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título: verme
data de publicação: 31/08/2020
quadro: picolé de limão
hashtag: #verme
personagens: tereza, cidinha, seu clécio e macedo

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta] 

Déia Freitas: Eu quero agradecer aos assinantes e também eu quero mandar um beijo pra Pri Armani, que sempre falou que eu tinha que gravar, que eu tinha que gravar e agora eu tô fazendo aqui num podcast, então um beijo Pri. Vamos que vamos. Hoje a história é a história de duas amigas, da Teresa e da Dona Cidinha, é a Teresa que me conta a história. Elas são de São Paulo e elas são muito amigas.

[trilha]

A Dona Cidinha era casada há quase cinquenta anos, quarenta e poucos anos com um senhor chamado Clécio. O Seu Clécio era a pessoa mais insuportável do mundo, chato pra cacete, o Seu Clécio. E a Cidinha, Dona Cidinha aguentando, né? Aquela coisa de pessoas antigas “ah, ninguém vai sair do casamento, pra que vamos divorciar? Agora eu já tenho os netos”, e a coisa foi indo, foi indo, mas ele era muito chato, e a Teresa sempre foi amiga desde infância da Cidinha, eu não vou falar “Dona” mais, vou chamar “Teresa e Cidinha” porque elas são idosas jovens. E elas sempre foram amigas, iam no bingo… Na época que o bingo foi proibido elas iam em bingo clandestino, já foram detidas duas vezes [risos] nessa coisa de bingo, assim, elas curtiam e o marido da Cidinha lá sempre enchendo o saco.

O Seu Clécio ele era um idoso avarento, sabe esses véio mesquinho? Era Seu Clécio. Eles tinham dois filhos já casados, mas aí ele comprava dois pães, e não é porque eles não tinham dinheiro, é porque era um pão pra ele e um pão pra ela, mesmo se tivesse visita, ele ia lá na padaria e ele vinha com dois pães. Aí a Cidinha, se era uma visita só, ela dava o pão dela, então ele tinha essas coisas… Ele controlava geladeira, tinha horário pra acender luz… Ele era um cara insuportável. E, no fundo, a Cidinha sempre quis separar, ela falava isso pra Teresa que, desde sei lá, o segundo ano de casamento, ela queria separar e nunca separou. E aí, um belo dia a Cidinha acordou, foi fazer café e esperar Seu Clécio acordar pra ir lá buscar os dois pães, porque eram dois pães, e ela tinha uma quantidade certa que ela podia fazer de café pra não desperdiçar, que isso que aquilo.

E aí chama Clécio, chama Clécio, acorda Clécio e Clécio não acordou, Clécio empacotou. [trilha sonora de funeral] Só ali ela na casa, aquele desespero, né? “Meu Deus, meu Deus, o Clécio morreu, o Clécio morreu, o quê que eu faço? Pra quem eu ligo?”, aí Cidinha estava com água lá no fogo, do café, aí ela parou um pouco e falou: “Bom, já tá morto, né?”, foi lá — que ela só podia usar duas colheres do pó e fazer uma quantidade de café — e fez duas garrafas de café, usou quase todo o pó. [risos] E ela sentiu assim, uma liberdade… Porque ele estava morto, né? Ele não ia mais reclamar da quantidade de café que ela fazia. Aí depois que ela terminou de coar o café, ela ligou pra um filho dela, e aí saiu lá no quintal, começou a chamar um vizinho, mas o cafezinho estava pronto, quem aparecesse lá e quisesse um cafezinho podia tomar, não tinha mais aquela coisa de só fazer uma xícara de café pra ela, e só uma xícara de café pra ele, então agora ela podia fazer café à vontade.

A vizinhança foi chegando, e o filho dela veio, alguém lá chamou o SAMU, mas aí o SAMU veio e como ele já estava morto não podia remover. E todo mundo que chegava, por mais que ela tivesse chorosa, ela falava: “Aceita um cafézinho?” — Aceita um cafézinho? — E aí chegou a Teresa, e a Teresa chegou: “Ô, minha amiga” e foi puxando ela pra cozinha, assim no cantinho, e falou: [tom de cochicho] “Amiga, foi você não, né?”, ela: “Eu o quê, Teresa?”, ela: “Ô, Cidinha, você não deu nada pra ele tomar?” [risos], ela falou: “Não, o véio morreu sozinho”. E aí demorou pra remover o corpo, aquela coisa, todos aqueles trâmites e a garrafinha de café lá rendeu, todo mundo tomou um cafezinho e deu tudo certo. E aí velório de Seu Clécio…

