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título: taliane
data de publicação: 29/09/2025
quadro: picolé de limão
hashtag: #taliane
personagens: taliane e seu juvenal

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para mais um Picolé de Limão. — E hoje eu não tô sozinha, meu publiii. — [efeito sonoro de crianças contentes] Quem está aqui comigo hoje é a EcoRodovias, a maior operadora em extensão de malha rodoviária do país, a EcoRodovias administra 12 concessões em oito estados brasileiros somando mais de 4.8 mil quilômetros, além de um ativo portuário e uma plataforma logística. Com a entrada de novas concessões e regiões fora dos grandes centros, a EcoRodovias percebeu um enorme desconhecimento sobre um assunto muito sério: a grande incidência de casos de assédio nos relatos dos colaboradores que atuam aí com atendimento direto ao público. — Sim, funcionários assediados. — Assédio não é brincadeira e as pessoas devem ser tratadas com dignidade em todos os aspectos. — Gente, é o que eu falo: respeitem o trabalhador. —

Dessa forma, assédio moral, assédio sexual ou de qualquer outra forma não têm lugar nas rodovias, nos escritórios ou em qualquer outro ambiente administrado pela EcoRodovias. Com a campanha “Assédio, Pare!”, a companhia vem afirmar o seu compromisso público de informar, prevenir, acolher e agir… — Para saber mais sobre a campanha e outras iniciativas da EcoRodovias, acesse o link que eu vou deixar aqui na descrição do episódio. — E hoje eu vou contar para vocês a história da Taliane — que a gente vai chamar de “Tali” —, eu já adianto que essa história pode despertar alguns gatilhos. Então, vamos lá, vamos de história.. 

[trilha]

Tali sempre se sentiu meio deslocada, perdida na infância, sabe? Se ela não pertencesse a lugar nenhum. Thali sofria muito bullying na escola, os alunos batiam nela, rasgavam as coisas dela, destruíam o material escolar, zombavam dela… — Ela era uma criança muito zoada mesmo na escola. — E assim, na escola, Thali foi se isolando. Ela não tinha nenhum amiguinho, nenhuma amiguinha ali para ficar com ela, para brincar ou para trocar tarefa, essas coisas, né? Ela se sentia muito sozinha na escola, a Thali ela não conseguia entender por que ninguém gostava dela, porque todo mundo tratava ela mal, sendo que ela não fazia mal a ninguém, ela era quietinha, na dela, não brigava, não falava com ninguém. Dentro de casa, Thali também tinha ali algumas questões: ela cresceu num ambiente familiar muito religioso, tradicional, e ela fazia de tudo assim para ser a filha perfeita, sabe? Mas nunca era suficiente.

Os pais da Thali, o seu Juvenal e a dona Otília, eles amavam muito a filha, mas eles eram pessoas assim muito simples e eles tinham dificuldade também de demonstrar algum tipo de carinho a mais, sabe? — Um pouco de afeto para a Thali. — Eles não conseguiam entender a Thali e a Tali também não conseguia se expressar para eles porque ela era tão isolada, porque ela sofria tanto… O tempo foi passando, Thali chegou na adolescência e aí agora ela queria o contrário. Em vez de tentar fazer amizade na escola e ter coleguinhas, amiguinhos, ela queria passar invisível. Porque aí o bullying era mais cruel. — A gente sabe como é adolescente, né? — Tali tentava ficar invisível na escola, agora que ela era adolescente, tentava também passar despercebida em casa. Ela se sentia totalmente sem apoio, ela estava numa fase muito difícil ali na adolescência, realmente se sentindo mais sozinha do que quando criança. 

