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título: santuário
data de publicação: 13/03/2023
quadro: picolé de limão
hashtag: #santuario
personagens: evelyn e um cara

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão, e hoje história de mãe cansada. — E, assim, já adianto que eu estou aqui numa revolta. — Bom, eu vou contar para vocês a história da Evelyn. Então vamos lá, vamos de história.


[trilha]


A Evelyn conheceu um cara aí tem alguns anos e eles começaram a namorar. Namoro maravilhoso, tudo lindo, o cara era um amorzinho e nã nã nã. E com ali um ano e um mês de namoro, esse cara falou: “Evelyn, venha morar comigo… Vem morar comigo, vamos viver aí de casalzinho, vai dar super certo, eu te amo e nã nã nã”. E a Evelyn falou: “Poxa, o cara é show comigo, ele é maravilhoso… Vou lá, vou morar com esse cara”. E esse cara morava num apartamento, — que é dele —  um apartamento muito bom, de três quartos. Só que, assim que ela foi morar com ele, ela já percebeu que teria ali alguns probleminhas. O que seria isso? Esse cara tinha na sala uma TV gigante, até incompatível meio que com o tamanho da sala, e a Evelyn não poderia mexer nessa televisão. — Gente? Ela não poderia ligar a televisão, porque a televisão era a televisão dele ver jogo e jogar… Gente, isso pra mim já é um sinal… Eu não sei pra vocês, mas para mim isso é um sinal. —


Então a Evelyn não poderia tocar na televisão. E aí que ela fez isso? Ela tinha uma TV pequena e ela levou a Tv pra lá, a TV dela. E aí esse cara ele não gostava de TV no quarto… Tudo bem, direito dele, tem muita gente aí que não gosto de TV no quarto. Então a Evelyn teve que colocar a TV dela na cozinha. E aí ela assistia as coisinhas dela ali sentada na mesinha… Tinha uma copa e, na mesinha da copa ali, assistindo a tvzinha dela. — Zero conforto, né? Zero conforto. — Um dos quartos o cara fez de escritório, poxa, né? Tem um escritório ali, a Evelyn falou: “Vou usar, preciso imprimir umas coisas aí, vou usar essa impressora”. Pra que? O cara ficou doido… “Não, que você não pode entrar aí, é meu escritório e nã nã nã”.


Então, a casa do cara era um santuário e era um santuário onde a Evelyn era uma visita que não podia tocar em nada, tipo, uma visita com restrições, assim. Então, eu acho que a partir daí você já podia falar: “Pô, será que vai dar certo? Eu aqui eu não posso ver TV na sala… No quarto eu não posso pôr TV porque o cara não gosta. Eu tenho que ver minha TV na cozinha… Eu não posso entrar no escritório…”. Fica difícil, né? Te sobra o quê? O banheiro e a cozinha ali e ainda mesmo assim, né? Mas aí a Evelyn falou: “Ah, mas ele é tão fofinho… Ele tem essas manias aí, mas ele é um fofinho”. E aí continuou com esse cara… E esse cara começou: “Eu quero um filho… Porque eu quero um filho. Me dá um filho”. — E aqui a gente tem que voltar a falar que a vagina da mulher não é a porta da esperança do Silvio Santos, sabe? Que vai abrir e sai uma criança só porque você deseja. Mas os caras pedem… Então cabe a gente dizer não. [risos] “Ah, quero um filho”. “Ah, foda—se”, sabe? —


E aí esse cara começou a pedir um filho, um filho, um filho… E a Evelyn achou que “poxa, ele quer um filho porque ele me ama, porque ele quer fazer uma família comigo…”. — O que qualquer pessoa pensaria, né? — E aí a Evelyn foi lá e falou: “Bom, então vamo… Vamo ter um filho”. Evelyn engravidou. A gravidez da Evelyn ela teve uma coisa que eu não vou lembrar o nome agora, mas é tipo assim, as mulheres enjoam na gravidez, mas ela teve um problema mais sério com isso, ela enjoou a gravidez inteira… Inteira. — Ela passou muito mal. Tem um nome isso, mas eu esqueci agora. — E aí esse cara começou a reclamar que “ah, cuidado, vai vomitar na sala, “ah, cuidado, vai vomitar nas minhas coisas”. Então ela tinha ainda essa preocupação, sabe? Você não pode vomitar livremente. — Tá certo que você não vai vomitar em cima do PlayStation do cara, né? Você não vai direcionar o seu vômito pra isso, mas também você ficar preocupada em nossa, se eu vomitar aqui nesse chão, nessa parte, ele vai ficar bravo”, sabe? —


