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título: surra
data de publicação: 14/07/2021
quadro: picolé de limão
hashtag: #surra
personagens: sula, laura e hebert

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]
Déia Freitas: Oi, gente… cheguei pra mais um Picolé de Limão e, assim, hoje tá osso. Então eu já vou avisando que a história contém racismo e violência, então sejam avisados. Quem me escreve é a Sula, a Sula é professora de judô. — Obviamente eu mudei aqui professora do que ela é, ela é professora de um esporte aí de gente muito, muito, muito rica, mas vou aqui trazer para o judô. — Então a Sula é professora de judô numa escola de gente muito, muito, muito rica. E a história que eu vou contar pra vocês é a história da Sula, da vez que ela teve que ser testemunha na delegacia de uma briga entre mães da escola. Vamos lá, vamos de história.

[trilha]

Aqui eu tenho que parar pra contar a história da Laura. — E somente com os detalhes que a Sula sabe, né? A parte da história que todo mundo sabe. — Laura rica, casou com um cara rico, tipo, riquíssimos os dois e eles não tiveram filhos, quando a Laura estava com quarenta e sete anos, ela adotou uma menina de nove anos e essa menina tinha um irmãozinho de oito meses, então a Laura e o marido adotaram a menina e entraram no processo pra ficar também com o bebezinho. — E o bebezinho a gente vai chamar de Hebert. — A Laura não trabalhando, né? — Tipo socialite riquíssima. — Deu certo a adoção e ela adotou. Laura branca, marido branco, garotinha negra, bebezinho Hebert negro. Logo de cara a Laura já colocou a menininha na escola mais top aí… — Entre as cinco mais do Brasil assim, já saiu matéria em tudo quanto é lugar, é uma escola assim, que a gente nem sonha passar na porta, tipo, rico, rico, rico. —

E aí claro que a menina teve umas dificuldades, ela tinha uma defasagem ali no aprendizado, mas com professores particulares nã nã nã, então a diferença entre ela e o bebezinho, de oito anos e pouco ali, né? E aí a menina foi crescendo, foi se adaptando e deu tudo certo. O bebezinho ele tinha um pouco de asma, ele era um bebezinho assim, que precisava de mais cuidados, então a Laura era bem, bem, bem grudada nos dois, mas ela tinha muito mais preocupação com o bebezinho Hebert. Então aí quando o bebezinho Hebert fez quatro anos, que ele já poderia ir pra essa escola, tipo, essa escola tinha várias faixas, né? Pra você botar sua criancinha, ela não colocou o Hebert, porque ela tinha medo, sei lá, que ele se machucasse ou passasse mal, ela criava o Hebert assim, bem numa redominha. E garotinho Hebert foi crescendo, quando ele estava com seis anos o marido da Laura falou: “Amor, agora a gente tem que botar o Hebert na escola”, eles tinham essa preocupação de querer que a criança já cresça falando inglês e francês nã nã nã, e o marido queria que o Hebert começasse desde pequenininho tal, e já era pra ele ter ido pra escola com quatro, a Laura não deixou, e aí ele foi pra escola com seis.

Foi pra escola, a Laura levava e buscava. E aí era assim, gente, era tipo integral, né? Então tinha a grade lá e tinha coisas extras, então aí podia fazer francês, tinha judô que uma das professoras era a Sula, tinha várias coisas, e garotinho Hebert foi matriculado ali e começou a cursar. De cara garotinho Hebert fez uma amizade com um outro garotinho, um garotinho rico também como ele, porém um garotinho branco, e eles super se dando bem assim, não tinha um A de reclamação, de nada. E esse garotinho, o amigo do Hebert, ele ia e voltava da escola com uma babá, — Então era sempre a babá que levava e buscava — e eles saíam da escola juntos assim, um dava tchau para o outro, era bem bonitinho de se ver. Aí um dia, não se sabe se a babá estava de férias, se a babá estava doente, o quê que foi, quem foi buscar o garotinho amigo do Hebert foi a mãe dele. E ela viu os dois assim, muito unidos, né? Brincando, e foi lá e puxou o filho dela pelo braço, com força assim e levou embora. E de longe, chegando pra pegar o garotinho Hebert, estava a Laura, Laura não se ligou que fosse, sei lá, que ela tivesse puxando o próprio filho por causa do filho dela.

