou: “Ué, o Sandro voltou, tá aqui na frente da minha casa e não veio falar comigo?”. E aí ela olhou para um lado e para o outro pra atravessar a rua e ir até a praça falar com ele, cadê o Sandro? Regiane botou ali na conta do estresse… Estava um sol também, ela falou: “Sei lá, de repente, eu vi coisa, não era”. Aí ela foi ao mercado, voltou, começou ali a arrumar a casa e ela começou a ouvir a voz do Sandro… E o Sandro chamava ela de “Regi”, e aí ele falava: “Regi, regi, eu não estou conseguindo enxergar… Regi, regi…” e ela ouvindo isso no ouvido: “Meu Deus do céu, eu estou ficando louca, eu estou ficando louca”. E ai ela lembrou que tinha uns dois meses que ela não falava com o Sandro… E ela continuou limpando a casa, daqui a pouco, de novo: “Regi, Regi, me ajuda… Não estou enxergando. Regi, Regi”.
Regiane pegou e ligou pra tia dela pra tia Cida pra falar: “Tia, e aí, e o Sandro, né? Tem notícias e tal? Eu estou pensando muito nele”. E aí a Dona Cida falou pra ele, falou: “Faz um tempo mesmo que eu também não falo com ele, também estou pensando, mas não sei por onde procurar”. Regiane aflita, nesse dia não tinha muito o que fazer, era uma sexta-feira, já ia entrar o final de semana, — final de semana não ouviu mais nada —, na segunda-feira de manhã ela ligou na empresa — aqui no Brasil — onde ele trabalhava lá para saber: “Olha, eu tenho um parente que trabalha na filial de vocês na Irlanda e ele não está dando notícias e tal”, aí a menina anotou e falou: “Olha, eu vou passar aqui para o setor responsável e depois alguém entra em contato com você”. Nessa segunda-feira ela foi trabalhar pensando no Sandro… E aí trabalhou, chegou a hora do almoço… — A Regiane comia rápido para poder dormir uns 40 minutos ali. — E aí ela deitou ali — no chão mesmo, tinha um espaço que era tipo uma quadra para os funcionários e ela fazia tipo um travesseirinho com a blusa… Todo mundo deitava lá, né? — e deitada ali na sombra ela ouviu de novo o Sandro no ouvido dela: “Regi, Regi, Regi, não deixa minha mãe ir, Regi… Não deixa minha mãe ir, Regi… Regi, Regi…”.
Ela deu um pulo e falou: “Meu Deus, eu preciso ligar para minha tia”, ai entrou lá na firma, pegou o telefone e ligou… [efeito sonoro de telefone chamando] E aí a notícia que se tinha era que o Sandro estava morto… há quase dois meses… — O que aconteceu? A Regiane ligou para saber do Sandro e eles não ligaram de volta para ela, eles ligaram para a dona Cida, mãe dele, que era o contato de emergência. — Por que eles não tinham ainda entrado em contato? Porque eles estavam querendo entender o que aconteceu e a polícia, sei lá, esclarecer o caso, né? Sandro estava morto há quase dois meses. E aí a empresa não dizia muito mais que isso, dizia que ia emitir uma passagem pra Dona Cida.. — Só que a Dona Cida, uma senhora muito simples e tal… — E aí a Regiane tomou a frente e falou: “Não, ela não tem condição de ir, ela não vai ter nem como se comunicar lá” e a empresa falou que não, que ia botar uma pessoa, um brasileiro para ajudar ela. E aí ela escutava a voz do Sandro falando: “Não deixa minha mãe ir, Regi, não deixa minha mãe ir, Regi… Regi, Regi…”.