Então foi assim a gravidez dela, preocupada… Morrendo de ânsia e preocupada onde ela ia vomitar pro cara não ficar chateado… — Porque ele era o tipo que ficava chateadinho, sabe assim? Emburradinho. Tipo: [efeito de voz grossa] “Pô, eu faço tudo por você… Custa você vomitar em outro lugar?”. Olha, sei nem o que dizer. — E aí nasceu… [efeito sonoro de bebê chorando] O bebezinho nasceu, fofinho, lindinho o bebezinho e tudo bem… Fizeram lá o terceiro quarto como o quarto do bebezinho. — Quanto a isso ele não reclamou de nada. — Eles fizeram o quartinho lá do jeito que eles queriam. — E aí, gente, o que acontece com o bebezinho? O bebezinho vai crescendo, né? Bebezinho começa a engatinhar, começa a dar aqueles passinhos assim que sai correndo e cai. [risos] Acho tão lindo. E aí o bebezinho correndo por ali e, o bebezinho, qualquer coisinha que passa perto da mãozinha dele, o que ele faz? Ele agarra… Muitas vezes no trem eu já tive o meu cabelo agarrado por bebezinhos… E dói, porque eles puxam bastante, eles têm uma forcinha naquela mãozinha. A mãozinha é pequena, mas tem uma forcinha. —


E aí esse bebezinho começou a correr pela casa, que é o que todo bebezinho tem que fazer, esse é o papel do bebezinho no mundo… E começou a segurar nas coisinhas e puxar… O bebezinho vê um fio, o que ele faz? O bebezinho puxa o fio. — Cabe a você, pai, mãe, responsável, tutor, o que seja, ficar esperto ali pro bebezinho não tomar um choque, né? — Então o bebezinho começou a puxar ali uns fios, a correr e fazer umas coisas que esse cara não gostou… — Porque a casa dele é um santuário, né? — Então aí as limitações que eram impostas a Evelyn, agora passaram a ser impostas ao bebezinho. Então “Ah, isso não pode, ah isso não pode, porque ele não pode entrar ali”. Tudo bem que tem coisa que a gente não deixa o bebezinho perto porque é perigoso, mas poxa, ele, sei lá, tem um espaço dentro de um apartamento grande pra ele correr, você está ali supervisionando, você vai deixar o seu bebezinho correr. Bebezinho tem que correr…


E o cara não querer que o bebezinho corresse. Aquela perninha, gordinha, pequenininha, aquele pezinho que parece uma bisnaguinha linda, correndo e o cara reclamando. E aí a Evelyn, depois que o filho nasceu, começou a se incomodar com as restrições… Porque eu acho que, enquanto é com a gente, a gente consegue lidar, mas a hora que passa a ser com o filho da gente, a coisa deve mudar. E isso começou a incomodar mais a Evelyn e ela começou a abrir isso pra algumas amigas… — Que até então ela não falava nada pra ninguém, né? E aí ela começou a comentar: “Ai, ele não me deixa isso”, “Ai, ele não me deixa aquilo”, “Ah, porque ele faz isso” e tudo em relação ao espaço… Parecia que aquele apartamento — que era realmente só dele, que ele comprou, enfim — não seria nunca um espaço confortável pra Evelyn. Não seria nunca agora um espaço confortável para o bebezinho, era o espaço dele e a Evelyn e o bebezinho teriam que se adequar a isso.


Um tempo depois, uns dois anos, o bebezinho já com dois anos, a Evelyn falou: “Bom, vou meter o pé, não está dando mais pra mim”, pegou as coisas dela e foi embora. — Pra casa da mãe. — Aí esse cara chorou, se lamentou porque “não, eu vou mudar, porque isso e aquilo”. Aí ele falou a seguinte frase: “Agora eu vou deixar você e o bebezinho assistir TV na sala… Os horários que eu não estiver em casa”, ele deu esse complemento… E aí a Evelyn sacou que o cara não estava mudando, né? Ele fez uma coisinha ou outra ali pra fingir que estava se adequando, mas ela ia continuar cheia de restrição na casa e tal e ela não voltou com ele. E aí mais um tempo passou, o bebezinho ali agora com uns quatro anos, ele pagando a pensão direitinho… Até então, ele ia visitar o bebezinho na casa da mãe da Evelyn, e agora ele tem uma nova esposa e essa nova esposa cumpre as mesmas regras ou até piores que a Evelyn.