E, detalhe, adolescente, o corpo vai mudando, vai alterando, e Thali foi crescendo assim, sem se reconhecer também… Em casa os pais eram amorosos, mas ela tinha que ser a filha perfeita, ela tinha que ser educada, gentil, prestativa, atenciosa, organizada, respeitar e seguir a religião dos pais… — A doutrina ali que a família toda seguia. — Na escola, além de aguentar tudo, ela começou a sofrer agressão física, assédio moral… Ela ainda tinha que ser uma boa aluna, comportada, estudiosa, não parecer estranha… — Porque se você é um adolescente estranho, você apanha mesmo da galera. — Eu lembro que eu era meio estranha e quem me salvava de apanhar muito era a minha prima mais velha. A Eliane batia principalmente em garotos que queriam me bater, mas garotas também. A minha prima Eliane batia em todo mundo que queria me bater e eu batia em todo mundo que queria bater na Janaína, porque a gente é escadinha, né? Então, a Eliane me defendia e eu defendia a Janaína. —

Pra piorar tudo, no meio daquele turbilhão da adolescência, os pais da Tali se mudaram para o interior e a Tali não podia ir, ali por conta da escola, então ela virou meio que inquilina na casa dos parentes, ora morando na casa da avó, ora morando na casa da outra avó… Foi morar com uma tia, depois com outra tia, ela era jogada ali de família em família. — Então, agora ela não tinha nem mais uma casa, um lugar pra dizer assim: “poxa, meu refúgio”. — Tali entrou em depressão e, ali mentalmente exausta, Tali atentou ali contra a própria vida. Muito assustada e sem saber a quem recorrer, Tali conversou com uma tia e essa tia achou melhor que Tali saísse mesmo da escola e fosse morar com os pais no interior. No interior não deu certo, a família voltou pra Tali terminar ali os estudos, Tali terminou aquele inferno que foi foi o ensino médio e entrou na faculdade. Ela escolheu o curso de design.

A partir daí, as coisas começaram a melhorar pra Tali. Tali passou a conhecer novas pessoas, ela fez ali grandes amigas, amigas que são amigas dela até hoje… E foi nessa época que Tali começou a se conhecer. verdade do que ela gostava, quem ela era, como ela se sentia. E foi um processo enorme. E as amigas que a Tali fez ali ajudaram muito ela nessa coisa de se descobrir, de saber quem ela era no mundo e que ela era importante também no mundo. — E aí, até aqui, eu acho que muita gente se reconheceu na infância, na adolescência da Tali e também agora na faculdade, quando você conhece um mundo novo, sua cabeça abre um pouco mais e você começa a conhecer novas pessoas. Então, até esse ponto da história, eu acho que muita gente vai se reconhecer na Tali. E agora, eu vou trazer pra vocês aqui um detalhe importante que eu não trouxe até agora na história da Tali… — Taliane, a nossa Tali, é uma menina trans. — Eu quero que vocês agora, se puderem, se não lembrarem de tudo, se quiserem voltar a história, tentem ouvir tudo o que eu contei até agora na perspectiva de uma menina trans. —

Então, agora imagina o peso de tudo isso que a Tali passou e que também a maioria aqui de nós passou na infância ou na adolescência, essa questão do bullying ou de pais religiosos… Imagina tudo isso sendo uma garota trans. E foi aos 19 anos, decidida a fazer a sua transição, tendo que contar para toda a família. Não foi nada fácil, assim, ela sofreu muito com os parentes, os tios, as tias, os primos… Eles foram desrespeitosos, ela sofreu. agressões verbais ali, tanto da família dela quanto de algumas pessoas que não estavam ali naquele núcleo de amigos dela da faculdade. Foi tão difícil, numa fase, que a Tali se sentiu tão segura pra se mostrar quem era, ela foi tão hostilizada que ela não conseguiu terminar a graduação e saiu da faculdade. — Mesmo tendo aqueles amigos, aquele suporte, a pressão externa foi maior. — Mas Tali não ia parar, ela ia terminar sua transição e ia aprender ali a ser agora realmente quem ela era de verdade. 

