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título: ubiraci
data de publicação: 06/02/2025
quadro: mico meu
hashtag: #ubiraci
personagens: seu ubiraci, zezão, preá, biroli e capitão macedo

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Ops. Mico Meu, haha. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para um Mico Meu. — E peço perdão a todos, se em algum momento inadequado da história eu der risada, porque eu sou a pessoa que ri em momentos inadequados. — E hoje eu vou contar para vocês a história do Seu Ubiraci. Então vamos lá, vamos de história.

[trilha]

Seu Ubiraci mora num estado muito bacana, numa cidade onde tem bairros muito antigos. — Eu vou citar aqui na cidade de São Paulo… — Um bairro como se fosse a Mooca. — A Mooca ali é um bairro antigo, tem gente que mora na Mooca, sei lá, há 80 anos, sabe? Nasceu na Mooca, se criou na Mooca, então as pessoas se conhecem, vão crescendo juntas e vão casando e comprando casas naquele mesmo bairro… E aí os filhos nascem também, crescem ali, enfim… Num desses bairros de muita gente já com idade e todo mundo se conhecendo, que mora Seu Ubiraci até hoje. — Num bairro ali colado no bairro do Seu Ubiraci, que também todo mundo se conhece dos bairros ali — todo mundo meio que viveu junto, cresceu junto —, tinha um lugar enorme que antes era um descampado, enfim, um lugar até meio perigoso, abriu ali um clube e esse clube demorou anos para ficar pronto. — E a gente vai chamar esse clube de Clube de Regatas Pônei Faceiro. — Para aquela galera ali, ter um clube ia ser o máximo, né? Ia ter algumas coisas para idosos, também ia ter a parte das piscinas e tal e o Seu Ubiraci, quando ele era jovem, ele gostava muito de jogar futebol e Seu Ubiraci falou para mim: “Andréia, futebol bom mesmo é futebol de campo, futebol de gramado”.

E no Clube de Regatas Pônei Faceiro teria um campo de futebol do tamanho oficial. — Ele me disse: “Andréia, você tem ideia do tamanho de um campo de futebol?”, eu falei: “Bom, Seu Ubiraci, eu já fui em alguns jogos do Corinthians, sou corinthiana e tal, mas eu vi dali das cadeiras… Eu nunca pisei num campo de futebol, talvez só no show da Xuxa quando eu fui, que foi no estádio e no da Beyonce também no estádio… Mas você fica, sei lá, em tapume, você não tem noção do tamanho de um campo de futebol”. — O Seu Ubiraci falou: “Andréia, um campo de futebol é muito grande… Quando eu era jovem, você é jovem, sei lá, eu perdi essa noção do tamanho do campo de futebol”. Conhecendo um dos diretores do Clube de Regatas Pônei Faceiro e só vendo o campo na fase que eles estavam botando a grama no campo, Seu Ubiraci teve uma ideia… — Qual foi a ideia do Seu Ubiraci, [risos] que foi acatada pelo clube? — Fazer um jogo de futebol beneficente ali para aquela inauguração daquele clube, o pessoal ia montar um estande lá para vender título… — Minto, ó… Eu já fui também e organizei dois anos de Futebol Solidário com o cantor Daniel. Inclusive, o cantor Daniel é um querido, maravilhoso, mas eu não lembro do tamanho do campo de futebol, enfim… —

E Seu Ubiraci falou: “Vamos fazer então esse jogo beneficente, sei lá, todo mundo traz um alimento quem for assistir, quem for jogar tem que pagar uma inscrição… Pra ficar justo, vamos fazer dois times 60+”. É uma boa ideia? Seu Ubiraci na época achou que sim. Era uma boa ideia? Talvez não. A ideia não era ter um jogo 45—45, era ter um jogo, 10—10. Dez minutos, vira o campo, dez minutos… Porque estava todo mundo 60+, então dez minutinhos correndo para o lado de lá, dez minutinhos correndo pro lado de cá… Se tivesse mais gente no seu time, não ia ter número limite de troca em campo, então podia ir um, jogar um pouquinho, dois minutos e outro. Seu Ubiraci falou: “10—10? Poxa, a gente aguenta”. Então ele foi ali passando pelo bairro — Seu Ubiraci era o cabeça de tudo — e, junto com Seu Ubiraci, tinha quem? Os amigo do seu Ubiraci, que a gente vai dar uns nomes aqui: Zezão, Preá e Biroli, os três amigos mais o Seu Ubiraci se separaram ali para pegar as inscrições e convidar as pessoas, sempre os amigo deles lá com mais de 60 anos. Então, as vezes você tinha uma amiga que estudou com você na escola e era ali do bairro, falava: “Pô, seu marido não quer jogar? Dois minutinhos já ajuda a gente e tal… E aí você vai lá, assiste, leva um alimento e nã nã nã”. 

