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título: zebrinha
data de publicação: 13/06/2024
quadro: picolé de limão
hashtag: #zebrinha
personagens: juliane e marcelo

TRANSCRIÇÃO

Este episódio possui conteúdo sensível e deve ser ouvido com cautela.

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para mais um Picolé de Limão. E hoje eu vou contar para vocês a história da Juliane. então vamos lá, vamos de história.


[trilha]

Juliane tinha acabado de se formar em Direito — tipo, há poucos meses de formada — e ela já trabalhava num escritório na área, né? E ela estava lá num dia normal de trabalho dela, quando, de repente, chegou um cara pra prestar uma consultoria lá, ele foi contratado só pra isso, um prestador de serviço para fazer uma consultoria ali na área dela de direito, advogado e nã nã nã… — E quem era esse cara? — Esse cara era o Marcelo. De cara, a Juliane achou o Marcelo muito gato — bem gato mesmo — e eles trocaram um “oi” só, só cumprimento e o cara começou a ir ao escritório para prestar consultoria ali que ele tinha sido contratado. Umas semanas depois, a Juliane — que já stalkeava o Marcelo em todas as redes sociais — tomou um susto. De repente, Marcelo enviou uma solicitação de amizade pra Juliane. Óbvio que ela aceitou na hora e, depois que ela já estava nas redes dele e tal, ela salvou uma foto do Marcelo e mandou no grupo das amigas dizendo: “Vou namorar com este cara”.


Juliane e Marcelo começaram a conversar nas redes sociais e também ali no escritório. Um morava numa cidade, o outro morava em outra cidade, mas assim, não era tão longe, sabe? Juliane sempre foi muito reservada, nem pensava em namorar alguém que tivesse qualquer tipo de ligação com o escritório que ela trabalhava, só que ela já estava interessada… E aí o Marcelo convidou a Juliane para tomar uma cerveja, esse primeiro encontro foi muito legal, deu tudo certo ali naquele começo, eles começaram a trocar mensagens, começaram a ficar e se apaixonaram. Mas até então eles só ficavam… — Não está ultrapassado isso de pedir em namoro? Eu acho que as coisas vão acontecendo, né? Mas também juridicamente seria mais interessante você dizer [risos] “estou namorando”, para não parecer que seja outra coisa? Não sei. Bom, mas enfim… — Um mês e pouco depois de vários encontros, o Marcelo levou a Juliane numa festa e apresentou a Juliane para os amigos e disse: “Olha, essa aqui é a mulher que eu vou namorar”. 


Juliane já ficou toda toda e descobriu ali que oficialmente eles estariam namorando já. [risos] E o namoro deles era ótimo, gente… O Marcelo super extrovertido, um cara muito bacana mesmo, Juliane também muito bacana, mas assim mais fechada, mais na dela. — Isso nunca impactou o relacionamento de forma negativa, né? Sempre foi um ali somando com o outro. — Marcelo sempre foi um parceiro incrível e, quando ela saiu do escritório, que ela mudou de trabalho, ele deu muita força e tal… — Sabe aquele cara que está sempre junto? — E aí ela falou: “Olha, Marcelo, eu preciso fazer uma especialização e quase não vai ter tempo para a gente namorar, porque eu preciso focar nisso”, e aí o Marcelo falou: “Não, eu entendo, eu sei que isso é passageiro, eu estou com você, tamo junto, vai fazer seu curso, faz as suas coisinhas e eu estou aqui para te apoiar, porque no futuro a gente vai estar juntos sempre”. Esse é o Marcelo e essa é a Juliane.


Com um ano de namoro, Marcelo e Juliane resolveram morar juntos… Eles alugaram uma casa e qual era o plano? O plano era juntos, morando juntos, eles iam economizar. — E economizar para quê? — Para que eles tivessem o casamento dos sonhos… Com festa, com tudo, com lua de mel chique, com tudo o que uma noiva e o noivo tem direito aí. — Tem gente que sonha, eu acho válido, acho importante quem tem esse sonho e corre atrás, vai fazer suas coisinhas… — Então era esse o objetivo deles, eles foram morar juntos, mas eles queriam oficializar mesmo o casamento com uma festona, com vestido, com terno, com lua de mel, com tudo. A vida ia muito bem, tipo contos de fadas mesmo, assim, tipo Sessão da Tarde, filme bom, sem coisa de chorar, filme fofinho. Até que um dia, [efeito sonoro de tensão] Marcelo chegou em casa, assim, como é que eu vou dizer? Assim, de boa, tipo: “Olha o que um amigo meu me mostrou”. E o que era que Marcelo estava mostrando para Juliane? 


