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título: tormenta
data de publicação: 02/05/2022
quadro: picolé de limão
hashtag: #tormenta
personagens: dona eleonor e um cara

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta] 

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão. — A história de hoje tem alguns gatilhos de violência, então fiquem atentos. — Eu vou contar pra vocês a história da Dona Eleonor. — Ela já tem mais de 70 anos, essa história aconteceu há mais de 50 anos e é isso. — Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha] 

A dona Eleonor ali, quando ela era bem novinha, em seus 15, 16 anos, ela morava na roça e aí todo mundo casava meio que cedo, assim… — Os pais não tinham tantas condições assim pra sustentar os filhos, então, quando o filho já estava maior, que ele podia meio que se virar e se sustentar sozinho era um caminho, né? — Quando ela tinha ali 15 anos, foi apresentada a ela um cara que tinha aí seus 20 e poucos e eles começaram um relacionamento, que seria um namorico, assim, mas logo esse cara quis casar. Dona Eleonor não queria, mas não tinha muitas opções e acabou aceitando e casou aí com esse cara. [efeito sonoro de sino tocando] O começo foi difícil, porque dona Eleonor não tinha nenhuma experiência sexual, não sabia de nada e esse cara também não tinha nenhuma paciência. Então o começo foi bem complicado, mas aí logo depois ali, no terceiro ou quarto mês, as coisas se complicaram mais. 

Ela tinha casado ali com seus 17, — quase 17 anos — e este marido começou a bater na dona Eleonor. Então, assim… Não havia… Ela não sabia nem o que ela estava fazendo pra apanhar, né? — A gente sabe que nenhuma mulher, ninguém tem que apanhar por nada, mas nesse caso, assim, às vezes ela estava, sei lá, escolhendo um arroz e absolutamente do nada ele vinha e batia na dona Eleonor. — E isso durou anos… Tantos anos que ela engravidou três vezes e nas três vezes ela perdeu o bebê. — Pela violência que ela sofria. Então, assim, foi muito, muito difícil pra dona Eleonor… — E ela tentava quando ela conseguia, tentava fugir, escapar, não era uma opção voltar pra casa dos pais, porque os pais achavam que “ah, é coisa da vida e você tem que ficar com o seu marido, tem que ser mais calma pra ele não fazer nada contra você”. — Mas não tinha nada a ver isso, entendeu? Ela não fazia nada e o cara era isso aí. — 

Os anos foram passando, ela sempre fantasiando sair dessa vida… — Mas não sabia como. — E no meio que ela vivia, ele era considerado um cara de mais status, porque ele tinha um emprego fixo… — Enfim, né? Ele tinha uma condição financeira melhor do que a família da dona Eleonor. — Por exemplo, a casa que eles moravam era dele mesmo, era própria, ele tinha mais uma casa que era de aluguel, então quando ela falava em ir embora, — porque, né? e era uma época que não se cogitava divórcio, não existia divórcio, nada. — Todo mundo falava: “Meu Deus, não, você tá louca… Você tem que ficar com ele. Ele te dá uma boa condição de vida, não te falta nada. — Então era uma outra época, né? — 

E a dona Eleonor ali na cabeça dela sempre fantasiava muito, assim, como escapar daquela vida que ela levava. Até que um dia, ela tava em casa, [efeito sonoro de porta rangendo] costurando umas roupas, — porque tinha isso também… Ele não comprava roupas pra ela. Apesar dele ter uma condição financeira boa, ele não comprava roupas pra ela. Então ela estava costurando umas roupas dela ali para aguentar mais, né? — [efeito sonoro de máquina de costura funcionando] E ele chegou… — E era um dia de muita chuva, muita chuva… — E ela estava costurando um vestido, — que ela tinha — era falou: “Andréia, assim, eu lembro perfeitamente da estampa de flores do vestido e tal”. E era um vestido que ele implicava… — Mas ela tinha poucas roupas, não tinha como ela não usar aquele vestido. Não era curto, não era decotado, mas ele achava espalhafatoso por ser estampado. — 