Quem que vai apitar esse jogo? Precisar dos bandeiras e precisa de um juiz. “Tem nosso policial aposentado, Capitão Macedo… Faz tempo que não o vejo o Macedo… Vamos lá, Zezão, na casa do Macedo”, foram lá, Macedo estava, assim, praticamente estava com uma aparência boa, como disse Seu Ubiraci: “Não, ele estava bem, ele era juiz de futebol da Federação. Não jogou em jogo grande, mas, pô, era um juiz, juiz… Vai ser legal ter o Macedo, Capitão Macedo apitando esse jogo”. Tudo perfeito, açougue do Zezão deu as camisa do time deles, o outro cara lá que tinha uma gráfica grande deu a camisa do outro time, que era a do cara da gráfica, enfim, pô, os caras de camisa… Jogo pra valer. Dez minutos ali, dez minutos aqui, pra valer… Tinha que dar o tempo da grama, enfim, ia ter uns dois meses ainda até ter o evento. Seu Ubiraci falou que, assim, quando você, sei lá, planta grama, não sei como que faz isso, você tem que dar um tempo da grama, então tinha que dar o tempo da grama… Seu Ubiraci falou pros amigos: “Vamos dar uma corridinha na praça?”, não faziam tanto exercício físico, mas já faziam alguma coisinha, não tava tão ruim. Tinha uma pista de bocha que era lá perto, então eles jogavam bocha… Você tem que dar andada também pra jogar bocha. Enfim, eles não tavam morrendo, como disse o Seu Ubiraci pra mim: “Andréia, não tava ninguém morrendo, a gente tava bem”. [risos] 

Fizeram umas corridinha ali, “ai, faltou um pouco de fôlego, vamos melhorando”… Chegou a data do jogo, [efeito sonoro de torcida animada] Clube de Regatas Pônei faceiro lotado… Bairro todo, os bairros vizinhos, todo mundo levou alimento… — Não podia sal e nem açúcar, então tinha muito arroz, muito feijão… O pessoal levou enlatado, lata de milho, lata de sardinha, enfim, ia dar para montar umas cestas boas… Cesta básica. — Tinha um stand lá para se você quisesse comprar o título do Clube de Regatas Pônei Faceiro, enfim, o jogo ia começar… Todo mundo ali — como disse o Seu Ubiraci — sabia as regras do futebol e eles montaram então quem vai ser lateral esquerdo, direito, mas não houve treino… [risos] Não houve ensaio. Era todo mundo ali no dia. Por quê? Porque era um jogo beneficente. Então não ia dar para você juntar todo mundo de novo, sei lá, umas duas partidas antes pra esquentar ou para ver como ia ser, enfim… E os dois times concordaram que eles iam pegar goleiros jovens. Por quê? Pra ficar no gol um velho de 60 anos, como disse… Essa frase é do Seu Ubiraci, tá? “Andréia, um velho de 60 anos no gol, me cai em cima do braço… [risos] Esse braço pra colar de novo… Ele nunca mais vai ser o mesmo braço”. 

Tanto os bandeirinhas quanto os goleiros eram jovens, todos os jogadores eram 60+ e o juiz era o Capitão Macedo, que já era 70+. [risos] Chegaram lá, Capitão Macedo tava com a roupa dele de PM de gala… “Não, Macedo, tem que pôr a roupa pra jogar, pra você apitar”, “não trouxe a roupa e tal”, arrumaram a roupa lá pro Capitão Macedo. E Seu Ubiraci, que tava ali nessa época com seus 64 anos, novo… Ele falou: “Andréia, os 60 anos de agora é os 40 anos, mas a gente está falando aqui de uma história de dez anos atrás, sei lá, os 60 anos eram 50 anos”. Não tinha nenhum jogando com mais de 70, só quem estava com mais de 70 ali era o Macedo que apitar. — Tava todo mundo bem, 60 tá todo mundo novão. Todo mundo novão, todo mundo bem, Seu Ubiraci me falou isso várias vezes. [risos] — Botaram a roupa lá no Capitão Macedo, mas ele parecia meio confuso, meio agitado. “Macedo vai lá no meio” e, assim, Seu Ubiraci falou: “Andréia, um campo de futebol é grande, então o Macedo não queria ir lá no meio. [risos] Porque ele falou que era longe, queria apitar ali mesmo”, falei: “Vai, deixa o Macedo apitar onde ele quiser”. Então os caras tava lá no meio com a bola e tal, apitou, [efeito sonoro de apito] começou o jogo.