Naquele momento, em seu celular, Marcelo mostrava pra Juliane um joguinho. — Que a gente vai chamar aqui de “jogo da Zebrinha”. — No jogo da Zebrinha — que tinha sido apresentado para o Marcelo por um amigo — o amigo dele tinha jogado ali e apostado uma graninha e tinha ganhado mil reais. — Apostou cem e ganhou mil reais. — E aí o Marcelo estava mostrando ali para a Juliane: “Olha que jogo, o cara ganhou e tal”, assim, gente, mas bem comentando só… E aí o Marcelo falou para a Juliane: “Eu vou jogar R$100 para ver, se meu amigo ganhou, quem sabe eu ganho também”. E aí o Marcelo apostou R$100  e não ganhou nada, falou: “Poxa, perdi R$100”. Juliane falou: “Quer saber? Vou apostar nesse jogo da Zebrinha, será que eu vou perder também?”, Juliane foi lá, apostou R$100 e na hora ela ganhou R$1.000. Juliane mal podia acreditar… Ela ganhou… — Ganhou R$1.000, quer dizer, R$900 em cima de 100, né? — E, na hora, o Marcelo já falou pra Juliana: “Olha, bom, você ganhou, eu perdi… Então tamo no lucro ainda, né? Se somar os dois, então, assim, cuidado, é melhor não jogar mais, porque isso é jogo de verdade, Juliane, cuidado”.


Só que Juliane ficou com aquilo na cabeça: “Ah, de vez em quando vou jogar. Por que não?”. No dia seguinte, Juliane jogou mais 100 e não ganhou… Ficou chateada. “Ah, e se eu jogar 200? Será que eu não ganho 2.000?”. Jogou 200 e não ganhou… Isso no mesmo dia. No dia seguinte, ela falou: “Poxa, tenho que recuperar o dinheiro que eu joguei e não ganhei”. Ela jogou mais R$300 e ganhou… “Ó, o jogo funciona”. Só que a partir daí, Juliane começou a apostar tudo o que ela ganhava com as causas que ela ganhava de direito. — Ela estava num escritório bom e tal, ganhava umas vezes e perdia muitas… — Era todo dia isso, tinha dia que era 100, tinha dia que era 200… Quando ela recebia, era 1.000. No dia seguinte, 2.000… Até que Juliane tava apostando todo o salário dela. Só que tinham dias bons… Um dia, Juliana apostou R$200 e ganhou R$6.000 e essa a parte boa ela contou pro Marcelo e eles foram viajar aí, a primeira vez que viajaram juntos, porque eles estavam guardando dinheiro.


E, nessa viagem, o Marcelo pediu a Juliana em casamento. — Lembrando aqui que Marcelo não controlava o celular da Juliane, não sabia. — Acontece que Juliane continuou apostando… — Então tinha vez que ela ganhava? Tinha, mas se você botar no papel quanto você jogou, você vai ver que você perdeu dez vezes mais do que você ganhou. — Chegou uma hora que ela não tinha mais dinheiro, e aí pra apostar o joguinho aceitava cartão, ela parcelava as apostas no cartão de crédito… E aí chegou uma hora que ela não tinha mais limite no cartão de crédito. Juliane fez o quê? Fez empréstimos… Até que chegamos ao ponto em que Juliane já tendo perdido 100 mil reais… — 100 mil reais… — Ela tava devendo pra vários bancos e com o nome sujo em vários cartões de crédito. Aquela coisa do Jogo da Zebrinha tinha virado uma bola de neve sem fim. O Marcelo achando que eles estavam economizando dinheiro também e ele dando apoio ali na casa, enfim, dando dinheiro, meio que não percebeu também que ela não estava colocando dinheiro.

