Skip to main content

título: trem das onze
data de publicação: 17/09/2021
quadro: picolé de limão
hashtag: #trem
personagens: soraia, bigode e mileide

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão, e hoje vou contar para vocês a história da Soraia. — E tem um pouco de história de firma. [risos] — Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha]

A Soraia ela trabalhava na nossa grande fábrica aí, a Pônei Inc. no turno das duas às dez da noite. Então esse era o turno dela, todo dia ela saía às dez, ela tinha que pegar um ônibus da firma até a estação de trem… Ela ia de trem, chegava na estação e tinha que pegar um outro ônibus, então ela chegava em casa, tipo, meia noite. — Todo dia. — Então ela pegava o trem lá pelas onze da noite, dava uns 40 minutos de trem e depois ainda pegava o último ônibus. E no trem… — Assim, quem já pegou trem todo dia, eu como trabalhei muitos anos no shopping e tinha vezes que saía dez, onze horas da noite. — Você conhece todo mundo… Porque você pega com aquelas pessoas o trem todo dia. — Então mesmo que vocês não conversem, você sabe que aquela pessoa tá no trem com você todo dia. E aí às vezes você até sabe assim, tio “ah, a pessoa não está comigo no trem de terça, deve ser folga dela de terça”. E aí se a pessoa já não vem quarta e quinta você fala: “ih, sera que tá de férias”, “foi mandado embora?”. E, assim, você não tem nada pra fazer no trem ali, fica assuntando a vida alheia. —

E nessa, a Soraia viu ali um cara muito bem apessoado assim, de bigode… Bigode farto, bonito. E esse cara estava todo dia olhando pra ela. E a Soraia uma moça solteira. — Ela falou: “bom, é bonitão”. — foi tentar olhar na mão dele para ver se tinha aliança, não tinha aliança, falou: “vou dar um molezinho, né?” E aí eles foram se paquerando todo dia nesse trem das aí das onze da noite, né? Até que um dia eles entraram no trem e tinha um banco com dois lugares, e ela sentou e eles sentou do lado. E trem cheio… — Gente, quem pega trem esse horário de onze horas que sai faculdade, saída de shopping, saída de fábrica é lotado tipo seis horas da tarde. —

E aí a primeira coisa que ele falou pra Soraia foi: “nossa, que sorte que a gente teve, né? De conseguir sentar e nã nã nã” e ela respondeu: “verdade, a gente tá cansado…” — Assim, papinho de amenidades. — E aí não falaram mais nada… Mas um detalhe: esse cara… — Que nós vamos chamar aí de Bigode. — O bigode encostou a perna dele na perna da Soraia e ficou meio que roçando ali na perna dela. [risos] — Ô, Soraia. — E a Soraia assim de início achou esquisito, mas depois ela começou a curtir. Aí ela deixou a peninha dela ali [risos] e ele foi roçando a perna — Perna com perna, sabe? — da Soraia até a estação. 

E era assim, ela descia numa estação e ele continuava no trem… E todo dia isso. Aí no dia seguinte eles já não conseguiram um lugar para sentar, mas aí ele já falou “oi”, já puxou assunto. No terceiro dia puxou assunto também… No quarto dia ele convidou a Soraia pra tomar uma cerveja. — Mas não aquela hora… Porque, né? Todo mundo classe C dependendo do ônibus não tinha como. — E aí eles marcaram um dia na folga dos dois pra tomar uma cerveja. E aí a Soria encontrou o bigode, eles foram tomar uma cerveja, conversando bastante… Ele disse que ele era um homem viúvo, que ele morava sozinho, que ele não teve filhos… E aí a Soraia já ficou toda assim, né? Tocada, tipo, “ai, coitado, perdeu a esposa” e nã nã nã… “Agora está sozinho”. E aí ela beijou o Bigode e… [risos]. 

A Soraia falou que foi a primeira pessoa de bigode que ela beijou. Então era engraçado, né? O cabelinho em cima da boca. [risos] — Eu falei pra ela: parece que você tá beijando uma andorinha. [gargalhando] Ai, desculpa por isso… Né? Parece que tá beijando uma andorinha. — Aí a Soraia beijou ele lá e tal… E de cara o Bigode já pediu a Soraia em namoro. E Soraia não estranhou, porque assim, o cara viúvo, geralmente, ele quer refazer a vida, né? Eles não ficam tanto tempo sozinhos. E aí Soraia ficou nas nuvens, né? Todo dia pegando trem ali com o Bigode, agora eles já iam de mãos dadas, né? Aquele romance… O bigode era vigia de uma outra fábrica, então ele saía na mesma hora que ela, dez horas… 

