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título: sonhos
data de publicação: 21/06/2022
quadro: luz acesa
hashtag: #sonhos
personagens: natália e família

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra um Luz Acesa. E hoje eu vou contar pra vocês a história da Natália. Então vamos lá, vamos de história.

[trilha]

A Natália, ali no finalzinho da adolescência, a escola dela — uma escola particular — ia fazer uma viagem de formatura. Em vez de uma festa de formatura no ensino médio, ia rolar uma viagem. — Que seria tipo pra uma praia, uma coisa assim… — E a Natália, quando ela tinha oito anos, o pai dela tinha falecido, teve um infarto e faleceu. Então era ela, a mãe dela e o irmão que era mais velho e já estava na faculdade. E aí ela estava muito, muito empolgada e eles começaram a pagar essa viagem no começo do ano, né? — Pra ir viajar em dezembro. — E ela estava muito, muito, muito animada pra fazer essa viagem. E tudo certo, seriam várias vans que iriam, mas vans, assim, mais incrementadas e nã nã nã. Na van dela seriam oito pessoas, oito alunos mais uma professora e o motorista da van.

Elas ali, a mãe dela pagando pra Natália desde o começo do ano. — Então era uma viagem mais cara… — E assim que a Natália pagou a primeira, — eram boletos ali — ela começou a sonhar com o pai dela… Como que era esse sonho? A Natália chegava num lugar com os amigos da formatura e o pai dela estava esperando todo mundo, estava esperando essa turma dela. E quando ela ia entrar nesse lugar que parecia ser um lugar incrível, o pai dela falava: “Você não pode entrar” e ela começava a chorar [efeito sonoro de pessoa chorando] e falava: “Mas pai, a minha turma toda tá lá, eu quero entrar” e ele falava: “Não, você não vai entrar, volta para casa”. E era sempre esse mesmo sonho, — variava de lugar — mas era sempre o pai dela impedindo a Natália de entrar nos lugares com os amigos.

E ela contou para a mãe dela e a mãe dela falou: “Nossa, né? Que estranho, mas não deve ser nada, você deve estar pensando muito no seu pai e tal, né?”, já tinha acontecido esse falecimento há alguns anos e tal, mas ainda assim, né? Saudade do pai e nã nã nã. E a mãe sempre falando pra ela que era uma bobagem e tal… E o tempo foi passando, os meses passando… Todo mês, pelo menos umas duas vezes por mês, ela sonhava com o pai dela sempre dando bronca nela e dizendo que ela não podia entrar. A Natália e o irmão eles estudavam nessa escola particular — o irmão já tinha se formado, mas a Natália ainda não — porque a mãe era professora lá, então eles tinham bolsa.

E a mãe dela não ia nessa viagem — porque, assim, eram quatro vans, três vans iam sair cedo, de manhã e uma van ia sair meio dia pra pessoas que, enfim, não podiam ir tão cedo. — E a mãe da Natália ela poderia, se ela quisesse, ser a professora da van da tarde, mas como o filho também não ia e eles tinham um cachorro, ela trocou e não quis ir. — Então, assim, estava entre ela ir na mesma van que a Natália de manhã, depois não deu certo porque tinha uma professora que precisava ir manhã porque a filha dela também estava na van, enfim… Foi tipo um sorteio, ela ficou de ir pra van à tarde e acabou que não rolou. Então, só quem ia mesmo da família nessa viagem seria a Natália, né? — E aí os meses foram passando, a Natália sempre tendo esse sonho com o pai dela, o pai dela sempre afastando ela dos lugares, né? E chegamos a dezembro, mês da viagem.

