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título: passarinhos
data de publicação: 06/07/2022
quadro: picolé de limão
hashtag: #segundoandar
personagens: janete, felipinho e marido

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta] 

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão. — E hoje eu não tô sozinha, meu publi… — [efeito sonoro de crianças contentes] Quem está aqui comigo hoje é podcast “Projeto Humanos: Altamira”. — Gente, Ivan Mizanzuk, tudo o que ele faz é impecável, né? Eu gosto demais. — A quinta temporada do Projeto Humanos vai investigar o caso dos meninos emasculados de Altamira. Que fala aí de uma série de desaparecimentos e assassinatos que aconteceram no Pará, entre os anos de 1989 e 1993. As vítimas, meninos entre 8 e 14 anos, foram sequestrados, mutilados e mortos. Porém, 3 desses meninos sobreviveram ao ataque. Tráfico de órgãos e rituais macabros foram algumas das linhas de investigação da polícia. 

Ao final, sete pessoas foram acusadas pelo crime e o processo judicial segue até hoje. Em 2003, — anos após o encerramento do caso — a polícia do Maranhão prendeu Francisco das Chagas Rodrigues de Brito pelo homicídio de diversas crianças em São Luís. As semelhanças entre os crimes em São Luís e Altamira levam a polícia a relacionar os casos e Chagas acabou assumindo aí a autoria dos crimes também de Altamira. O podcast Projeto Humanos ficou famoso com sua quarta temporada, — acho que todo mundo conhece, né? O caso Evandro. Se você não conhece ainda, corre aí ouvir, que é um caso longo, extenso e tá muito bem elaborado, muito bem destrinchado aí pelo Ivan. Pra mim, o Projeto Humanos merece ganhar todos os prêmios aí que tiver de documentário em podcast. — Eu vou deixar o link desse caso de Altamira aqui na descrição do episódio.

E hoje uma história de arrepiar… Uma história que me deixou passada. — Já adianto aqui que não tem nenhum contexto trágico, assim, ninguém se machucou… Minto… O contexto é trágico, sim. — Eu vou contar pra vocês a história da Janete. Então vamos lá, vamos de história.

[trilha]

A Janete conheceu um cara aí e começou a namorar esse cara… Casou, [efeito sonoro de sinos batendo] deu tudo certo e o casamento ia até que legal. — O que não era legal nesse casamento? — Quando nasceu o Felipinho, [efeito sonoro de bebê chorando] o filhinho do casal, este cara começou a não fazer nada, assim, ele não colaborava. Então, a Janete foi ficando sobrecarregada e tal de cuidar só ela do Felipinho. Mas tudo bem, passou ali um, dois aninhos, três aninhos… Com quatro aninhos, o marido da Janete falou: [voz grossa] “Olha, pra te ajudar…”, [risos] — Não é ajudar, meu anjo, é sua parte também… Mas foi o que ele disse, né? — [voz grossa] “Pra eu te ajudar, eu vou levar o Felipinho lá pra minha mãe, a gente fica lá na minha mãe e aí você faz uma unha, um cabelo aí”. — Palavras dele… —  “Uma dessas frescuras que você gosta”. E aí a Janete falou: [voz fina] “Olha, eu até gostaria que você realmente fosse na sua mãe com o Felipinho, só que sem mim, eu não garanto… Porque lá é segundo andar, lá não tem tela e você é muito distraído. Uma distração que você tem, o Felipinho vai escalar aquela janela e vai pular. Eu conheço meu filho”

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E aí o cara virou um bicho. Ele falou assim: [voz grossa] “Onde já se viu? Eu vou levar meu filho onde eu quiser. O filho também é meu. O que você está pensando?”. Deu uma mega lição de moral aí na nossa amiga Janete. E aí, Janete falou: [voz fina] “Ah, tá bom… Então você tem certeza? Você vai olhar?”, ele falou: “Vou, porque sei o que…”, ela falou: “Bom, não vou proibir também”, mas ficou ali apreensiva. Então, toda vez que Felipinho ia para a casa da sogra de Janete com o marido de Janete, ela ficava tensa. Ela não conseguia relaxar, realmente, assim, curtir o dia. E, às vezes, até quando ela ia lá almoçar de domingo, ela sugeria: “E aí, gente, por que a gente não bota uma tela aqui e nã nã nã?” e os dois lá falando que não precisava…

