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título: socorridas
data de publicação: 04/03/2024
quadro: picolé de limão
hashtag: #socorridas
personagens: lorena e joana

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão. E hoje eu vou contar para vocês a história da Lorena. — Ê, Lorena… — Então vamos lá, vamos de história.


[trilha]


A Lorena e sua mãe — que a gente vai chamar aqui de “Dona Nice” — moravam sozinhas num condomínio e Dona Nice com muito problema de pressão alta, então vira e mexe ela passava mal e Lorena tinha que correr pra levar a mãe para o hospital. Lorena não dirige e não é sempre que você encontra um táxi disponível ou sei lá, né? A angústia de ficar esperando um carro de aplicativo, enfim… Numa dessas vezes, Lorena ali desesperada porque a mãe dela estava passando muito mal — provavelmente com a pressão muito alta —, pediu ajuda a uma amiga… A amiga mora bem perto do condomínio que a Lorena mora e a amiga falou: “Não, claro, estou pegando o carro aqui e tô indo aí pegar você e sua mãe”. — A gente vai chamar essa amiga de “Joana”. — A Joana chegou [efeito sonoro de campainha tocando] pronta para pegar ali Lorena e Dona Eunice e levar até o hospital. Então elas subiram no carro, a Joana pediu para colocar a Dona Eunice na frente — porque era mais fácil na hora de chegar lá no hospital de tirar ela do carro — e Lorena foi atrás. 


E Joana, como pede para todo mundo, pediu para Lorena colocar o cinto de segurança. Lorena botou o cinto de segurança e elas foram… [efeito sonoro de carro dando partida] — Porque, gente, eu depois que eu tive um acidente num Uber aí que praticamente capotamos e eu ferrei o joelho, a Uber pagou todo o tratamento do meu joelho, né? Eu só ando de cinto no banco de trás. É o mais seguro. — E essa história se passa no litoral… No meio da cidade tem uns canais — são todos ali cercados, tem a parte de cimento, enfim, mas são canais ali pelo meio da cidade —, Joana está dirigindo dentro do limite de velocidade, mas super preocupada ali com a Dona Eunice que estava realmente passando mal quando, de repente, gente, [efeito sonoro de carro batendo] veio um carro e acertou a Joana na lateral. Joana perdeu a direção e elas imbicaram dentro de um desses canais. Quem bateu no carro de Joana foi um ex-namorado de Joana que a perseguia.


O cara foi preso, respondeu pelo que tinha que responder… — E o carro estava dentro do córrego lá, né? — Elas foram retiradas do carro e socorridas pelo Corpo de Bombeiros. Não aconteceu nada com Joana, Joana tinha que ir até a delegacia para fazer boletim de ocorrência contra o ex-namorado e Eunice e Lorena foram para o hospital. Só que nessa queda no canal, a Dona Eunice que estava na frente quebrou o pé… — Nesse acidente. — Foi socorrida, teve a sua pressão lá no hospital estabilizada, teve o pé imobilizado, enfim, vida que segue, né? Só que não… Joana se mudou — porque o ex ainda estava perseguindo, então ela se mudou, mas ela sempre tinha contato com Lorena —, só que com esse acidente, a Lorena teve que parar de trabalhar um tempo para poder cuidar da mãe. Lorena achou que Joana tinha responsabilidade na fratura do pé da mãe e Lorena arrumou um advogado. — Sim… —