E Taliane aprendeu algumas coisas assim de uma maneira muito difícil. Ela aprendeu que, sendo uma mulher trans, ela seria sexualizada pelos outros a maioria do tempo. — Principalmente por homens, né? — Ela aprendeu que muita gente ia se sentir incomodada, desconfortável, só de olhar pra ela… Que ela atrairia olhares por onde passasse e nem sempre eram olhares afetuosos ou amistosos. — Tali teve alguns relacionamentos amorosos e passou por situações terríveis, assim, ela era tratada como um fetiche vivo por todos os tipos de homens… Os solteiros que ela queria ficar, casados que ela jamais ficaria, mas achavam no direito de falar alguma coisa ou de querer sair com ela… Velhos, novos, conservadores, pastores, pais, tios, enfim… Ela percebeu ali que, pra maioria dos homens, ela só serviria pra sexo, que eles queriam experimentar tocar, usar, abusar dela, mas ela nunca tinha.. Aquele homem queria passear com ela num shopping, ser namorado mesmo… Pra piorar essa questão de ser um fetiche, não eram só de homens desconhecidos, os próprios parentes da Taliane já deram em cima dela, já forçaram situações pra ficar escondido com ela longe da vista de todo mundo… — Sabe esse tipo de coisa? —

Taliane conheceu um cara da faculdade dela, cara super confiável, né? — Parecia que ia ser realmente, sei lá, um namorado. — Mas um dia, na casa dele, ela foi abusada por esse cara e ela ficou tão traumatizada que ela se isolou e passou anos sem se envolver com homem nenhum. — Tamanho trauma que ela ficou desse cara da faculdade. — Um primo também abusou dela enquanto ela tava dormindo num almoço de família de domingo… — Sabe quando você vai tirar aquele cochilo? Olha, difícil. — Taliane foi se sentindo uma pessoa que não era digna de amor, não era digna de ter um trabalho ou de terminar os estudos, de ter paz, gente… Taliane não tinha paz. E isso foi desesperando também a Taliane: “Meu Deus, eu vou ter que ir pra prostituição?”, ela mandava currículo e ninguém aceitava ela. Por outro lado, o Seu Juvenal e a Dona Otília foram se familiarizando cada vez mais ali com a Taliane, inclusive, eles corrigiam as pessoas que chamavam a Taliane pelo pronome errado. — No masculino. — 

E o Seu Juvenal passou a buscar e levar a Taliane em todos os lugares, com medo que ela sofresse alguma violência… Até que um dia, a avó materna da Taliane, a Dona Julieta, falou com ela sobre uma empresa que abria um pedágio perto ali da cidade e que ela tinha escutado que eles estavam recrutando as pessoas, recebendo o currículo e a Taliane falou: “Ah, eu vou me candidatar, mas eu tenho certeza que ninguém vai me chamar, ninguém vai me contratar”, a Taliane participou ali do processo seletivo, totalmente desacreditada, assim, de ser chamada e tal, fez a entrevista foi chamada  para os exames, exames médicos e, gente, ela foi contratada. E aí você vai falar: “ufa, né? Que coisa boa” e, mesmo contratada, Taliane tinha uma preocupação… O que era? Ela começar a trabalhar e ser hostilizada pelos colegas de trabalho, de ser ofendida, sofrer humilhação, né? — A gente já sabe, a gente já imagina… —

Mas foi o contrário, ela foi muito bem acolhida, bem tratada desde o primeiro dia. — Taliane disse que passou um desconforto ou outro? Passou, mas era aquela coisa de: “ah, emprego novo, né? Todo mundo se adaptando”. Hoje, Taliane trabalha nesse pedágio, todo mundo conhece ela e gosta dela na empresa, né? — Um trabalho digno que ela gosta de fazer. — Inclusive, foi a própria empresa que ajudou a Taliane a regularizar ali os seus documentos. De bônus, Taliane conheceu o namorado, o Tadeu. — Detalhe: namoro sério, Tadeu deu aliança e tudo, hein? Ê, Tadeu… Amamos… — Taliane e Tadeu estão juntos, assim, há mais de um ano, casados, né, gente? Eles moram juntos e tal… —  Ai, amor da vida… — Bom, mas só existe uma coisa ruim no trabalho da Taliane e é por isso que essa história tá aqui também: ela trabalha numa cabine de pedágio. — E aqui a gente do podcast ficou sabendo… Eu não imaginava isso, gente… Porque quando você passa num pedágio, quanto tempo você fica num pedágio até você dar o dinheiro ou ter troco? Ou sei lá, passar o cartão, é o quê? Dois, três minutos? Vocês acreditam que as pessoas que trabalham nos pedágios, elas são assediadas, hostilizadas, xingadas? É surreal, né? E com a Taliane não é diferente. —