Até que um dia, [efeito sonoro de toque de celular] a Janete estava fazendo as suas unhas e o telefone tava tocando. Era um número que ela não conhecia e ela estava ali no meio de fazer unha, falou: “Eu não vou borrar a unha porque pode ser, sei lá, aquelas cobranças falsas ou um engano, qualquer coisa”. E não atendeu. Passou ali mais dez minutos, o mesmo número ligou de novo. Aí, dali mais uns cinco minutos, um outro número ligou… Ela falou: “Gente, mas três assim?”, aí a unha dela já estava ali terminada da mão, estava meio que secando e a moça tinha ido agora pro pé, né? Fazer o pé dela. E ela falou: “Ah, se tocar de novo, eu vou atender”. [efeito sonoro de toque de celular]  E aí ela atendeu e, na primeira vez, era uma vizinha da sogra dela… E, na segunda vez, era o porteiro, porque a vizinha não estava conseguindo falar com ela e pediu para o porteiro ligar. O que tinha acontecido? Felipinho realmente subiu na janela… Felipinho caiu… [efeito sonoro de tensão] 

Felipinho caiu no toldo do prédio e na grama e não se machucou. — Mas é uma criancinha que caiu do segundo andar… — E aí Janete largou tudo, esqueceu até coisa lá na manicure, saiu gritando… — Porque uma coisa é ela ver que o filho dela está inteiro e outra coisa é alguém falando que ele caiu e tinha se machucado. — E por que a vizinha ligou? — Porque eles estavam num grupo lá do condomínio da sogra — a Janete estava porque era Janete que ajudava a sogra em umas coisas, enfim, ela estava no grupo do condomínio —  e a vizinha percebeu que tanto a sogra quanto o marido da Janete não iam contar pra ela… — Não iam contar, porque a criança não se machucou. — E aí a Janete chegou lá naquele prédio, o porteiro também ia avisar, mas quando ela chegou, ele contou direitinho como foi e falou: “Olha, só que a senhora não fala que soube por mim, porque senão eu posso ser mandado embora e nã nã nã”.

E aí ela chegou lá no apartamento, viu o Felipinho… Realmente Felipinho estava bem… — Tava, tipo, com ralado no bracinho, assim… Ele caiu do segundo andar no toldo no toldo, o toldo amorteceu e ele deu uma roladinha e caiu na grama, rolando, assim… — Então, ele não se machucou… Ele estava assustado ainda. — Mas não estava machucado… — Mas aí Janete gritou com todo mundo, pegou o filho… — Porque, assim, uma coisa que eles tinham que ter feito… Levar o menino pro PS, né? E ninguém fez nada. — E aí ela pegou o filho e levou no pronto socorro e realmente não… Nada aconteceu… — Mas aconteceu, né? O menino caiu do segundo andar. — E aí agora vem a questão: A Janete pediu o divórcio por conta disso. — Óbvio que tinha uma coisa ou outra, mas ela disse pra mim que eram coisas contornáveis, mas isso pra ela foi inadmissível, porque eles realmente iam esconder dela, né? —

Então ela pediu o divórcio… Muita gente ficou contra ela, porque achou que foi um acidente e que a criança não se machucou, então ela estava exagerando. E ela fez de tudo na Justiça pra que até os sete anos do Felipinho as visitas fossem supervisionadas. E que o apartamento… — porque aí o marido dela, que agora virou ex, foi morar com a mãe… — E que o apartamento tinha que ser todo telado. — Pra poder que as visitas acontecessem, né? — Então ela teve que juntar testemunho da vizinha… A vizinha foi, vizinha falou, a vizinha detesta o ex da Janete… Depois de tudo feito, — assim, ela conseguiu as coisas que ela queria na justiça e tal — ele só vê o filho a cada 15 dias, ele que também estipulou o tempo. Então, veja, ele podia ver mais, mas enfim… Ele tem uma visita só, tipo, um sábado e passeia com o menino… Se tiver que ficar no prédio também tem uma irmã dele que fica junto, enfim, tem que ter sempre alguém supervisionando, pelo menos até o Felipinho fazer sete anos. E aí depois vão rever as coisas e tal.