No velório do Seu Clécio tinha muita gente, muito idoso, tipo, todas as pessoas do bairro, aquela coisa. Chama um conhecido ali, outro aqui, e a Cidinha tinha levado garrafas de café, levou também uns biscoitinhos, e aquela coisa, né? Velório passa a noite e chega uma hora que tá todo mundo conversando, todo mundo rindo, aquela festa, apesar de ser um velório, o pessoal tá vivo também, né? E conversa vai, conversa vem, e lá no canto assim, Dona Cidinha viu um senhor que, olha, “pedaço”, viu? Um senhor interessante que ela não conhecia, que não era do bairro. Aí a Cidinha foi perguntar pra Teresa quem que era aquele senhor que estava no velório, um senhor tão distinto, bem arrumado, e aí elas ficaram sabendo que aquele senhor era irmão de uma outra amiga delas, que estava na cidade de passagem lá e que tinha ido junto com a amiga delas no velório.

Então Cidinha assim, meio que tirou o foco da coisa do marido morto, inclusive, a Teresa falou que tinha umas beatas lá rezando e cantando, e aí elas estavam cantando uma música que falava assim “No céu com minha mãe estarei”, e toda hora a Cidinha cutucava a Teresa e falava: “O Clécio não vai pro céu, gente”. E aí passou, passou o velório, passou o enterro, passou missa de sétimo dia e, assim, era uma vida nova pra Cidinha porque ela estava sozinha em casa, mas ela tinha muitas amigas, ela fazia muitas atividades. Agora ela tinha a pensão do Clécio só pra ela, então além da aposentadoria dela, ela tinha a aposentadoria do Seu Clécio e dava pra ela viver legal, dava pra ela viajar, pra começar a fazer planos com as amigas e ela se empolgou, Cidinha entrou assim num mix de adolescente com micareteira.

E aí todo baile que tinha ela ia, toda festa que tinha ela ia, se tinha viagem da terceira idade ela ia, e sempre arrastando a Teresa junto, porque a Teresa era aposentada também, mas ganhava menos, já era viúva, mas agora a Cidinha estava com a grana, então ela já fazia pacote assim pra dupla. Onde ela ia ela arrastava a Teresa junto e “Não, vamos, vamos fazer Cruzeiro; vamos isso, vamos aquilo”, e bailes, bailes, bailes, mil bailes e, também, além de toda a diversão, desde aquele dia do velório, a Cidinha percebeu que assim, ela podia ser olhada de outro jeito, porque o senhor lá, o “pedaço de mal caminho” do velório, olhou pra ela também, meio que se interessou, sabe? Não deu nada, não rolou nada, mas ela viu que ali ela ainda tinha um lado mulher, uma coisa assim, feminina, e num destes bailes da vida, a Cidinha conheceu um senhor mais velho que ela um pouco, chamado Macedo. 

E aí eles dançavam, eles ficavam ali, tomavam uma cervejinha, mas não passava disso, até o dia que o Macedo deu um beijo nela e, assim, como ela descreveu pra Teresa, falou: “Meu Deus do céu, não sabia nem se tinha língua, se não tinha língua, nem lembrava mais como que era um beijo”, e foi muito bom. E aí ela começou a namorar esse Macedo, esse senhor que era um pouco mais velho que ela e a Cidinha falava pra Teresa: “Amiga, ele fica me apalpando, ele fica tentando pôr a mão no meu peito, e você sabe, a hora que eu tirar o sutiã, você sabe onde esse peito vai, esse peito vai no chão, como que eu vou fazer? Como que eu vou falar pra esse homem?”, e a Teresa falava: “Deixa pra lá, ele também é velho, ele sabe que seu peito é murcho, ele sabe que a sua bunda é murcha, se ele tá querendo você é porque ele quer o peito murcho, a bunda murcha”, só que a Cidinha ficava com aquela coisa de “Ai, meu Deus, ele vai me ver pelada? Como é que eu vou fazer isso?”, e a Teresa falava pra ela assim ó: “Pensa que a hora que o seu peito for no chão, o saco dele vai no joelho” [rindo muito] — Ai, gente, saco murcho… Desculpa, é difícil. Ai, peito murcho eu acho tudo bem, mas saco murcho? —