E agora ele pega o bebezinho final de semana sim e final de semana não, e o bebezinho não gosta de ir pra lá, porque o bebezinho não pode fazer nada. O bebezinho é proibido de tudo. E aí a Evelyn não tá sabendo como lidar com isso porque ela, óbvio, não quer afastar o pai do filho do filho. Mas ao mesmo tempo ela vê que o menino volta chateado que ele não pode fazer nada, sabe? Ele não pode pegar no controle da televisão… E que criança não gosta de pegar um controle da televisão para pôr na boca e babar todos os números ali? Toda criança gosta. Então, assim, ele não deixa o menino fazer nada… O menino não pode tomar um sorvete, não pode nada, tudo ele tem regras… E aí às vezes a Evelyn liga pra essa esposa, — porque ela tem até um bom relacionamento com a esposa — e aí a esposa desse cara fala: “Ai, você sabe como é, né? Às vezes eu faço escondido e tal… Pega o seu bebezinho e faço isso e faço aquilo sem ele ver, mas você sabe como ele é, né?”. Então é tipo outra mulher que está nessa prisão, nesse santuário do cara que não pode fazer nada. 


Só que agora o bebezinho vai pra lá e o bebezinho fica meio mal, assim, né? Então a Evelyn queria saber como ela pode melhorar a situação do bebezinho sem atrapalhar o relacionamento pai e filho? Porque o cara tem direito também de conviver com o filho e tal, só que o cara é esse cara aí… Que tudo o que é dele é dele, você não pode tocar em nada, que a casa dele é um santuário. Só que a gente está falando de um bebê… — Porque pra mim uma criança de quatro, cinco anos é um bebezinho ainda. Se bobear, até 15 anos eu considero bebezinho. — Então, o que ela pode fazer pra tentar amenizar aí? Porque chega o final de semana com bebezinho tem que ir pra lá, ele já pega a mochila, já põe os brinquedinhos ali… E, detalhe: Ele não pode levar, por exemplo… Ele tem lá um carro de bombeiros que tem um ursinho e o carro de bombeiros faz barulho, ele ama o carro de bombeiros com o ursinho, mas ele não pode levar pra casa do pai porque ele não pode levar nenhum brinquedo que faz barulho e praticamente todo brinquedo faz barulho, né? 


Mesma coisa: Ele quer jogar os joguinhos que ele vê o pai jogando na sala ali, ele quer participar… E o pai quando está jogando não gosta de ser atrapalhado pelo bebezinho, então bebezinho não pode ficar na sala nem vendo o pai jogar. Ah, gente, olha… Eu tô revoltada. Eu tô revoltada… É isso, tem uma série de coisas aí que esse cara faz, mas é tudo nessa vibe. Eu não sei, gente, quero nem falar, porque acho que tudo o que eu falar vai meio que afastar o menininho do pai. Não sei como resolver isso. 

[trilha]

Assinante 1: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, tudo bem? Aqui é Yan de Santa Catarina. Eu tive uma história muito parecida na minha infância com o meu pai, mas a questão não era ele, era minha madrasta. Nesse caso aí, eu acho que esse homem não dá nem para ser chamado de pai. Quando ele quis colocar uma criança no mundo, ele não entendeu nada do que ele estava fazendo, e o que ele precisa é de um belo choque de realidade. Essa mãe tem que mandar esse pai para terapia pra ele amadurecer, virar adulto, entender que ele é pai agora, que ele não tem postura. E é isso. Beijo… 

Assinante 2: Oi, Evelyn, meu nome é Daniele, estou falando desde Londres. Para mim, isso é rejeição e maltrato e esse cara precisa fazer um tratamento para saber por que ele vê a criança como ameaça. E vocês dois também precisam mudar o esquema de visitas para o seu filho. Não foi esse cara que começou com esse papo de que queria ter filho? Ele estava pensando em que, Evelyn? Que você ia parir um adulto pra tomar cerveja e jogar vídeo game com ele? Ah, me poupe, né? Talvez junto de uma advogada você possa apresentar uma avaliação psicológica da criança, de quando o seu filho volta dessa visita, né? Apresenta a avaliação pro juizado e pede que o cara só leve o menino a passeios, daí no máximo é dormir no santuário, pelo menos até o menino crescer um pouco mais, ser mais independente emocionalmente. Mas olha, se nada der certo, mantenha o seu filho na terapia, né? Pra você monitorar e cuidar de que isso não se torne um trauma grande na vida dele. 

[trilha]

Déia Freitas: Então deixem seus recados, suas mensagens pra Evelyn lá no nosso grupo do Telegram. Sejam gentis. E se você ainda não está no nosso grupo, é só jogar na busca lá do Telegram “Não Inviabilize” que o nosso grupo aparece. Então é isso, fiquei muito revoltada. Não se mexe com criança, como diz Inês Brasil. — Não se mexe com bebezinho, sabe? — Não dá pra mim. Um beijo, gente.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.