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título: sangue
data de publicação: 17/11/2020
quadro: picolé de limão
hashtag: #sangue
personagens: renata e sérgio

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta] 

Déia Freitas: Oi, gente… Saudade. Vamos agora com a história do Sérgio e da Renata, foi a Renata que me escreveu lá em dois mil e dezessete. Então se essa história cair no ouvido dela, vai saber que é ela mesmo trocando os nomes, e aí se ela quiser me contar como é que estão as coisas, eu vou achar bacana e eu conto pra vocês, então vamos lá.

[trilha]

A Renata conheceu o Sérgio no trabalho, eles trabalhavam na mesma empresa, uma empresa grande, ele chefe, ela da recepção. Então ele sempre chegava, ele não precisava passar crachá, nada, porque ele é chefe mesmo e passava ali por ela, falava só “Bom dia” e mais nada, passava reto. E, assim, a empresa que ela trabalhava tinha ônibus da firma, e aí tinha os horários, tipo, a Renata saía cinco horas, tinha o ônibus da cinco e vinte da firma, se ela perdesse o da cinco e vinte, o outro era, sei lá, cinco e cinquenta, e assim vai. E aí ela perdeu, um dia ela perdeu o ônibus dela, vamos dizer que a empresa era no Alphaville, mas era um lugar assim que tipo, não tinha muito transporte, sabe? Então você tinha que ir longe pra pegar um ônibus, e ela perdeu o ônibus das cinco e vinte e não queria ficar lá esperando até o próximo ônibus que também era uma galera que ela não conhecia, não queria ir.

Ela falou: “Bom, eu vou andando até o ponto e pego o ônibus comum. — Ela ia ter que pegar dois, né? — “Pego dois ônibus, chego até antes em casa porque ônibus de firma geralmente dá mais volta”, e aí ela de salto porque ela tinha que trabalhar de salto, foi andando ali devagar pela rua, alguns carros buzinando, quando um carro passou por ela e parou, e nesse carro quem estava? O Sérgio. Na hora ela pensou em recusar a carona, mas ela estava num lugar assim meio que ela tinha que andar muito, então falou: “Bom, eu pego a carona até o ponto de ônibus e só né? Não tenho nem assunto”, mas em cinco minutos ela estaria no ponto de ônibus, aí ela chegou perto do carro e ele falou: Oi, entra, eu te dou uma carona, vi que você tá aí andando agora sozinha”, e ela entrou no carro, agradeceu e falou: “Ó, se você for aqui reto, virar à direita e esquerda já é meu ponto”, e aí ele perguntou: “Mas onde você vai? Onde você mora?”, e ela falou onde morava e ele falou: “Não, eu faço questão, eu te deixo na sua casa”.

E aí eles foram conversando, ele estava ouvindo uma rádio lá assim mais tranquila e comentaram de uma música ou outra e ele falou que ele estava indo pra aula de tênis. — Porque rico tem essa coisa do tênis… [risos] — E aí ele ia jogar tênis, não sei o quê, e foi tudo assim muito com distanciamento mesmo, como se fosse um superior e uma funcionária. E aí deixou ela na porta da casa dela e falou: “Bom final de tarde pra você, né? Boa noite e até amanhã na empresa”, e ela ficou impressionada com aquilo, porque assim, o cara bonitão, chefe dela, mas ela sabendo… — Detalhe. — Ela sabendo que o cara é casado, inclusive, ela já tinha até visto assim a mulher dele junto com ele, em eventos da empresa, alguma coisa que rolava lá e ela ia e ela super chique, né? Mas ela ficou impressionada com aquilo dele não ter nem feito nenhum tipo de insinuação nada, aí ela ficou naquela tipo, “Nossa, o cara realmente foi um cavaleiro comigo, né?” e passou.