Um sol pra cada um naquele campo, passa a bola pra um, passa a bola pra outro e, tinha 11 em campo de cada lado, mas parecia que não tinha ninguém, era muito longe… [risos] Ubiraci falou: “Não sei o que aconteceu… A gente tava velho, a gente não queria admitir, mas todo mundo ali não estava treinado. Enfim, a gente estava velho” e eu falei pra ele: “É perigoso um jogo assim, sem fazer um exame médico…”, ninguém fez, o Clube também não pediu, ninguém fez exame médico… Mas lá no dia tinha uma ambulância do clube, porque parece que tinha regra, enfim… Contrataram um serviço de ambulância [risos] para o evento. Começaram a correr, dribla daqui, passa a bola dali, Zezão passa para Preá, que pra Birolli, que chuta ali, atravessa para o Ubiraci… De repente, lá do outro lado, Seu Ubiraci viu que tinham dois caras acho que vindo, mas a bola estava indo para ele. De repente, ele viu que um ali caiu… “Ô, vamos lá ajudar a levantar, né?”. O capitão Macedo apitava a hora que ele queria… [risos] Então, nessa hora que ele tinha que apitar para paralisar o jogo, ele não viu, ninguém sabe onde estava o Macedo, que era o juiz, pararam o jogo sem o Macedo mesmo para ajudar a levantar aquele que caiu e, aquele que caiu, [risos] ele falou: “Não, não, não precisa me levantar, não… Eu tô só descansando um pouco”. [risos] E aí alguém gritou: “Tá descansando… Pode continuar”. [risos]

E aí o cara ficou deitado no meio do campo, respirando, dando uma descansada, segundo ele… —  Vamos dar um nome para ele que está lá no chão, sei lá… [risos] Sei lá, o Seu Mané da Farmácia. — Seu Mané da farmácia ficou lá deitado. [efeito sonoro de apito] E aí, vai daqui, de repente, um drible… Bateu um a cabeça no outro, tontura… Parou ali já um pouco, o pessoal preocupado… “Ah, vai sair esses dois que bateram cabeça e entrou mais dois” e o Ubiraci falou: “Andréia, te juro, ele já entrou com a perna enfaixada, não tinha muito o que fazer. Ele já entrou mancando muito, assim. Aí ele falou que tinha um problema de erisipela e ele enfaixou a erisipela, porque se dá um chute na erisipela abre mais, né? Então tinha que ter cuidado com a perna por causa da Erisipela”.

Zezão, quando era novo, gostava de jogar capoeira, mas parou também quando era novo, não fez mais… De repente, Zezão brincando, lá do outro lado do campo, o Ubiraci falou: “Andréia, você sabe o que é um rabo de arraia na capoeira?”, eu falei: “Não, não sei”, ele falou: “Bom, você põe as duas mãos no chão, você vira o corpo e joga a perna” e eu vi o Zézão botando as mãos no chão e, quando ele era novo, ele gostava de fazer o rabo de arraia, a gente já sabia, Zezão chegava: “ô” e já botava a mão, já dava aquela virada, a perna ia lá no alto, enfim…  Zezão pôs as duas mãos no chão, Zezão ficou… De quatro… [risos] Com os joelhos sem dobrar, parecia a menina do exorcista. Zézão não conseguia desdobrar mais para voltar… 

O Ubiraci falou: “Andréia, agora a gente está rindo, mas eu que organizei aquele jogo… Aquilo foi me dando um desespero, uma angústia e eu comecei também a me dar aqui, ó, uma respiração curta, uma falta de ar”, eu falei: “Meu Deus do céu, que está acontecendo comigo?”, de repente, Ubiraci não viu mais nada… Apagou em campo… Quando Ubiraci acordou, ele já estava no hospital… Desse jogo saiu a ambulância contratada, duas ambulâncias do SAMU, mais uma ambulância desses convênios que é mais idoso, particular. [risos] Quatro ambulâncias, fora o pessoal que passou mal, que ficou por ali mesmo. Capitão Macedo — vieram saber depois — estava já numa fase de demência, então ele ficava apitando o que ele achava… Ah, você passava pra lá com a bola e você via o Macedo correndo atrás… [risos] Seu Ubiraci falou: “Andréia, parecia um hospício de idoso aquele jogo”. [risos] E muita gente na arquibancada ali em volta, na arquibancada, tipo de três lances, assim, três degraus para você sentar ali, rindo… 