Pegou o garotinho Hebert e foi pra casa. Na semana seguinte toda, a babá ia levar o amigo do Hebert, mas quem ia buscar era a mãe, e aí ela sempre separava assim de uma maneira estranha o garotinho Hebert do outro menino, a ponto de uma das monitoras fazer uma reclamação na diretoria. Ali a diretoria tentou contornar. — Escola de riquíssimos, né? Você não quer perder aluno… — Passou. Até que um dia esta mãe estava chegando pra pegar o amiguinho do Hebert e o amiguinho do Hebert deu um beijo no rosto do Hebert, tipo, tchau, né? De duas crianças de seis anos inocentes. Essa mulher surtou, pegou o garotinho Hebert pelos ombros e chacoalhou e falou: “Escuta aqui, seu delinquente imundo”. — Pra uma criança de seis anos…. — “Fica longe do meu filho”. E foi tudo muito rápido, uma das monitoras empurrou ela pra ela soltar o garotinho Hebert, e ela soltou e ainda depois teve a coragem de ir fazer uma reclamação dessa monitora. Diretora não tinha como contornar agora, precisava chamar a mãe de garotinho Hebert, porque garotinho Hebert ficou muito assustado, chorou e estava nas mãos da Laura, né? Mãe do garotinho Hebert de resolver o que gostaria de ser feito, inclusive, a diretora deu a possibilidade de se fazer um boletim de ocorrência.

E aí a Laura ficou em choque, — Em choque — parada e ela falou: “Olha, não consigo te responder nada agora, eu quero pegar meu filho. Vou levar meu filho no pediatra, eu vou ver o que aconteceu, se ele tá bem e depois nos falamos”. No dia seguinte, Laura não levou garotinho Hebert pra escola e era o dia que teria judô, e no judô, na parte da tarde quem buscava o amiguinho do Hebert era a mãe dele, a que chacoalhou o garotinho Hebert. — A bruaca racista. — O quê que a Laura fez? Era aula da Sula… — E a Sula que me conta a história, o que essa Laura, mãe do Hebert fez? — Ela apareceu na aula de judô, então pensa assim, as crianças estão numa sala tendo aula de judô e numa outra sala, tipo, uma antessala, um lugar agradável, um lugar incrível, podia ficar as mães. — E escola de gente rica a gente sabe que tem umas que segregam — e tinha um outro ambiente para as babás, então mães não ficavam com babás, e professoras só iam lá naquela sala, que é tipo um lounge, né? — Com águas, com aquelas rodelas de limão, nã nã nã… — As professoras saíram lá quando tinha que dar algum aviso de alguma criança, e era o caso da Sula.

Sula estava entrando nesse lounge, nessa sala chique, sentada estava a racista — Que chacoalhou o garotinho Hebert — e, entrando pela porta estava Laura, e a Sula estava indo falar pra racista que o amiguinho do Hebert estava chateado, não queria participar ali da aula de judô justamente por estar sem o Hebert, que era o melhor amiguinho dele. A Sula falou que foi tudo muito rápido, ela falou pra mim: “Andréia, imagina uma mulher magra, alta, muito, muito chique assim, muito, muito chique, de cabelo comprido que estava sempre, sempre bem arrumada, sempre de salto”. — A Laura… — A outra também super perua, também sempre bem arrumada. Só que ali, entrando pela porta estava Laura de conjunto de moletom, tênis e cabelo preso. — A Sula falou que quase não reconheceu. — Sentada num sofá lá, tipo uma espreguiçadeira assim, do lounge, estava a mãe racista, ali vendo uma revista e olhando pra Sula já, sabendo que a Sula ia falar alguma coisa pra ela.