E aí ela falava isso, que o saco do Macedo ia no joelho e elas sempre riam disso, e aí a Cidinha falava: “Você para com isso, porque o dia que ele ficar pelado na minha frente eu vou começar a rir, porque eu vou olhar pro joelho dele pra ver se o saco tá encostando”. [risos] E elas brincavam muito com isso, só que nessas brincadeiras o Macedo realmente estava interessado em transar com Cidinha, e só que assim, eles já começaram a conversar sobre isso, ele era um véio bem assanhado, só que aí ele precisava tomar um remedinho também, né? E aí ele falava pra ela que o dia que ela quisesse, ela tinha que avisar, [risos] avisar ele um dia antes pra ele se preparar. E se preparar era isso, né? Ele precisava tomar um remédio pra na hora lá do “vamo ver” a coisa funcionar, dar tudo certo. — Acho ótimo, porque já que vai, tem que ir pra fazer direito, Seu Macedo.  —

E Cidinha tinha várias questões, o que ela tinha que fazer? Ela tinha que tirar a roupa primeiro? Ele que tira a roupa primeiro? Cada um tira a sua roupa? Um tira a roupa do outro? Cidinha queria respostas técnicas e Teresa tentava ajudar o máximo que dava. E aí, assim, a Cidinha começou a fazer todo um esquema na cabeça dela de como seria essa transa com o Macedo e ela pensava coisas, tipo, “Ai, mas e se ele tomar o remédio e tiver um ataque do coração e morrer?”, aí a Teresa falava: “Ué, aí você liga pra polícia, veste a sua roupa, põe o seu peito dentro do sutiã e liga pra polícia. Se der ainda põe uma cueca nele, que é pra não achar que vocês estão lá de sacanagem”, fala que morreu e você nem sabe. E aí ela já tinha também pensado que ela não queria ir num motel porque ela se achava muito velha pra ir num motel, e de repente o motel não era limpinho, então tinha que ser na casa dela.

Desde que o véio avarento lá tinha morrido ela já tinha comprado um colchão novo com o dinheiro do [risos] próprio marido morto, e aí ela falou: “Não, nós vamos estrear aqui, é esse colchão, é nesse colchão que vai ser, vai ser aqui na minha casa e vai dar tudo certo”. E aí Cidinha e Macedo definiram uma data para o coito. Marcada a data, ela passou a semana toda ansiosa e a Teresa ali dando detalhes… E, no dia do ato em si, que seria à noite, de manhã Teresa foi lá com um pequeno kit pra ela, aí ela falou: “Olha, aqui tem os preservativos e aqui tem esse gel que você vai ter que usar, você vai ter que passar em você se você tiver muito seca, porque senão você vai sentir dor”, e aí Cidinha olhou pra ela e falou: “Mas Teresa, você sabe de tudo isso?”, ela falou: “Ué, você acha o quê? Eu estou viúva já há vinte anos, você acha que tem o quê aqui? Uma horta? Eu plantei couve? Não, né, eu uso de vez em quando”.

E aí explicou, e a Cidinha nunca tinha usado camisinha, nunca tinha visto uma camisinha e não sabia também como usar, e nem teria coragem de ir na hora falar pro Macedo: “Olha, põe essa camisinha”, e a Teresa também não explicou, deixou lá e foi embora, desejou boa sorte e tudo bem. A noite eles iam jantar e já, né, partir pro quarto. E a Cidinha resolveu fazer strogonoff. [risos] E fez lá strogonoff, arroz, batata palha e o Macedo comeu muito pouco, porque ele tinha que estar em forma lá pro “vamo ver”. Então ficou lá aquele monte de strogonoff, ainda ela pensou: “Poxa, amanhã vou chamar minhas amigas pra vir aqui comer strogonoff”, e passou. 

Aí eles começaram, a Cidinha com um pouco de vergonha, mas no fim rolou, ela precisou realmente usar o gel, ela ficou toda sem jeito, mas ela tinha deixado ali do lado da cama, uma hora lá ela meteu gel na mão passou gel nela mesma e foi. E assim, ao longo de… Eles iam em baile, eles estavam namorando, então eles tinham lá o circuito de bailes deles e depois do baile, sempre que acabava o baile, o Macedo acabava dormindo lá na casa dela, mas ela tinha todo o cuidado de ainda não falar pros filhos porque fazia pouco tempo que o avarento lá tinha morrido, e eles foram levando esse namoro assim. E estava tudo muito divertido, ela continuava às vezes viajando com as amigas, ia nos bailes com Macedo, vida seguindo, e aí de repente, o Macedo caiu doente, ele teve uma pneumonia. 