E aí ela costurando esse vestido, ele chegou no meio daquela chuva e viu a dona Eleonor — que era uma jovem moça, né? — costurando ali o vestido e ali mesmo ele começou a bater nela. [música dramática] Só que além de bater, essa criatura pegou uma faca. Ele pegou uma faca e ele foi pra cima da dona Eleonor. [efeito sonoro de trovão] A única chance que ela tinha era correr e escapar. E, no lugar que ela morava, as casas eram muito longe uma da outra. — Então, ela teria que correr muito pra conseguir chegar numa outra casa e talvez pedir socorro, sem nem saber se as pessoas a socorreriam. — [efeito sonoro de tempestade] E ela saiu correndo no meio daquela chuva, mas uma chuva torrencial… E ela correndo e ele correndo atrás com a faca. De repente, ela não sabe explicar muito bem se foi um barulho, se foi um… Ela falou que parecia um zunido. E, assim, uma coisa muito estranha, uma atmosfera muito estranha no ar, ela correndo e ele estava caído no chão. 

Quando ela ainda virou, ela conseguiu ver meio que uma luz e ela continuou correndo. Chegou na outra casa, pernoitou nessa outra casa — que era de uma vizinha dela distante — e no outro dia de manhã que ela foi saber que ele ficou deitado lá a noite toda, no meio daquele descampado, — daquele campo aberto que eles correram — porque ele tinha sido atingido por um raio. [risos] — Desculpa é errado rir… Ai, desculpa, vou rir. Foda—se. [efeito sonoro de censura] — Ele foi atingido por um raio e depois de muitos anos de espancamento, de abusos, de humilhações, de terror, dona Eleanor estava livre, porque o seu algoz — que era o seu marido — estava morto, caído no chão, morto pela natureza. — Não fui eu, não estou incentivando violência nenhuma, foi a natureza. — 

E aí, a partir daí, desta morte, que dona Leonor no velório colocava o lencinho no rosto pra poder rir… — De tanta felicidade, mas ela não podia demonstrar o quanto ela estava feliz, então ela fingia que estava chorando com lencinho no rosto e ela tava rindo. [risos] Eu já amo tanto essa senhora, gente, ela mora no meu coração. — E aí, depois do velório, que ela voltou pra casa e não tinha mais ele, não tinha mais socorro, não tinha mais chute, não tinha mais estupro, não tinha mais nada, ela virou a proprietária das duas casas, abriu uma oficina de costura, deu oportunidade pra uma outra senhora ali do bairro dela trabalhar também e juntas elas trabalharam, fizeram bastante coisa nessa área aí de costura. E aí a vida dela dali uns anos… Ela falou: “Andréia, eu resolvi ficar solteira… E não era solteira, era viúva, mas resolvi ficar viúva uns bons anos. Depois achei um rapaz muito bom e acabei casando e é o meu marido até hoje. Tive filhos, tive netos e aí minha vida começou”. 

Ela é muito clara, dona Eleonor, em dizer que a vida dela só começou no dia que aquele marido dela morreu. — E, gente, não vou ser hipócrita… Escolhi essa história porque essa história me deixou muito feliz. E antes ele do que ela. E foi a natureza, né? Então é isso aí, né? — Então eu espero que vocês deixem aí mensagens de carinho pra Dona Eleonor 

[trilha] 

Assinante 1: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, sou Marta, falo de Salvador e estou aqui arrasada com a história de dona Eleonor. Tadinha, como ela sofreu… Como é triste a gente pensar que muitas mulheres passaram e ainda passam por isso diariamente, né? Dona Eleonor, o raio foi um livramento. Como disse Déia: Foi a natureza que fez a justiça pra senhora. O traste do seu marido precisou morrer pra senhora começar a viver. E espero que sua vida tenha sido bem mais leve a partir de então. E desejo a senhora muita saúde, muito amor, pra que a senhora possa curtir cada minutinho da sua vida. Um beijo. 

Assinante 2: Oi, gente, meu nome é Estela, sou do Rio de Janeiro e não vou mentir, fiquei muito feliz. Espero que outras pessoas tenham essa sorte, hein, Dona Eleonor? Porque, olha, não é fácil. Quero dizer que eu estou bem feliz pelo final dessa história e quero deixar aqui uma mensagem pra quem estiver passando por isso, que peçam ajuda. Nem sempre vai ser dessa forma, nem sempre a natureza vai ajudar a gente, mas quem sabe um amigo ou um familiar? Então peçam ajuda, não se calem. 

[trilha] 

Déia Freitas: Então um beijo e eu volto em breve. Dona Eleonor, te amo, tamo juntas. 

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.