Sula falou que foi muito rápido, gente, a Laura pegou a mãe racista pelo cabelo e levantou, levantou ela assim pelo cabelo, e a Sula ficou sem saber o que fazer, e do jeito que ela levantou pelo cabelo, ela jogou a mulher no chão, e a mulher estava toda arrumada assim, com um casaquinho, ela jogou a mulher no chão e já foi pra cima da mulher no soco, — No soco, sem falar nada, gente… — sem falar nada. A briga foi tão feia, a mulher só apanhou, que ela foi pega de surpresa e estava em choque, a briga foi tão feia que a Laura arrancou os brincos da mulher, rasgou as orelhas da mulher, rasgou, tipo de ficar assim, de sair o brinco mesmo, de ficar um rasgo de fora a fora assim nas duas orelhas da mulher. — Ela arrancou os brincos da mulher… — Bateu, bateu, bateu, a mulher começou a gritar. A Sula ficou paralisada, não conseguia separar, porque era uma imagem assim muito surreal, e aí apareceu mais gente, ainda bem que era uma sala meio longe de onde estavam as crianças, então as crianças não presenciaram, né? E que deu o que fazer pra tirar essa Laura de cima dessa mulher, parece que até o cabelo… — A Sula não sabe se é cabelo natural, mas eu acho que devia ser algum tipo de aplique, né? — Porque ela falou que arrancou uns tufos muito grandes, — Eu acho que era aplique. — mas a mulher ficou um bagaço.

E aí quando separaram a Laura falou: “A próxima vez que você encostar no meu filho, eu te mato”. — Falou desse jeito. — Porque o menininho Hebert ele tinha luxado o ombro, essa mulher luxou o ombro do menino Hebert. E aí essa Laura ficou louca, né? Ficou louca, e sabia que a outra ia estar lá e foi atrás e pegou e, realmente, ameaçou de morte. Aí separaram ali, a Laura foi embora. [efeito sonoro de ambulância] A Sula ficou ali chocada, e aí Sula teve que ir depor. A Laura já tinha feito o boletim de ocorrência contra a mulher por causa do que ela fez com o garotinho Hebert, ela assumiu que bateu na outra, mas aí também falou que a outra avançou nela… — O que a Sula diz que não aconteceu. — Mas na hora lá a Sula falou: “Olha, eu não vi, eu acho que elas se pegaram, não sei”. — Mas a Sula viu que foi a Laura, a Laura foi preparada fisicamente, com uma roupa confortável pra bater na outra. [risos] Gente, eu sei que é muito violento, eu sei que é horrível, mas dizer que não gostei? Seria hipocrisia.

A mulher luxou o ombrinho do Hebert porque não queria um garotinho negro e adotado, que ela chamou de delinquente, de outras coisas, que eu não vou repetir aqui, brincando com filho dela… — Então eu acho que a Laura bateu foi pouco. — E aí isso foi um escândalo na escola, um escândalo, só que a Laura era muito, muito, muito mais rica que essa outra mulher e aí essa outra mulher e o filhinho, né? Acabaram saindo da escola, o que foi ruim para o Hebert, porque era o melhor amiguinho dele assim, né? Ele sentiu muito e o menininho também deve ter sentido. — Tudo por causa dessa idiota aí dessa racista. — E aí também não deu em nada na delegacia, foi registrado lá tipo um “vias de fato”, alguma coisa assim, entre as duas e ficou por isso mesmo. E teve um processo em relação ao garotinho, a Sula não sabe o que aconteceu, que depois ninguém fala nada, né? Tipo, funcionários, pessoal abafa, não se sabe o que rolou.