No dia seguinte ele falou: “Bom dia, bom dia”, ele chamava todas as recepcionistas pelo nome, então ele sempre chamou ela pelo nome, não foi nada diferente, só que quando ele falou: “Bom dia, Renata”, tipo ela sentiu um friozinho na barriga. — Ê, Renata — Aí ele passou tranquilo, normal, e a Renata, gente, o quê que ela pensou? “Ah, vou perder o ônibus hoje de novo”, Renata foi lá perdeu o ônibus, foi caminhando bem devagar até o ponto, mas o Sérgio não passou. [risos] — Achou que ia ter sorte [risos] de novo, né, Renata? — O Sérgio não passou e ela ficou super decepcionada, teve que pegar dois ônibus, enfim, teve aí um pequeno karma do pobre. No dia seguinte ele de novo: “Bom dia, Renata” passou e nada. — Nada. — Ela falou: “Bom, também agora não vou mais perder o ônibus”, ela achava que ela estava demonstrando alguma coisa quando ele passava, mas ela não sabia dizer se ele percebia ou não, essa atitude diferente dela.

E um mês se passou e nada, nada, nada… Até que um belo dia, final de semana, porque ela trabalhava só de segunda a sexta assim, a empresa dela nem tinha expediente de sábado, nada. Ela estava linda voltando do sacolão [risos], tipo de chinelo, shorts assim, sabe, nada a ver? Quando ela ouve uma buzinadinha. — Gente… — Quem era? Sérgio. E assim, não tinha a menor possibilidade dele estar no bairro da Renata, ela ainda falou assim pra mim: “A única possibilidade dele estar naquele bairro aquela hora era, sei lá, se ele tivesse ido comprar droga”. [risos] — Credo, Renata [risos] — Porque não tinha, não tinha motivo pra ele estar ali no bairro. Aí ele buzinou e falou: “Nossa, oi, Renata” e tal, ela com uma sacola, de chinelo, no cabelo ela falou que estava com uma piranha de plástico, né? Assim, uma presilha de plástico no cabelo, totalmente assim, ela queria se enfiar dentro da sacola.

E ele falou: “Ah, deixa eu te dar uma carona, né?” era só, sei lá, um quarteirão, e aí ela entrou no carro, e assim, ela não conseguia nem falar porque ela estava de chinelo, sabe aquele dia que você não passa nem um creminho na perna e tá toda… [risos] Toda daquele jeito. E aí ela chegou na frente da casa dela, e na casa dela mora a mãe, o pai, irmãos, não dava nem pra convidar ele pra entrar, né? Aí ela falou: “Ah, obrigada e tal” e foi descendo com as compras, aí ele falou pra ela: “Você não quer colocar as compras lá dentro e a gente sai pra tomar uma cerveja por aqui mesmo?” — Gente… — O Sérgio num puta carrão, ela ficou meio assim, e falou: “Ah, eu preciso entrar e guardar as compras”. — É mentira, nem precisava… — “Se você esperar aí uns vinte minutinhos”, ele falou: “Não, sem problema”, ela ainda ficou com medo dele ficar ali fora. [risos] — Mas falou: “Bom, vou arriscar”. —

Ela entrou correndo, deu uma ajeitada, colocou uma calça jeans, uma sandália pelo menos pra ficar um pouco mais apresentável, deu uma ajeitada no cabelo, a mãe dela olhou pela janela e falou: “Quem tá nesse carrão aí, Renata?”, e ela falou: “Ah, mãe, é uma amigo e tal”. — Não ia falar que era o chefe dela, né? — E aí ela largou as compras lá e saiu com ele e foi tomar uma cerveja. E dessa cerveja, o cara falou que ele estava há um mês pensando em como falar pra ela que só pensava nela, que isso, que aquilo… Jogou uma cantada lá, colou e Renata começou a ter um caso com o Sérgio, chefe dela. Só que assim, ele deixou tudo muito claro, ele falou: “Olha, então, eu sou casado, eu tenho dois filhos, você sabe disso, eu amo a minha mulher…” — Ó o papinho… — “Mas eu também gosto muito de você e estou pensando muito em você, e queria que a gente passasse um tempo bom juntos”.

Ele jogou essa conversa, ela topou e eles começaram a ficar, aquele dia eu não sei, ele deu uma escapada não sei como, mas de final de semana eles não se viam, eles se viam uma vez na semana porque ele jogava tênis duas vezes, e aí ele diminuiu uma vez do tênis pra ficar com ela. — Né? Não foi nem as duas vezes do tênis, uma vez só. — Então ela via o Sérgio uma vez por semana. E aí no começo ela ficou naquela loucura, porque ela se apaixonou, enfim… E sofria. Até que as amigas foram falando, falando, falando, e ela falou: “Bom, então também não vou ficar tão em cima”. E aí quando ele viu que ela começou a não ficar tanto atrás dele, não cobrar tanto, ele começou a dar presente, ele começou a ficar mais presente, ele começou a ficar com ciúme dela, então ele tinha ciúme, eles brigavam e ela ganhava um presente, então virou um relacionamento abusivo ali. 