Ele foi fazendo as coisas dele e foi sustentando a casa ali, né? E sem saber como sair dessa situação, a Juliane começou a entrar numa depressão. Paralelo a isso — e pra sorte, sei lá se pra sorte, mas sim, se não ela teria perdido esse dinheiro também —, quem estava pagando ali o grosso do casamento era o Marcelo. Chegou um ponto que o casamento tava todo já pago, assim, eles iam escolher uma data, mas por exemplo, já tinha o dinheiro do salão, já tinha o dinheiro de tudo… E agora a Juliane se via numa posição de que: Como ela ia casar com o amor da vida dela sem contar para ele o buraco que ela tinha se metido? Ela tinha que contar. Juliane já bem mal assim, chamou os pais dela e o Marcelo para conversar e contou tudo. Contou que ela estava afundado em dívidas, contou que ela gastava todo o dinheiro dela em apostas, contou que ela tinha vários empréstimos e, mesmo assim, não estava conseguindo pagar os empréstimos, que ela estava devendo nos bancos, enfim, contou tudo…

Assim que os pais de Juliana souberam da situação da Juliane, a mãe da Juliane mal dormia de preocupação em pensar que a filha dela, advogada, independente, que eles batalharam tanto — para formar a tal —, estava viciado em jogo. E o pai da Juliane, extremamente decepcionado, também entrou em depressão, só que resolveu ajudar a filha a sair um pouco da dívida, né? — Porque ele não tinha o dinheiro todo também. — E aí, o que o pai de Juliane — que a gente pode chamar aqui de “Seu João” —, o que o Seu João fez? Seu João pegou 20 mil reais que ele tinha e falou: “Ó, paga”, porque ela tinha umas parcelas do banco vencendo, “paga as parcelas”. Juliane pegou esses 20 mil reais do pai e, em vez de pagar as parcelas vencidas dos bancos, ela resolveu jogar esse dinheiro para ver se ela triplicava e conseguia pagar as contas dela. Juliane apostou os 20 mil reais do pai e perdeu tudo… Sem contar para o pai — que tinha perdido tudo ainda que ele tinha mandado pra ela pagar as parcelas do banco —, o pai deu mais um jeito e deu mais um dinheiro na mão de Juliane.

Mais uma vez tudo veio à tona, porque não tem como você esconder isso… Você vai pegando dinheiro dos outros e vai apostando de novo… E o Marcelo, que já estava muito chateado e desesperado com a situação, se sentindo traído porque a Juliane não contou pra ele o que estava acontecendo e ele muito regrado com dinheiro muito certinho em tudo, Marcelo terminou com a Juliane… Mesmo com o casamento todo pago, todo já esquematizado pra acontecer. Até aquele ponto, Juliane tinha apostado dinheiro a ponto de, sei lá, quase dar pra comprar metade de um apartamento. — Tipo pagar metade dela de um apartamento. — Juliane saiu de casa — porque eles estavam separados agora e o Marcelo, que tinha alugado aquele apartamento —, viveu momentos muito sombrios, assim, um período muito difícil… E depois de quase dois meses separados, o Marcelo procurou a Juliane dizendo que amava ela demais, que agora ele… — Eu acho que ele foi pesquisar, sabe? Ele foi entender que aquilo era realmente um vício. —

Agora ele entendia que ela era adicta e que ela estava doente e ele queria dar esse apoio pra ela. E, nesse meio tempo, o Marcelo acabou saindo do emprego — foi mandado embora e tal — e pegou uma parte da indenização dele, cerca de 40 mil reais e deu pra Juliane pagar um pouco das dívidas dela… Juliane começou um tratamento psiquiátrico e terapêutico para vício e compulsão e voltou a morar com o Marcelo. Depois de um tempo, da ajuda da família e do Marcelo, a Juliane conseguiu quitar as dívidas… Ela segue em tratamento, mas Juliane, vez ou outra, ainda joga por impulso. Ela sabe que ela é viciada e às vezes ela recai… O vício dela em jogo é como uma droga mesmo, o sonho de fazer aquele casamentão, do pai entrar com ela na igreja… Era um sonho do pai, era um sonho dela, era um sonho do Marcelo e, infelizmente, por conta de todo esse prejuízo financeiro não deu para realizar. Juliane diz que quase acabou com a própria vida por conta de jogo, dessas apostas no jogo da zebrinha, que ela é muito julgada, assim… — Ela não, porque isso é um segredo, né? — Mas as pessoas julgam quem joga, fala que é cabeça fraca, que é só parar, mas a Juliane sente na própria pele o quanto é difícil, o quanto é realmente um vício. 