Tudo certo, gente, romance lindo… Só tinha uma questão… O bigode era vigia nessa fábrica e, quando ele estava de folga, às vezes ele fazia bico numa outra firma de vigia. E aí ele tinha muito pouco tempo para ver a Soraia, mas ela entendia… Porque, né? Todo mundo precisa pagar as contas aí, precisa complementar a renda. E o namoro foi avançando… Eles ficaram bem mais íntimos e tal, estava dando tudo certo, a Soraia estava muito feliz. E paralelo a tudo isso, longe da vida que ela tinha ali com o Andorinha — [risos] Ai, desculpa. — Na firma, onde a Soraia trabalhava — Na Pônei. — Ela entrava quatorze horas, só que quando era trezes horas ela já estava lá… 

Ela gostava de conversar ali com as colegas… — Em firma tem muito isso, tem aquela que vende roupa, aquela que vende vasilhas, aquela que vende maquiagem… Então ali naquela troca de turno é o melhor horário para você comprar umas coisinhas ou fazer uma fofoca, enfim… — E ela tinha muitas amizades a Soraia, nesse intervalo… Então de um pessoal que trabalhava de manhã e tal. Aí um dia, gente, ela estava lá, chegou mais cedo e tinha uma colega dela — Que a gente vai chamar de Mileide. — que falou pra ela assim: “Ô, Soraia, a partir da semana que vem, dois dias eu vou fazer turno com você que eu vou trocar com a fulana lá que ela precisa resolver algumas coisas aí na formatura do filho dela a noite, numa quinta-feira, então eu vou trocar com ela. E aí a gente pode ir embora junto, né?” e a falou: “Lógico, né? Claro. E aí eu já te apresento o meu namorado, que a gente pega os trens junto, né? Aí vamos nós três”. 

Beleza. Chegou na quinta-feira que era o dia que Mileide trocou de turno e foi trabalhar junto com a Soraia, elas trabalharam ali na fábrica… [efeito sono de relógio despertando] Sinal da Pônei Inc. tocou dez horas da noite, elas tinham que pegar o ônibus, correr para pegar o trem das onze… E aí que elas estão na plataforma… — Esperando o trem. — Como é que rolava? A Soraia e a Mileide pegavam o trem numa estação X, e o Bigode, antigamente, antes de começar a namorar a Soraia, pegava uma estação. — E aí eles paqueravam no trem e nã nã nã. — E aí depois que ele começou a namorar a Soraia ele voltava uma estação para poder esperar a Soraia ali na plataforma e eles irem juntos desde o começo. Porque como era vagão cheio, às vezes dava certa e às vezes não de estar junto. 

Então ele voltando uma estação e encontrando a Soraia na plataforma era mais fácil, né? E eles iam juntos o tempo todo. Beleza… No que elas duas estão ali conversando e a Soraia tá esperando o bigode chegar, a Mileide larga ela assim falando, dá uma corrida e fala: “Bem, eu não acredito, deu certo da gente pegar o mesmo trem” e a Soraia vira para ver quem era o “bem” de Mileide… — Quem era o bem de Mileide? Não dá nem pra fazer suspense, né? — Mileide estava beijando aquela Andorinha que estava na boca do Bigode. — Aquele bigode dele beijando Mileide. — A Soraia na hora perdeu o chão e ficou muda… E, Bigode quando viu Soraia [efeito sono do Windows dando tela azul] perdeu a cor… Quase que o bigode dele criou asa e saiu voando. — Porque Mileide veio trazendo ele e falou: “essa aqui é minha amiga Soraia”. Este homem não sabia onde enfiar a cara. 

E aí que ele fez? Olhou bem para a cara da Soraia e falou: “prazer”. Fingiu, gente, que nunca tinha visto Soraia na vida. — Na vida… — E aí a Soraia ficou assim, em choque… Porque, pensa, era o namorado dela, mas que estava com a amiga dela. Só que tinha um detalhe: Mileide era casada e tinha quatro filhos. Então ele não era viúvo, sem filhos, ele era casado com quatro filhos com Mileide. E aí todo mundo entrou no trem… — E é aquilo que eu falei pra vocês, gente… Trem, todo mundo se conhece, todo mundo pega no mesmo dia. — E aí a Soraia falou que todo mundo tava olhando, assim, assustado para ela, porque, né? Era um romance ela e o Bigode no trem, e agora o Bigode estava atracado com Mileide e conversando com ela. 