Quando o Macedo ficou doente ela estava viajando com a Teresa, elas tinham ido numa dessas excursões só de idosos pra longe, pra outro estado e aí ela ficou preocupada, mas ela não tinha como vir porque era tudo no pacote, né? Então passagem aérea, essas coisas… E aí ela ficou doze dias longe e quando ela voltou o Macedo estava internado, estava bem mal e ela foi visitar o Macedo no hospital, né? E lá ela conheceu a filha e o genro do Macedo. A Cidinha no hospital, ela se apresentou pra filha do Macedo como namorada do Macedo, e a filha tomou um susto, falou: “Ué, meu pai? Namorada? Desde quando que você namora meu pai?”, ela falou: “Olha, a gente já está junto há mais de seis meses, né?”, e ela também não entendeu a cara da filha, a cara do genro, e aí ela visitou o Macedo, mas ele já estava lá de máscara, não podia falar e ele estava bem mal.

E a filha ficou olhando ela de longe assim, estranho, e aí depois a filha perguntou pra ela assim, a filha do Macedo: “Você vai vir visitar meu pai todos os dias?”, aí ela falou: “Olha, eu pretendo, né? Você é filha dele, se você deixar, eu venho”, ela falou: “Tá bom então, amanhã você pode vir na hora que o médico passar?”, e aí a Cidinha combinou, pegou o horário e marcou de ir lá na hora que o médico passasse. A Cidinha ficou muito preocupada e aí ela comentou com a Teresa, e a Teresa falou: “Olha, pode ser que o médico já queira te falar que ele não tem mais jeito, né? Que ele, sei lá, vai morrer, se prepara pra tudo”, ela falou: “Você quer que eu vá com você?”, aí a Cidinha falou: “Não, não precisa, vai tá a filha dele lá e eu prefiro ir sozinha”. 

E lá ela foi no outro dia visitar o Macedo no horário da visita do médico, o horário que o médico do plantão passava pra falar se estava melhor, se estava pior, pra comentar sobre o caso. Chegando lá no hospital ela visitou o Macedo, o Macedo estava do mesmo jeito que estava no dia anterior, a filha dele estava lá com uma cara muito preocupada e o médico passou, visitou, conversou com a filha do Macedo. E aí o médico falou: “Ah, a senhora que é a Dona Cidinha? A senhora pode me acompanhar?”, e a Cidinha foi com a filha e o médico pra uma sala lá. E aí na sala a Cidinha recebeu a notícia que ela jamais imaginou na vida dela. O verme do Macedo, porque pra mim quem faz isso é um verme, ele era HIV positivo, [efeito sonoro de espanto] há mais de quatro anos quem controlava os remédios dele era a filha, então ele sabia que ele era HIV positivo e ele transou com a Cidinha todas as vezes sem usar camisinha. 

Então o médico tinha chamado ela lá pra perguntar que tipo de relacionamento ela tinha com o Macedo e pra alertar a Cidinha da possibilidade de ela ter sido contaminada com o vírus HIV. A Cidinha precisou ser amparada lá pelo médico mesmo, passou mal e, assim, na cabeça dela ela não conseguia entender, porque quando você fala em HIV, em AIDS, hoje em dia a gente já sabe que os idosos também estão aí no grupo de risco, mas era uma coisa que era totalmente fora do mundo da Dona Cidinha, ela jamais imaginou, jamais assim… Nem a remota possibilidade que ela pudesse estar num grupo de risco e que ela poderia ter sido contaminada com o vírus HIV. 

Então foi um choque, um choque, um choque… E aí queriam ligar pra família dela, ela não queria, e acabaram ligando pra Teresa. E a Teresa foi lá, elas voltaram de táxi porque a Cidinha não conseguia nem andar. E aí o mundo da Cidinha caiu, né? A Teresa deu todo o apoio, elas foram no posto de saúde, elas procuraram médico, fizeram exame e a Cidinha tinha sido contaminada mesmo, agora ela era portadora do vírus HIV. E aí mudou tudo, ela não quis contar pros filhos, então era um segredo dela e da Teresa. Ela começou a se tratar, mas ela virou outra pessoa assim, virou uma pessoa triste, uma pessoa desanimada, não ia mais nos bailes… E a Teresa queria, porque assim, a Teresa ficou preocupada com as outras senhoras dos bailes que já tinham saído com o Macedo, né? E você não sabe se saiu só pra tomar uma cerveja ou se ele tinha feito a mesma coisa que tinha feito com a Cidinha, só que Cidinha pediu pelo amor de Deus pra ela não contar pra ninguém que ela estava contaminada. 