E a coisa foi ficando complicada, eles foram brigando muito. E a Renata, partiu dela, um dia falou que não queria mais, e não foi no meio de uma briga, foi num dia assim que eles estavam até sem brigar, e ela falou: “Olha, não quero mais, não tá dando certo mais isso, e cada um para o seu lado, ninguém sabe, minhas amigas que sabem não são da empresa. Você não vai ser prejudicado, eu não vou ser prejudicada”, e aí ele aceitou na hora, tudo bem, e no dia seguinte passou: “Bom dia, Renata”, ela estava arrasada, mas foi o melhor, ela falou: “Foi o melhor pra mim”. E no dia seguinte, quando ela chegou, que ela chegava bem antes dele, tipo, ela entrava às sete, e ele chegava nove meia, dez horas, não tinha horário, né? Quando ela chegou às sete, que ela passou o crachá dela, o crachá dela não funcionou. E aí o guarda acompanhou ela até o RH. — Porque tem empresa que tem esse padrão aí que quando você vai ser demitido, você é acompanhado pelo guarda, acho péssimo isso, mas tem empresa que tem. —

E aí ela ficou sabendo no RH que ela tinha sido demitida, um dia depois de terminar. — Dois dias, né? — Depois de terminar com o Sérgio ela foi demitida, a demissão não veio direto dele, veio da chefe dela indireta, mas com certeza foi um pedido dele, o que ele alegou ninguém sabe, mas o fato é que Renata foi demitida. E aí ela ficou muito puta, e aí ele tinha um celular, que deve ser o celular que ele usa com outras mulheres, ela mandou um monte de mensagem, xingou e ele bloqueou ela. Vida que segue, Renata ficou seis meses e pouco desempregada, vivendo do seguro-desemprego e do dinheiro que ela recebeu da firma e, assim, amargurando ali um ódio. Aí a Renata conseguiu emprego, gente, num laboratório, laboratório de análises clínicas, e aí agora eu preciso explicar pra vocês um detalhe que vai ser importante agora na história.

A Renata é sangue O positivo, e o Sérgio era sangue O negativo, como que eles descobriram isso? Quer dizer, eles já sabiam, mas como um descobriu isso do outro? Teve uma doação de sangue na empresa, tipo campanha, e aí eles receberam carteirinha, que todo mundo recebeu carteirinha e tal, depois veio a carteirinha lá na firma e foi entregue pra todo mundo, e no dia que eles receberam carteirinha, era o dia que eles saíam, então eles acabaram até brincando “Ó, eu sou O, você também é O, não sei o quê, nã nã nã”, deram risada, passou. Ela tá lá no laboratório felizinha de tudo, porque, né? Estava empregada, já tinha esquecido não completamente, mas tinha esquecido bastante o Sérgio, não lembrava dele toda hora, não chorava, já é um começo. Então ela ficava ali na parte que imprimia os resultados, então quando você vai buscar, quem deixa pronto é ela.

Um dia ela tá lá, quem que chega no laboratório pra fazer exames? — Quem, gente? — A esposa do Sérgio, aí fez um monte de exame lá. — Nem sei pra quê que ela tinha que fazer. — E fez um monte de exame, um monte de coisa, a Renata ainda olhou, mas não tinha tipo sanguíneo, nada ali. Mas ela lembra do Sérgio falando que a mulher era A, alguma coisa assim, ele comentando que ele era O e a mulher era A, e aí ela era O, enfim, comentou assim por alto que a mulher dele era tipo A, e ela ficou com aquilo na cabeça, mas do nada, porque nos exames não tinha e era uma curiosidade que ela tinha. Gente, passou mais um tempo, ela não entende nada de exame, então não sabia que não podia, ela era nova no emprego, não podia perguntar. 