Todo dia ela escuta piadinhas, risadas, xingamentos, ofensas… Tem caso extremo que tem homem que puxa a mão dela na hora que ela vai dar o troco, tenta tocar nela. Tem homens no pedágio — isso não é só com a Taliane, tá? — que botam o pau pra fora… — Tá bom pra vocês? Eu tinha pedido pra colocar nesse texto a lista de coisas que acontecem com a Taliane no pedágio, mas eu li aqui e eu não vou reproduzir. É muito pesado. E eu tô passada que isso aconteça com as pessoas que trabalham nas cabines de pedágio e com a Taliane, por ser uma mulher trans, ela passa ainda mais coisas específicas, xingamentos específicos. — Taliane gosta muito do seu trabalho, mas tem essa questão… Essa história faz parte de uma campanha que a gente aderiu também contra esse tipo de assédio, o assédio aos funcionários que trabalham nas cabines e tal. Por mais que a empresa dê todo o suporte, todo apoio aos trabalhadores, gente, é surreal que as pessoas sejam desse jeito e 98% quem assedia são os homens.

Tô muito feliz com essa virada que a vida dela deu, né? A nossa contribuição aqui nessa campanha é muito pequena, mas eu espero que essa campanha contra o assédio aos funcionários que trabalham nas cabines e nas rodovias de maneira geral, seja ampla. O que vocês acham? 

[trilha]

Assinante 1: Olá, nãoinviabilizers, aqui é o Caio, eu sou jornalista aqui em Palmas, Tocantins. Hoje trabalho com política pública voltada para a comunidade LGBT. Incrível, né? Enquanto eu ouvia o áudio da Taliane, antes mesmo da ideia falar que ela era uma pessoa trans, eu já falei: “não, ela é trans” e, de fato, experiências nunca são únicas, sobretudo para crianças LGBT em ambiente escolar aqui no Brasil. Dito isso, desejo muito sucesso muita felicidade para a Taliane, que ela consiga identificar e processar todas essas pessoas que assediam ela em seu ambiente de trabalho.

Assinante 2: Quem tá falando é Mabel, sou do interior do Rio. Me lembrei muito das batalhas que tivemos na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro em Seropédica para aprovar a cota trans. Muitas das vivências das pessoas trans são marcadas por violência, exclusão, tentativa de suicídio, e isso logo na adolescência. Tanto que muitas pessoas trans nem concluem o ensino médio. Grande parte dessa população acaba indo para subempregos, a maioria vivendo em prostituição e situações que vulnerabilizam a sua vida. A aprovação da cota para pessoas trans, enquanto uma política de acesso à universidade, é muito importante porque dá uma outra perspectiva para essas pessoas. Entender que existe uma universidade que está pronta para acolher elas é pensar num futuro melhor. Um beijo e boa vida para a Taliane. 

[trilha]

Déia Freitas: Assumindo o compromisso público de informar, prevenir, acolher e agir, a EcoRodovias relança a campanha “Assédio, Pare!”, porque não basta dizer que é contra o assédio, né, gente? É preciso criar aí caminhos seguros para que todos possam trabalhar, transitar e viver com respeito. Afinal, respeito é o único caminho. Pra saber mais sobre a campanha e outras iniciativas da EcoRodovias, acesse o link que eu deixei aqui na descrição do episódio. — Valeu, EcoRodovias, por trazer aí esse tema importante e também por proteger aí os seus trabalhadores. — Um beijo, gente, e eu volto em breve.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]