E aí a Regiane insistiu e a passagem foi emitida para ela… Ela conversou lá na empresa, ela tinha férias para tirar, adiantaram as férias, né? — Ela explicou que era o motivo do parente que tinha morrido em outro país. — Ela conseguiu fazer um passaporte de emergência que, para esses casos de morte, dificilmente o país nega a sua entrada… — Ela tinha toda a documentação que a empresa forneceu para ela, enfim, deu tudo certo… — Ela chegou lá na Irlanda para reconhecer o corpo do Sandro que estava numa geladeira lá. — E o que tinha acontecido? — O Sandro foi encontrado numa espécie de córrego, vala, e ele estava sem a parte da cabeça do olho pra cima. Então você via a boca dele, um pedaço do nariz para baixo e o topo da cabeça dele ninguém nunca nem achou — a parte do crânio —, não parecia que tinha sido uma coisa serrada deliberada… — Parecia uma pedrada, sei lá, alguma coisa assim… — O que sobrou tava meio esmagado. E a Regiane que reconheceu o corpo. — Então, provavelmente o Sandro não queria que a Dona Cida visse ele daquele jeito, né? —
E a empresa deu a opção de enterrar lá, porque não tinha como transportar o corpo dele… Ou cremar e levar cinzas, né? E aí a Dona Cida falou: “É melhor cremar e trazer as cinzas do meu filho para mim”. — Eu não consigo nem imaginar o que é uma mãe perder o filho, né? — E, enquanto ela estava lá numa espécie de necrotério reconhecendo o corpo, ela escutava o Sandro chorando muito, assim, no ouvido dela… Muito, muito, muito, muito. E ela também estava chorando muito. Foi tudo muito triste… E aí ela esperou, teve que ficar uns dias lá, deu quase 20 dias pra fazer a liberação do corpo, essas coisas… A empresa pagou por tudo, inclusive a estadia dela, Regiane voltou com as cinzas do Sandro, e entregou para tia dela e, ainda por um tempo, ela escutava o Sandro falando pra ela que não conseguia enxergar, não conseguia ver… — Talvez por que ele estava sem essa parte da cabeça? Enfim… — E aí elas começaram a rezar missa. Ela nunca contou pra Tia Cida, só contou ali para a mãe dela, para os irmãos, porque achou que ela ia sofrer muito e também não contou os detalhes pra mãe do Sandro, pra tia Cida, porque ia ser um sofrimento maior, né?
Era uma época que era comum as pessoas se falarem pouco e passar meses sem falar… E o que ajudou aí foi o Sandro realmente vir e aparecer… — Primeiro ele apareceu pra Regiane e depois ele começou a falar. — Regiane depois disso ela foi procurar um centro para ela ver porque por que da família toda só ela teve esse contato com o primo, e aí ela se descobriu médium auditiva… O primo foi o primeiro, depois escutou mais algumas coisas, mas ela acabou fazendo um trabalho lá, uma preparação pra fechar esse canal, que ela não queria realmente ouvir os mortos, né? Então é isso… A Regiane fechou aí esse canal que ela tinha com o mundo dos mortos… Pelo menos ela ouviu o primo, né? Enfim, o que vocês acham?
[trilha]
Assinante 1: Olá, nãoinviabilizers, aqui é Paula de São Paulo. Oi, Regiane, infelizmente vocês não sabem o que aconteceu, por que é que tem esse ponto de interrogação, mas que bom que você tomou a frente, não deixou sua tia ir, né? Nenhuma mãe merece ver um filho dessa forma. E eu espero muito, assim, que o seu primo tenha encontrado em um caminho de luz, de entendimento, de paz e vocês também, né? Tenham no coração de vocês a imagem que vocês tinham aí dos primos na infância. Um grande beijo.
Assinante 2: Oi, nãoinviabilizers, eu sou Amanda, estou falando de Palmas. Regi, espero que hoje você esteja bem, porque além de saber que uma pessoa amada faleceu, ainda sentir e escutar todo o sofrimento dela não é brincadeira, não é fácil… Quando essas mortes acontecem fora do Brasil para solucionar é um sacrifício. Espero que seu primo tenha tido descanso e sua tia hoje esteja com o coração mais em paz.
[trilha]Déia Freitas: Um beijo, gente, comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis com a Regiane. — É uma história que já tem mais de 20 anos, mas ainda é um parente querido dela. Deus me livre… — Um beijo e eu volto em breve.
[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]