E aí, gente, olha o que aconteceu: depois disso tudo, já rolou deste cara deixar o filhinho — Felipinho — na piscina e ficar olhando o celular e o menino lá na piscina sozinho. E aí umas mães que estavam lá também com crianças — na piscina do prédio — botaram ele pra correr de lá. E aí chamaram a ex—sogra da Janete e tal pra ela pegar o Felipinho, enfim… E aí ele diz que ele se sente injustiçado [risos] e hostilizado no prédio, que agora ninguém no prédio gosta dele, mas foi uma coisa que ele não teve culpa. — Como ele não teve culpa? Porque uma hora ele fala que ele estava no computador, outro hora ele fala que ele foi beber água, outra hora ele fala que deu uma olhadinha rápida no celular… Eu acredito sim, assim, que ele estava distraído com alguma coisa, porque criança, gente, é um segundo… É um segundo… A minha tia contava uma história que eu tinha dois aninhos, ela estava segurando minha mão, eu escapei dentro de um supermercado e corri pra rua. Se ninguém me pega, eu ia entrar embaixo de um carro. E com dois aninhos, assim, correndo, correndo, correndo, correndo… E minha tia vindo atrás, tentando pegar e eu correndo, correndo, correndo… Assim, dois aninhos, a criança corre capenga… Não lembro se era dois ou quatro aninhos. Enfim, eu era uma criancinha e, assim, eu era uma criancinha que saía correndo. Então todo mundo que estava perto de mim ficava tenso, ninguém relaxava, porque, enfim, se tivesse naquela época aquelas coleguinhas peitorais, eu era criança perfeita pra usar uma coleirinha daquelas peitorais, aquelas que tem a guiazinha. Que aí a minha mãe botava a guiazinha no braço e ficava tranquila. [risos] Eu ia amar. [risos] Mas enfim, saí do foco… —

E aí ele diz que ele se sente hostilizado no prédio, que ele é injustiçado porque foi só um erro… — Não, já teve outro, né? O da piscina. — Então, a Janete, mesmo com visita supervisionada, com tudo, ela falou: [voz fina] “Gente, eu só vou relaxar quando meu filho estiver, sei lá, 20 anos. Porque se tá mais velho, vai sair de carro com ele, vou ficar tensa também”. Então, essa é história da Janete… Muita gente acha que ela estragou um casamento ótimo e, enfim, só ela estando na pele dela e convivendo com ele todo dia pra saber até que ponto ela queria apostar nisso. E é isso, gente… É isso… — Passada com a história de Janete e Felipinho. —  Não é que o pai ajuda, é responsabilidade do pai 50% também, né? 100% dos dois, eu diria. Igual. Mas a gente sabe que a carga vai toda na mulher.


[trilha]

Assinante 1: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, aqui é a Aline, sou de São Paulo, eu tenho uma filha de quatros anos e meio e ela é super enérgica, assim, ela você também não pode tirar o olho um segundo… É um segundo de vacilo que alguma coisa acontece. Então, eu super entendo a Janete, acho que ela fez certíssimo, eu também pediria o divórcio. Por muito menos eu pediria, [risos] imagina se meu marido resolve mentir sobre um acidente grave assim… Por mais que o desfecho, no fim o Felipinho ficou bem, graças a Deus, mas imagina… Eu não sei o que é pior, né? Deixar o menino cair do segundo andar ou mentir sobre o fato… Eu teria feito o mesmo, teria pedido o divórcio também, com certeza. Forte, abraço, Janete e eu acho que você tem toda razão de continuar preocupada, né? Tem motivos.

Assinante 2: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, meu nome é Helen e eu quero deixar aqui toda minha solidariedade pra Janete, por ela estar aí sendo julgada por ter se divorciado. Acho que se você não tivesse divorciado, Janete, você também estaria sendo julgada por outras pessoas ou talvez pelas mesmas pessoas, porque a gente gosta mesmo é de julgar. Mas você seguiu seu coração e eu acho que é um conselho que a gente tem que seguir sempre, né? Mesmo porque, eu acho que eu também me sentiria traída, já que eu acho que traição não tem a ver só com outros relacionamentos, né? Mas tem a ver com quebra de confiança e foi o que aconteceu aí, ele escondeu uma informação super importante do Felipinho, né? E a segunda coisa que eu queria falar é sobre esse pessoal do prédio. Achei muito legal a mobilização deles, né? Tem um provérbio africano que diz que, pra educar uma criança, é preciso de uma aldeia inteira. Então, acho que isso tá acontecendo aí nesse prédio, então, força pra você, viu, Janete? Beijo.

[trilha]

Déia Freitas: Ouça o podcast Projeto Humanos: Altamira gratuitamente no Gshow, Globoplay e em todas as plataformas de áudio. E, Ivan Mizanzuk, parabéns aí pelo excelente trabalho e a prestação de serviço importantíssima que você prega. Um beijo, gente, eu volto em breve. 

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.