Lorena entrou em contato com o advogado, contou a história, o advogado falou sim: “Dá para processar a sua amiga… Se você vai ganhar, não sei, mas dá para processar”. E aí esse advogado, antes de entrar com o processo, resolveu conversar com Joana, tentar uma, sei lá, uma conciliação. O que a Lorena queria? Como ela é autônoma, que a Joana bancasse esses dias. E aí Joana ficou muito espantada quando recebeu essa ligação do advogado de Lorena. — Lembrando que quem está escrevendo aqui para a gente não foi a Joana, tá? É a Lorena. — E ela ficou muito assustada, falou que ia conversar com um advogado. — Provavelmente, como Joana foi instruída a gente não sabe, o advogado da Joana entrou em contato com o advogado da Lorena e ofereceu um acordo. O advogado da Joana falou: “Bom, vamos então para a justiça, mas sim, Joana já na conciliação pode topar um acordo”. Foi acordado que durante dois anos — dois anos, 24 meses — a Joana ia pagar aí 410 reais mensais para a Lorena. Foi feito um cálculo lá de quanto tempo a Lorena ia ficar parada, não sei o que lá, só que a Joana não tinha dinheiro para pagar assim, né? Pra dar o dinheiro. 


Na conciliação foi perguntado mil vezes para a Joana se ela queria fazer o acordo e ela, muito firme, disse que sim. Elas eram amigas num grupo de amigos e a Lorena foi excluída desse grupo de amigos, assim, da convivência com os amigos, inclusive, de tudo…Todo mundo achou que foi errado a Lorena processar… — Tentar processar, né? Porque elas chegaram numa conciliação, né? — Sendo que a Joana se prontificou a levar a mãe da Lorena para o hospital, enfim, por um pedido da Lorena. — E, assim, a Joana não tinha como saber que o namorado dela ia bater no carro dela, né? — Mas a Lorena acha que, como ela sabia que o namorado estava perseguindo, ela devia ter falado “não” pra carona. — Então, veja, a própria Lorena que escreve pra gente acha que a Joana tinha que ter negado ajuda pra ela pelo namorado dela estar nessa situação, que a Joana acabou colocando a Lorena e a Dona Eunice em risco. Vendo por esse lado, sim, botou em risco, mas ela foi ajudar uma amiga. Se a gente for olhar o lado prático, tipo “a Joana sabia que estava sendo perseguida, não devia colocar outras pessoas em risco”, mas ali na hora, um apelo desesperado da Lorena falando: “Pelo amor de Deus, socorre minha mãe, senão ela vai morrer”, a Joana se colocou em risco pra ajudar a amiga. Eu não penso que ela foi imprudente e botou a amiga e a mãe em risco. —


— Só que ela, a Joana… Pelo menos na minha opinião, ela se colocou em risco para ajudar a amiga e a socorrer a mãe da amiga e, no final, ela foi praticamente processada, né? Porque está pagando até hoje. — A Lorena acha que tem razão, por isso que ela escreveu também, mas ela acabou ficando sem os amigos, essa turma… A Joana ficou muito surpresa com a situação e, ao mesmo tempo, não quis prejudicar a Lorena, né? Não quis prejudicar a Dona Eunice e, inclusive, a Joana que trouxe do hospital a Dona Eunice com o pé quebrado e estava ajudando no que dava também, né? Porque ela também trabalha, enfim… E ela estava se mudando ainda, por que ela mudou para um lugar desconhecido por causa desse ex. Juridicamente ela tinha responsabilidade porque ela era dona do carro e o acidente aconteceu no carro dela? — Eu não sei como é isso, mas pelo advogado dela ter falado para ela fazer esse acordo, então corria o risco da Lorena ganhar? E a Lorena que escreveu pra gente tá certa em processar a amiga que ajudou ela a socorrer a mãe? — 


Eu falei isso pra Lorena: “Por que você não falou abertamente pra Joana: “Olha, eu estou parado agora sem trabalhar. Você não pode me ajudar?”. A Lorena acha que isso tinha que ter partido da amiga, da Joana… Como não partiu essa ajuda financeira da Joana, ela resolveu conversar com o advogado, só para ter uma ideia. E aí quando o advogado falou: “Não, rola sim”, ela deixou rolar… — Eu não sei, gente… Não sei… Assim, foi a Lorena que escreveu, então se fosse a Joana… Eu acho que a gente ia estar agora aqui todo mundo indignado, né? Mas como foi a Lorena e eu sei esse lado da história da Lorena que realmente não tinha dinheiro, autônoma, teve que parar o trampo dela pra ficar com a mãe, porque a mãe com o pé quebrado, você sabe, precisa dar banho, precisa pra fazer tudo, né? Não pode deixar sozinha em casa… Então, e aí, gente? Eu falei pra Lorena, falei: “Pô, por que você não fez uma vaquinha, sei lá, entre os amigos? Agora, ameaçar a sua amiga de processo, não sei”. Ex amiga agora, né? Que não são mais amigas. —