O menino, filho, foi fazer exames, vários exames e entre os exames tinha um exame de tipagem lá, não sei como chama direito, e o menino era AB, ela falou: “Gente, não é possível, não é possível, não é possível, não é possível…”, porque ela tinha aprendido na escola que O com O dá O, tipo, sangue A com B dá B, sei lá, essas coisas assim, o menino não podia ser filho dele se fosse AB. — O menino não podia ser filho dele porque o Sérgio era O, a mulher era A, e a criança AB, acho que era isso, gente, eu sou meio confusa com essa coisa de tipagem sanguínea, só que ela não tinha certeza, né? Porque a mulher podia ser AB, então aí o menininho podia ser AB, né? — Acho que é isso. — Ela estava com raiva ainda dele, né? E aí o quê que ela fez, a Renata? Que aí agora a parte da história que eu não concordo. 

Ela criou um fake, com e-mail fake, com tudo fake, não mandou cópia, óbvio, de exame pra ele, mas escreveu um e-mail super irresponsável. — Que, sei lá, se o cara é um cara violento… Sei lá o que podia acontecer. — Falando que o filho dele não era dele e que a mulher dele tinha traído ele, que era pra ele pedir DNA que o filho não era dele. E ela sempre olhando ele ali nas redes sociais, nas coisas e ela tinha ainda umas amigas lá na empresa. Seis meses depois ela ficou sabendo que ele tinha pedido divórcio, ninguém lá da firma sabia, ela não podia contar pra ninguém se não, sei lá, ela podia receber até um processo merecido, né? E aí ela ficou sabendo que ele tinha se divorciado e que ele estava já sem aliança, sem nada. 

E quando ela me escreveu, ela me escreveu porque ele tinha voltado a procurar por ela, ele desbloqueou ela naquele telefone que ele tinha lá, que ele usava, sei lá, com amantes, e ele estava tentando contato com ela, provavelmente pra voltar, não sei. E a história parou aí, na época eu li, eu achei horrível o que ela fez, continuo achando e achei que, meu, não tenho nem o que falar, né? Ainda respondi isso pra ela: “O que você fez foi muito errado, você interferiu no casamento, numa história de uma outra mulher que não tinha nada a ver com você por vingança”, e a gente terminou assim a troca de e-mails, ela falou: “Ah, eu sei e tal, eu tô arrependida e agora ele tá me procurando, eu não sei o que fazer”, então assim, a minha resposta ali seria: “Mano, você já fez merda demais, né? Para. Bloqueia você agora esse cara, você já atrapalhou tudo, né?”, mas também tem o lado do menino, né? Será que foi bom pra ele saber que ele tinha outro pai, será que foi isso mesmo? Porque ela queria voltar a retomar o contato com ele pra saber se tinha sido isso a causa do divórcio e pela vibe que estava ali do e-mail, provavelmente ela voltou com ele, ou ia voltar.

A história parou aí pra mim, então eu não sei se eles voltaram, se foi por isso realmente que ele terminou, se o menino tinha outro tipo sanguíneo que o da esposa e o dele, e aí provavelmente era outro pai, a gente não sabe. E foi isso, na época eu fiquei brava, poxa, né? Porque é sacanagem com a outra lá, com a esposa que não fez nada pra ela, nem sabia que ela existia, foi maldade. Eu achei e continuo achando. Mas agora pelo menos eu não tô mais brava. Mas enfim, eu falei tudo isso pra ela, até falei: “Olha, se eu for contar sua história, não tem muito como ser legal com você, porque o que você fez você foi muito sacana com uma outra pessoa, com uma outra mulher que não te fez nada”. Mas ela também estava ferida por que foi mandada embora, foi humilhada pelo cara, enfim, ela quis atingir o cara, conseguiu. Mas o efeito colateral foi atingir a esposa e uma criança, né? Eu falei pra ela: “Em vez de você ser certeira na coisa, você foi como se você tivesse jogado uma granada na sorveteria e ele morreu, mas um monte de gente morreu também, entendeu? Quer dizer, você atirou pra tudo quanto é lado”.

Então é isso, gente, essa é a história da Renata, história antiga que eu espero que ela não tenha voltado com ele, que ela não esteja com ele, e que o menininho esteja bem, que a ex-esposa esteja bem, sei lá, de repente foi melhor pra ela também porque esse embuste aí, esse marido traidor, né? Enfim… Eu sou time ex-mulher do cara, entendeu? E é isso, volto logo. Um beijo.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.