E você ouvia o pessoal rindo, né? Bola no gol, podia ter botado véio mesmo, porque a bola não chegava no gol e um com começo de infarto, Zézão que travou a coluna… Seu Ubiraci que também teve ali uma arritmia, um negócio… Pessoal passou mal. Teve um que entrou que era do outro time, né? Ele já entrou em campo, assim, esse já devia ter os seus 69 pros 70 e começou a tossir, tossir, tossir… E aí você via e não conseguia concentrar no jogo [risos] porque o cara não parava de tossir, o idoso tossindo e o Seu Ubiraci falou: Porque o idoso tosse e parece que vai sair um pedaço dele”. E aí tossia aquela tosse meio que do enfisema pulmonar [efeito sonoro de pessoa tossindo] e aí daqui a pouco a esposa dele gritando lá da arquibancada: “Sai daí, véio, você vai morrer”. [risos] A esposa do cara… [risos] Porque talvez jogaram alguma coisa na grama que deu uma alergia nele, então esse já saiu de lá tossindo e provavelmente foi pro hospital… Quando Seu Ubiraci caiu, já tinha o Zézão travado, já tinha aquele que tava deitado que achavam que estava descansando, mas não, ele também tava tendo um principio de alguma coisa e todo mundo mal, todo mundo mal… 

E aí pararam o jogo, não teve gol, não teve nada… [risos] Malemá teve bola, disse o Seu Ubiraci. [risos] O clube tá lá até hoje, mas ele foi arrendado por uma empresa que transformou em colônia de férias, enfim, mudou a vibe do negócio [risos] e nunca mais teve um futebol beneficente do Seu Ubiraci. Porque a ideia era começar: “Ah, a gente fez 60+, depois sei lá, vai jogando todo ano, 70+”, [risos] mas o seu Ubiraci falou: “Andréia, te juro, eu não lembrava que o campo de futebol era tão grande, parecia que não tinha ninguém… Meia dúzia de véios… [risos]  Um lá na ponta, outro lá… E pra chutar? A perna que não vai, que me dá uma fisgada…”. O jogo foi um mico, mas pelo menos eles conseguiram arrecadar os alimentos e tal, mas não teve plano de fazer um segundo jogo… — Seria um por ano? [risos] Não teve nem meio jogo, não conseguiram jogar dez minutos. [risos] Um sol… E aí depois o Zézão, Preá, Birolli e o Ubiraci conversando, e aí o Zézão falou: “Olha, quando a gente foi lá chamar o Capitão Macedo, eu percebi que ele não tava falando coisa com coisa, mas a gente tava muito empolgado, eu achei que, sei lá, ele só tava véio”. [risos] Mas não, ele já tava, como diz o Ubiraci: “Você só via o véio passar doidinho com o apito pra lá e pra cá”, [risos] sem fazer nada, [risos] nem aí com o jogo. 

Eu me identifiquei demais com o cara da farmácia, o Mané da Farmácia caído, [risos] “tô só descansando um pouco”. [risos] Todos vivos, todos bem, até o Seu Macedo e essa é a história do Seu Ubiraci. 


[trilha]

Assinante 1: Oi, nãoinviabilizers, aqui é a Jaqueline de São Paulo. Seu Ubiraci, que história maravilhosa, que bom que acabou tudo bem. Eu trabalho com público 60+, nossa, eu amo, trabalho adaptando a rotina dessa população… Tudo é adaptável, né? Se você jogou com 20 anos num campo de futebol, daria para fazer a bocha, né? Então, para vocês aí, façam o que é proporcional para a idade e para o corpo de vocês, né? Talvez para outras pessoas 60+ seria normal. Um beijo. 

Assinante 2: Oi, nãoinviabilizers, aqui é a Marcela, eu falo de Brasília. Ô, Seu Ubiraci, que ideia mais sem jeito… Graças a Deus tá todo mundo bem. Dei muita risada, ai, gente, perdão, Deus… Mas foi muito engraçado… Dei trela de rir, que parecia um manicómio de idoso. O Capitão Macedo… Tudo muito engraçado. Mas gente, vocês não fazem ideia do tamanho de um campo de futebol de grama, assim, eu era jovem, 20 anos, sempre fui ativa, sempre pratiquei esporte, na época inventei de ser líder de torcida do time local, mas não tinha aquelas acrobacias que nem aquelas americanas e tal, era mais amador, mas a gente foi atravessar o campo correndo, animando a torcida, gente, numa etapa só eu já fiquei sem fôlego… Que bom, Seu Ubiraci, que tudo deu certo. Um abraço. 

[trilha]

Déia Freitas: Então, comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis aí com Seu Ubiraci e a Dona Cleide… — Se você é 60+, 70+, 80+, 90+, escreve pra mim, conta aí suas histórias pra mim que eu vou adorar contar aqui no podcast. — Um beijo, e eu volto em breve.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmai.com. Mico Meu é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]