E nesse meio tempo, o Macedo lá, o verme, morreu. E aí morreu acabou, né? Não tinha nem como fazer nada, sei lá, de repente processar ele, não sei. E ela ficou se cuidando, mas ela estava muito triste. Aí também ela pegou uma das doenças oportunistas aí, o vírus, a carga viral dela no começo estava alta, abaixou, depois ficou mais ou menos e passou um tempo de quando ela descobriu que ela era portadora do vírus até ela cair doente foi mais ou menos um ano, um ano e pouco, só que aí Cidinha caiu doente e Cidinha morreu.

 A Teresa ficou arrasada, né? E assim, um pouco antes da Cidinha morrer, ela tinha ficado melhor, eu não sei, sabe aquela melhora que falam antes da morte? Ela ficou bem assim, estava lá no hospital, estava bem, agora os filhos dela já sabiam tudo que tinha acontecido e ela conversou com os filhos, ela brincou, ela ainda brincou com a Teresa falou: “Meu Deus, Teresa, se eu morrer, será que eu vou pro mesmo lugar daquele véio de novo? Ele vai ficar me regulando lá no céu ou no inferno, sei lá, pra onde eu vou? Não quero encontrar com ele”, ainda brincou, né?

Mas ela melhorou num dia e no dia seguinte ela faleceu. E aí assim, a Teresa perdeu a melhor amiga, companheira de viagens, de baladinhas, tudo. Só que agora ela tinha… Ela colocou assim na cabeça dela que ela tinha uma missão, que era ir em todos os lugares que o Macedo frequentava pra contar que ele tinha infectado a amiga dela, que todo mundo devia se cuidar… E foi isso que ela começou. Então em todos os bailes ela foi e contou pra todo mundo, e começou a espalhar a notícia, né? Ela desconfia de algumas senhoras que tinham saído com o Macedo e que, de repente, ficaram mais assustadas assim quando ela contou.

Mas ninguém nunca falou nada, tipo, “ah, eu também saí com ele e também fui contaminada”, nada, mas ela fez a parte dela, né? Eu achei bem corajoso isso de sair por aí falado e avisando as pessoas, ela é uma senhora já, uma senhorinha, né? E a Teresa me escreveu porque a filha dela ouve as minhas histórias e ela acabou ouvindo também, e aí ela queria que eu contasse a história da Cidinha pra gente saber e pra ela contar também que a Cidinha foi uma pessoa maravilhosa, uma mulher pra frente assim, uma mulher alegre.

E, meu, essa história me pegou, porque a gente não pensa muito nisso, né? Sei lá, todo mundo tem um tio mais velho, um avô, um pai, mãe, sei lá, separados que de repente estão por aí e podem conseguir um novo parceiro. É um pessoal que tem mais dificuldade de aceitar o preservativo, mas e aí, né? Como que faz? Sei lá, tinha que avisar mais, não sei. Sei que eu quis contar essa história porque você aí que tem seu pai, sua mãe, seu avô, seu tio, tem que dar um jeito de falar que o HIV tá aí e que não tem idade pra isso. Eu fiquei bem chateada com essa história porque, nossa, o cara também foi um canalha, ele sabia que ele tinha o vírus, ele podia ter evitado a morte da Cidinha e vai saber também de mais quantas pessoas, né? Sei lá, os motivos dele, mas não existe nenhum motivo que dê razão pra ele nisso. 

E é isso, é… Cidinha, amiga da Teresa, fica aí a saudade da melhor amiga e o alerta pra todo mundo. Eu queria que essa história acabasse de outra forma, sei lá, queria muito. Quando eu comecei a ler pensei, sei lá, a Cidinha vai dar um golpe, Cidinha vai matar o cara, bem melhor se ela matasse o cara, né? Mas aí depois que eu li, falei: “Meu Deus, é isso? E agora? É isso?”, mas é isso, a vida é isso, né? Então fica aí o alerta pra gente. E é isso, um beijo e até mais tarde.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.