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título: velório
data de publicação: 24/08/2020
quadro: picolé de limão
hashtag: #velorio
personagens: marina, seu ernesto e dona ana

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta] 

Déia Freitas: Oi, gente… Olha eu aqui de novo para mais um Picolé de Limão [trilha]. Hoje eu vou contar mais uma história para vocês que eu recebi lá no Twitter, é a história da Marina e dos avós dela, da família toda, e [risos] eu achei muito engraçada, é uma história que ainda está acontecendo, então, meio que não tem final, a gente não sabe ainda como vai acabar isso e vamos lá, vamos de história.

A Marina me escreveu, ela é aqui de São Paulo, ela tem um casal de avós, né, por parte de mãe: o Seu Ernesto e a Dona Ana. O Seu Ernesto sempre muito animado, muito aquele senhorzinho que joga dominó com os amigos, que tá sempre por aí, sempre passeando, um cara super boa praça. E a Dona Ana mais na dela, mas também uma senhora muito simpática, muito amiga das vizinhas, tudo tranquilo. 

Um belo dia, o Seu Ernesto, já um senhorzinho de setenta e quatro anos, mas muito ainda, enxuto, né, muito ainda, é… Ainda com muita coisa para viver. Um dia ele tá lá com os amigos na rua, numa praça lá que eles ficavam, Seu Ernesto passa mal, cai lá na praça e morre. [inicia música triste] Seu Ernesto, o avôzinho maravilhoso, fofinho, queridíssimo morre na praça. E aí aquela coisa, né, [fim da música triste] aquela comoção da família, todo mundo chorando, todo mundo triste e nã nã nã, corre com as coisas para fazer o velório. E, assim, a família tem um jazigo e nesse jazigo estavam lá enterrados: o irmão da Dona Ana, uma prima da Dona Ana e tinha mais duas vagas, uma vaga do Seu Ernesto e uma vaga da Dona Ana.

E aí conforme a família foi lá acertar as coisas do velório, do enterro, eles ficaram sabendo que só tinha uma vaga. Então estava lá enterrado: o irmão da Dona Ana, a prima da Dona Ana e mais uma mulher que ninguém sabia quem era esta mulher. E vai e olha lá na secretaria do cemitério e procura documento, e procura documento até que acharam. E quem tinha enterrado aquela mulher na sepultura da família da Dona Ana? Porque a sepultura do jazigo era da família da Dona Ana, então quer dizer, foi cedida uma vaga para o Seu Ernesto [contendo o riso] e ele usou a vaga dele para outra pessoa, para esta outra mulher, só que ele morreu primeiro que a Dona Ana, então aí ele ocupou a vaga da Dona Ana.

E os familiares, ninguém queria contar para Dona Ana que assim que enterrasse o Seu Ernesto não ia ter lugar para ela, ela ia ter que ir para um outro lugar porque a senhora que estava lá enterrada, estava lá enterrada apenas um ano, fazia um ano que aquela senhora tinha morrido e o Seu Ernesto com setenta e pouquinhos, né, setenta e dois, setenta e três, fez o todo velório e enterro da mulher e colocou a mulher lá. E ninguém sabia, ninguém tinha ideia de quem era essa mulher… Mas, enfim, tinha uma vaga, então iam colocar lá nessa vaga e depois eles iam ver o quê que iam fazer. 

Tá todo mundo lá no velório, aquela coisa de velório, todo mundo. Uma hora conversa, uma hora chora, uma hora come um biscoitinho e a hora vai passando. E aí chegou um determinado horário lá que eles fecham o velório, então se a família quiser ficar dentro fica ou se quiser ir para casa e voltar no outro dia, mas a família resolveu ficar. E não é que bem de madrugada, um horário que não poderia abrir, só estava a família lá, chega um rapaz e uma moça. E aí eles tentam entrar, não conseguem, e como tem outros velórios lá, a família só ficou meio que olhando, né, e ninguém deu muita atenção, e eles vão embora.

No dia seguinte muito cedo, tipo seis e meia, a hora que abriu assim o velório novamente, né, para todo mundo, quem quisesse ver, entrar, esse casal volta, e aí esse casal entra e começa a chorar no caixão do Seu Ernesto. Dona Ana não estava lá ainda porque ela acabou não passando a noite, né, só outros familiares mais jovens. Ela já é uma senhorinha de setenta e um anos, então, né… Passar a noite ali sentada no banco não ia dar. Então ela foi para casa e voltou cedo, quando ela voltou eles já tinham passado essa fase de chorar debruçados, ninguém tinha tido coragem de perguntar quem eram eles, e ela chegou, conhecia todo mundo que estava ali e olhou para os dois e falou: “vocês eu não conheço, quem vocês são, vocês são amigos da minha filha?”, porque eles já eram, assim, sei lá, tipo da minha idade assim, quarenta anos, quarenta e pouco. 