Agora a gente tem que pensar também que se a gente socorrer alguém e aí acontecer alguma coisa a gente vai ser processado ainda? Tem isso, né? Mas você vai deixar de socorrer as pessoas? Ela me disse que ela estava numa situação que ela não tinha pra onde correr e tinha que pagar as coisas — principalmente com a mãe dela com o pé daquele jeito, o pé quebrado —, então ela ficou realmente dois meses sem trabalhar e sem ter nenhuma fonte de renda. A Joana paga certinho todo mês 400 e poucos reais desse acordo que elas fizeram. Eu tenho certeza que se fosse a Joana me escrevendo, eu já ia estar muito revoltada, mas recebendo a história da Lorena e vendo que realmente ela passou necessidade, eu entendo, mas acho que ela devia, sei lá, ter feito uma vaquinha, pedido para amigos, porque ela não ia perder as amizades, principalmente perder a amizade da Joana, que também estava passando por uma mega situação horrível de ter um ex perseguindo, um ex violento e tal… Tem esse lado também, Joana teve mais aí essa questão que era de um quase processo de uma amiga sua.

[trilha]

Assinante 1: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, aqui quem fala é a Maria, do Distrito Federal. E eu vejo nessa história da Lorena que quando a pessoa é ingrata, não importa o que as outras façam, não importa se as outras estão tentando ajudar, estão tentando ser prestativas, a pessoa se sente injustiçada de alguma forma pelas coisas não caminharem da forma que ela desejava. E aí, bom, se a sua mãe tivesse passado mal, Lorena, e a Joana tivesse se recusado a levá-la porque ela estava sendo perseguida, você também a processaria? Você acharia que era culpa da Joana o fato da sua mãe não ter chegado ao hospital, por exemplo? A sua amiga se dispõe a levar a sua mãe ao hospital e você, com um senso de comunidade fragmentado, decide puni-la novamente, porque ela já tinha sido punida por ser perseguida pelo ex-namorado, e você ainda a processa? Que tipo de amizade é essa? Para mim isso só transborda ingratidão, infelizmente. Beijão. 

Assinante 2: Oi, Déia, Oi, Não Inviabilizers, aqui é a Jux, da Ilha de Pôneis na Alemanha. Dois apontamentos, um jurídico e um ético, parte jurídica: Os tribunais brasileiros compreendem que motorista que dá uma carona por gentileza, benevolência, sem vínculo econômico algum, só é responsabilizado em caso de acidente em relação à pessoa que dá recebe a carona, caso tenha agido com dolo, ou seja, com o objetivo de causar o acidente ou culpa grave que seria caracterizado como imprudência, imperícia ou negligência. Ela não foi negligente, porque ela pediu para botar o cinto de segurança e não teria como pensar em imprudência, porque não havia como imaginar que o ex-namorado ia jogar o carro em cima delas, então não seria caracterizada culpa grave. E a parte ética é a seguinte, Lorena: Você poderia ter processado o ex-namorado da Joana. Ele, como causador do acidente, teria sim a responsabilidade de arcar com danos materiais, financeiros e morais decorrentes do acidente, mas não, você preferiu processar a sua amiga, aliás, ex-amiga. E a gente sabe que se Joana tivesse mandado essa história para a Déia, Lorena, você não teria ganho o nome. 

[trilha]

Déia Freitas: Lorena acha que ela está certa, que certas coisas a gente tem que resolver na Justiça mesmo. Mas e aí agora? Comentem lá no nosso grupo Telegram, como eu disse, sejam gentis com Lorena. Um beijo e eu volto em breve.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.