E aí ela com vontade de chorar… Chorar não podia. A Mileide não parava de falar e a Soraia ali mal, mal, mal… Depois chegou na estação, ela desceu e aí no ônibus ela chorou. E aí a Soraia tinha várias questões… Primeiro que ela estava gostando do Bigode e o Bigode era um maldito mentiroso. Segundo que, Mileide era uma pessoa, assim, sensacional. — Sabe aquela mulher batalhadora e alegre? — E, meu, ela ia ter que contar pra Mileide. Ela saiu assim do trem decidida a, no dia seguinte, contar pra Mileide e, assim, terceiro é que o cara tinha quatro filhos, sabe? O cara mentir que não tem filhos. — Vai, omitir a esposa tudo bem, mas os filhos? — 

Então, assim, era tudo muito grave para Soraia, ao mesmo tempo que ela gostava do Bigode ela estava passada, chocada. Aí no dia seguinte logo cedo, quem apareceu ali no portão da casa de Soraia? O Bigode… Pra tentar se explicar, né? Só que aí a Soraia não quis ouvir… E a Soraia falou para ele ali do portão mesmo que ela ia contar tudo pra Mileide. E aí o Bigode deve ter dado uma desesperada, foi embora, né? Deu o horário da Soraia ir pra firma, ela foi pra firma e, quando ela estava chegando na firma — Que aí a Mileide afirma já tinha voltado pro horário dela normal, então a Mileide estava saindo, porque Mileide entrava às seis da manhã saía às quatorze. — De repente ela tá entrando para bater o ponto dela ali, entrar no vestiário… Ela só sente, gente, um socão… A Mileide deu um soco na cara da Soraia. — Na cara. — 

E aí a Soraia assim, né? Totalmente surpresa, caiu… Tinha mais gente lá. Ela não revidou, porque ela também nem conseguiu… E se separaram. A Mileide começou a gritar que o Bigode tinha contado que a Soraia tinha dado em cima dele. — Detalhe: tinha dado em cima dele no trem aquele dia que tavam as duas juntas. — Ele falou que a Soraia escreveu num papelzinho o telefone dela e pôs bolso dele… E a Mileide estava com esse papelzinho que, provavelmente, foi o próprio canalha que fez, né? E aí deu uma treta federal na empresa. Mileide foi mandada embora, com ódio, com ódio, com ódio da Soraia. Soraia não foi demitida, nem advertida, nada… Porque tinham várias testemunhas para dizer que ela não fez absolutamente nada. Ela chegou e tomou um soco na cara. 

E aí depois disso, gente, a Mileide ainda foi na casa da Soraia atormentar, junto com o Bigode… — Junto com o Bigode. — O Bigode ficava, tipo, sabe perto assim? E a Mileide ficava xingando… E aí a Soraia mora com a mãe, com as irmãs… E as irmãs falaram: “olha, se você vier aqui de novo, aí gente vai te dar um pau e vai chamar a polícia”, e aí ela parou… Essa é a história da Soraia. E, gente, assim, né? Quando a gente acha que os caras vão ser desmascarados, né? O cara deu um jeito… Deu um jeito de fazer a coisa virar contra a Soraia e ele sair assim de tipo, “ai, meu Deus, ela enfiou o telefone no meu bolso, eu não sabia o que fazer”. Não é demais pra cabeça? Aquele bigodudo maldito? 

Então essa é a história da Soraia, já tem uns anos aí… Mais de dez que isso aconteceu, mas até hoje ela tem trauma dessa história. Porque assim, ela gostou mesmo desse Bigode aí. — Do Andorinha. — E ela queria contar a história pra gente pra mostrar que até em um relacionamento que parecia bacana de um cara de viúvo passou a casado com quatro filhos, o cara conseguiu reverter e sair totalmente ileso. É demais, né? 

[trilha]

Assinante 1: Oi, gente… Eu sou Ana Clara, falo aqui Espírito Santo e, Soraia, menina… Que história, hein? Que rolê. Eu espero que você esteja bem já, já tenha superado essa situação com o Bigodudo. Que cara escroto, né, Soraia? Desculpa… Por todo o amor do mundo que você já sentiu por esse cara… Mas escrotíssimo. Eu fiquei super curiosa, eu estou aqui me roendo na fofoca, querendo saber mais o que aconteceu com ele, com a esposa… Se você tem notícias… Principalmente o que aconteceu com você, né? Como é que você tá? Conta pra gente depois, quem sabe uma parte dois, né? Eu espero que você fique bem, Soraia. Beijos ensolaradas e até mais. 

Assinante 2: Oi, aqui é a Larissa de Guarulhos e, olha, do crente ao ateu ninguém explica a capacidade da velocidade do raciocínio do homem quando ele precisa enganar uma mulher e quando ele precisa colocar a culpa em outra mulher, sabe? Uma agilidade, uma habilidade que não tem explicação, a ciência não explica, gente. Que pena, né? Que ele fez isso e que a esposa dele acreditou, até porque ela não tinha muito como não acreditar, né? Coitada. Era ela aquela prova que ela tinha e, com certeza, pareceu muito verídico. Eu acho que no lugar dela eu também cairia. E ela não te deu nem espaço para você explicar, né? Eu acho difícil também que ela fosse acreditar, porque ele construiu um terreno tão sólido ali para a mentira dele, que era difícil mesmo qualquer coisa que você falasse tirasse a culpa de você. Mas espero que esteja bem e que ela tenha se livrado dele em algum momento. 

Déia Freitas: E eu volto em breve, um beijo.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.