E aí, a revelação… [contendo o riso] Aquele casal que estava lá, chorando no caixão do Seu Ernesto, era o casal de filhos do Seu Ernesto. [efeito sonoro de surpresa] Seu Ernesto tinha tido dois filhos fora do casamento. E aí como eles estavam emocionados chorando, eles falaram na lata para Dona Ana, e a Dona Ana assim, no primeiro momento ela ficou em choque, aí ela falou: “como assim vocês são filhos do meu marido?”, e eles: “é, nós somos, agora não é um momento para gente falar sobre isso, mas a senhora precisa saber que nós somos sim os filhos dele, que isso, que aquilo”, e ela só ouvindo, assim, meio passada. 

Até que uma hora um dos dois falou assim: “inclusive, o meu pai agora vai ser enterrado do lado da minha mãe, minha mãe está enterrada aqui, ele vai ser enterrado do lado, era isso que a gente queria, não sei o quê”, aí Dona Ana: “oi, como é que é? O Ernesto vai ser enterrado em outro lugar?”, eles falaram: “não vai ser enterrado aqui, não sei o quê”, e aí a Dona Ana descobriu que na sepultura dela estava enterrada a amante do Seu Ernesto. E aí, assim, pensa, ela tinha chorado, ela estava, lógico, arrasada, porque o senhor Ernesto morreu, né, um casamento de cinquenta anos nã nã nã, mas nada abalou mais a Dona Ana do que saber — [risos] que tinha uma pessoa —, a amante do marido dela deitada na sepultura dela, no lugar dela descansar eternamente, entendeu? 

A Dona Ana virou um bicho, ela falou: “não, vocês vão arrancar essa mulher de lá hoje, eu quero essa mulher fora meu lugar hoje”, e aí ela ficou tão louca que ela não queria que o Seu Ernesto fosse enterrado mais lá, e aí ela falava que o jazigo era da família dela, que isso, que aquilo, que aí ela ia botar Neide [risos] — tipo, ia pôr outro parente —, não ia mais deixar o Seu Ernesto ser enterrado lá, que eles que se reunissem e fizessem vaquinha e coloque o Ernesto onde for, joga o Ernesto na estrada [risos] — ficou louca —, mas ela queria que tirasse a amante lá do caixão, da sepultura, da vaga dela.

E aí foi que foi, ela nem pensou mais, só ficava lá reclamando, e aí anteciparam o horário do enterro porque não ia dar para ficar lá até dez e meia, onze horas para enterrar. E aí enterraram, ela não queria, não queria, mas acabou enterrando na vaga que seria a última vaga da sepultura [risos], e de lá ela já foi lá na administração para saber o quê que precisava fazer para tirar a amante do Seu Ernesto da vaga dela. Ela não estava… Ela não ficou preocupada que o Seu Ernesto tinha dois filhos de quarenta anos, ou seja, pelo menos por quarenta anos ela foi enganada, ou foi enganada um tempo e depois ele se separou da amante, mas enfim, não deve ter se separado porque ele enterrou a amante no jazigo da família da Dona Ana. 

Então, quer dizer, ela não se preocupou com isso ali na hora, ela não se preocupou que ela foi enganada tanto tempo, ela se preocupou com o jazigo… [risos] Com o jazigo. E aí ela quis ir na administração, na hora, ela falou: “não, porque eu tenho que resolver, porque a gente tem que resolver, que tem que resolver”… E aí lá na administração ela ficou sabendo que antes de três anos era complicado pra tirar, não tinha como tirar por questões sanitárias, um monte de coisa. E aí, assim, ela tinha que esperar, quer dizer, ela tem que esperar mais dois anos para poder tirar a amante do Seu Ernesto da vaga dela, então pensa… 

E aí agora a neta dela que me contou no Twitter fala que ela só fala disso, que ela não pode morrer nos próximos dois anos porque ela quer, ela mesmo, tirar o caixão de dentro [falando e rindo ao mesmo tempo] da sepultura, ossinho por ossinho tirar a mulher de lá, e aí ela já perguntou se podia junto tirar o Ernesto, mas aí não porque precisa de mais um ano, né, — [falando e rindo ao mesmo tempo] porque ela não quer ninguém mais na sepultura dela. 

E como era todo mundo velhinho, então assim, o irmão dela morreu faz pouco tempo, a prima morreu faz pouco tempo, mas mesmo assim ela não tá interessada nas outras vagas, ela quer, óbvio, que tire a amante do marido dela da sepultura dela. Olha, o Seu Ernesto… — safadinho também, né, safadinho. Desculpa, já morreu, — vôzinho fofinho, mas um canalha, né? Porque enganou ela a vida toda e no final ainda colocou a amante lá. E ainda tem mais o bônus que agora tá um auê o inventário, né, que agora tem que incluir os dois no inventário, então só dor de cabeça [risos]. 

E eu quero acompanhar a história da Dona Ana, espero que ela viva mais dez anos, vinte anos aí, passe dos cem, para poder tirar todo mundo da sepultura [risos], que é dela, ela gosta de frisar que lá é o lugar DELA, e que tem que tirar essa amante do marido, que ela agora chama de ex. Não é o viúvo, viúva ela, né, o finado… Não, agora é meu EX. Porque ela se separou dele, ela falou: “eu divorciei, ele morreu, mas eu tô divorciada” [risos].

E essa é a história da Dona Ana, se vocês quiserem comentar a história, né, a hashtag dela é “velório”. Então vão lá no grupo e comentem. Um beijo para todo mundo e até amanhã.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.