Garotinho Hebert continuou no colégio, um dos garotinhos até assim de destaque, ele é muito bonzinho, muito inteligente, e a Sula [risos] falou que até hoje tem dia que ela dorme e ela tem pesadelo com a briga das duas, porque ela nunca viu uma pessoa ficar tão enfurecida quanto essa Laura. E, gente, pô, a mulher encostou no filho dela, a mulher chacoalhou o filho dela, machucou o ombro do filho dela, foi pouco o que ela fez, entendeu? Rasgar as orelhas da mulher, [risos] arrancar o brinco. Ah… E detalhe: A Sula falou que ainda depois um funcionário da racista foi lá na escola pedir os brincos, né? Exigir que entregassem os brincos, porque os brincos eram caríssimos, tipo, ouro com diamantes, essas coisas… — Por isso que rasgou bem a orelha dela. [risos] — E Sula falou que a outra ficou machucada real assim, que essa Laura dava soco no rosto, não estava nem aí, arrancava cabelo, batia a cabeça da outra no chão. — Feio, né, gente? É feio, mas quem mandou, né? Quem mandou ela encostar no filho da outra? Quem mandou ela xingar, chacoalhar, machucar o menininho? —

Tem nem o que dizer, né? Fez o certo. Sinto muito, eu sei que vai ter gente aí que vai me criticar, mas poxa, eu não tenho filho, mas a hora que eu ouvi essa história, que a Sula foi me contando, falei: “Poxa, se é meu filho, ai, nem sei”, sabe? Nem sei. Que a violência vem, a violência vem, falou que essa Laura ficou louca, louca, louca e ela bem branca assim foi ficando vermelha e foi pra cima da outra, parecia um demônio. [risos] Ai, o importante que garotinho Hebert ficou bem do ombro, né? Deve ter ficado mega traumatizado, porque ele não fez absolutamente nada pra merecer isso, e a mulher tomou a surra que mereceu. Acabou saindo da escola lá, porque a vergonha foi grande e Laura seguiu plena, levando o Herbert na escola. E aí foi bom que já deu um se liga pras outras mães, [risos] ela já deixou claro ali que, né? Com ela o negócio é mais embaixo. [risos] — Ninguém mexeu mais em nada do Hebert. — Hebert seguiu pleno e cresceu na escola. [risos]

Então essa é a história, uma história de surra entre mães aí, mas que não posso dizer que não fiquei feliz, — Não posso — dizer que não vibrei e que não torci por Laura, mas, né? Como diz a Sula: “Laura saiu intacta”, [risos] só com sangue no moletom porque, né? Detonou a outra. Mas é isso, então, tem que ter cuidado aí, né? Mexer com filho dos outros e ser racista, que uma hora a conta vem.

[trilha]

Assinante 1: Oi, meu nome é Wendy, eu sou aqui de São Paulo. Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer a Sula. Sula, mulher… Muito obrigada por ter enviado essa história para o podcast, pra mim é a melhor até agora disparada. E ouvindo essa história a gente pode constatar algumas coisas, né? Dentre elas, Um: Amor de mãe é incondicional. Dois: Não encosta no filho dos outros e, terceira, mas não menos importante: Não seja racista. É crime, é inaceitável, não tem como tolerar isso mais. Um beijo pra Laura, não julgo Laura. [risos] Um beijo pro menininho Hebert, espero que vocês estejam bem, e é isso, um beijo pra todo mundo.

Assinante 2: Oi, gente, meu nome é Gabriela, eu sou do Rio de Janeiro. E, na moral, a única coisa triste nessa história é que eu não posso desejar a Laura um ótimo dia, que ela salvou o meu, e ela nem sabe disso, e ela nem sabe que eu existo. Isso é muito triste, eu queria, sei lá, cara, levantar uma hashtag pra ela no Twitter, engajar o Instagram dela, não sei, um abraço querido. Eu só queria dizer pra Laura que onde quer que ela esteja, eu estou mandando toda a energia positiva dentro do meu corpo, porque a história foi de uma satisfação imensa. É isso, um beijo, Laura.

Déia Freitas: Então, gente, é isso, um beijo. [risos] Um beijo, gente.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.