Ela quase perdeu a vida, quase perdeu a família, quase perdeu o Marcelo de vez. — Porque eles terminaram, mas voltaram. — Só uma amiga mais íntima, o Marcelo e os pais da Juliane sabem do vício dela em jogo de aposta e como isso é difícil, como é difícil vencer. Mesmo hoje com tratamento, com tudo, ela ainda recai e às vezes ela ainda joga. Ela sente muita vergonha e ela se culpa porque todo dia, todo santo dia, ela sente vontade de jogar… Só com a terapia e os remédios que ela toma ela consegue não cair no vício, assim, do jeito que que era, né? E Juliane, sabendo que mesmo aqui contando a história dela, ela vai ser muito julgada, ainda assim ela quis contar para que isso fosse um alerta para outras pessoas que ou estão na mesma situação que ela ou estão pensando em começar a julgar que não comecem, que não entrem nisso.


Eu achei muito corajoso da parte da Juliane esse relato, a gente percebe que tem muito sofrimento e é uma coisa que você sempre vai ter que tratar. Quando você tem um vício, você precisa de um suporte, de apoio e é hoje, é só por hoje… Você vai vencendo um dia de cada vez e todo dia é uma luta. Então, eu agradeço demais a Juliane ter mandado o relato, a gente tem alguns relatos de pessoas que perderam tudo com apostas e também pessoas que tem seu marido, sua esposa, seu irmão, sua mãe que jogaram tudo também e foram impactados aí por perdas de jogadores da família ou do relacionamento. Enfim, é sempre muito triste, gente… Não é uma coisa boba, sabe? É realmente um vício. Obrigada, Juliane, por você ter mandado seu relato muito corajoso pra gente. 


[trilha]

Assinante 1: Oi, Não Inviabilizers, aqui é a Deise de São Leopoldo, do Rio Grande do Sul. Essa história da Juliane ela é tão comovente em vários pontos, mas principalmente por se tratar de um vício lícito, por que quando a gente está falando de alguém que é viciado em drogas, um traficante não vem bater na sua porta pra te oferecer heroína, te oferecer de crack, mas quando é um alcoolista, o álcool ele é socialmente aceito e desejável em qualquer tipo de comemoração, como administrar isso, né? É Natal, aniversários e você é o chato… E o vício de jogos, esses joguinhos onlines, zebrinhas e afins, toda vez que que abre o Instagram tá lá, influencers de Lamborghini, influencers com carrões mostrando como se fosse muito fácil com R$10 você levantar 10 milhões. É muito sedutor na TV, nas verdades… Todo meu amor e meu apoio pra Juliane. Beijo. 

Assinante 2: Oi, Não Inviabilizers, aqui é Ariana, eu falo dos Estados Unidos. A história da Juliane me tocou muito porque muita gente leva isso na brincadeira, não leva a sério a questão do vício em jogo, só leva mais a sério quando é a questão de vício em drogas e tudo mais e não acredita que isso possa se tornar um vício, que isso pode realmente acabar com a sua vida, pode acabar com os seus relacionamentos, com o seu trabalho, com tudo que você é… Eu passei por uma situação parecida bem próxima a mim, a situação foi um pouco pior porque essa pessoa pegou dinheiro emprestado de agiota e não estava conseguindo pagar, aí pegou dinheiro emprestado de um amigo pra tentar pagar o agiota, mas pegou dinheiro para apostar pra tentar dobrar o dinheiro e perdeu também… Estava devendo amigo e agiota. Foi bem difícil, deu tudo certo no final, graças a Deus, [risos] com a ajuda da família, mas não façam isso, pelo bem de vocês. 

[trilha]

Déia Freitas: Comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis com a Juliane. Um beijo e eu volto em breve.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.