Então seria no início de dezembro, logo que acabou as aulas ali, lá pro dia 10, 15, sei lá… E eles iam ficar uma semaninha e iam voltar, né? — Mas foi uma viagem que foi paga ali durante um ano, não era uma coisa barata, né? — As vans não iam atrasar… As vans que saíram de manhã estavam cheias. — A Natália era uma das pessoas ia na van de manhã, mas se por acaso alguém se atrasasse, desse alguma coisa errada, ainda podia pegar a van da tarde, porque a van da tarde tinham três ou quatro pessoas só que não puderam ir de manhã. Então tava suave, assim, se alguém atrasasse podia pegar a van da tarde que sairia ali por volta de meio-dia. E aí na véspera da viagem, a Natália arrumou todas as coisas dela, logo cedo assim, estava muito animada, fez a mala junto com a mãe ali, estava bem animada e ela sentou no sofá para assistir televisão à tarde e ela pegou no sono…

E, nesse dia, o sonho que ela teve ali naquela cochilada foi um pouco diferente… Em todos o pai dela falava, só dava bronca e falava para ela não, que ela não podia entrar… Nesse sonho, o pai dela falou pra ela assim: “Olha, você não pode entrar agora a não ser que você queira muito, mas agora não era a hora de você entrar, ainda vai demorar muito tempo pra você estar comigo”. E foi a primeira vez que ele usou essa expressão “estar comigo”. — Isso significava o que? Que ele estava morto e estava falando ali para a Natália que ia demorar pra ela morrer, né? — A Natália, adolescente, interpretou que era algo do tipo “ah, meu pai gosta mais do meu irmão do que de mim, ele não quer estar comigo e nã nã nã”… — Eu já interpretei assim, né? Que ele estava falando: “Olha, você não vai morrer agora”. Minha interpretação… Mas não foi a da Natália na época. —

E aí passou, a mãe dela chegou da escola ali e eles jantaram, os três mais o dogzinho e foram dormir. — E ela tinha que estar na escola às 7 horas… — O irmão dela já estudava à noite e trabalhava, nesse dia eles jantaram todos juntos e ele não foi pra faculdade, falou que estava muito cansado, então ele também chegou cedo e também dormiu cedo e, no dia seguinte, ele tinha que acordar cedo que ele entrava num estágio. Então, ia sair todo mundo sete horas da manhã ali… E a mãe dela acordava, bem antes assim… — Tipo, um pouco antes das 6 para poder passear com o cachorrinho antes de todo mundo sair. — Chegamos no dia seguinte e vocês não vão acreditar… Sem explicação nenhuma… Eles acordaram onze e vinte e cinco da manhã. Inclusive o cara que tinha que estar no estágio, inclusive o cachorro, todo mundo… O cachorro tinha o hábito de fazer cocô e xixi, né? O cachorrinho na hora do passeio, mas ele tinha um jornalzinho lá na lavanderia e ele não fez nem cocô e nem xixi, ele estava dormindo também na cama junto com a mãe da Natália. 

Eles acordaram onze e quinze… Então não deu da Natália pegar a van do meio dia. E aí a Natália ficou muito, muito, muito puta, porque assim, ela até pensou: “Será que foi minha mãe que me sabotou? Botou algum sonífero na comida? Porque não é possível que a gente tenha dormido, tenha ido dormir, tipo, 11 horas da noite e passado 12 horas dormindo”. — E eles dormiram 12 horas… Todo mundo perdeu o horário de tudo, foi aquele caos no dia… — A viagem aconteceu maravilhosamente bem, assim… Deu tudo certo. A Natália ficou mega deprimida, porque foi, tipo, a única da turma que não viajou. Acontece que, na volta, na van que a Natália estaria — com a turma dela, os amigos dela, os melhores amigos dela — a van capotou na estrada [efeito sonoro de carro freando e colidindo] e os amigos da Natália, o motorista e a professora todos morreram… Na volta.

Então, aquelas pessoas que o pai da Natália aparecia, tipo, deixando entrar num lugar e proibindo a Natália, aquelas pessoas morreram. E era uma época também que ainda não tinha celular, — não tinha nada dessas tecnologias — e a van foi demorando pra chegar, só as outras vans chegaram, era a última van essa… Foi demorando pra chegar, demorando para chegar até que descobriram que tinha sido um acidente, foi horrível… A escola ficou em luto… — Já tinha encerrado o ano, mas a escola ficou um tempão em luto… — Fez um memorial para os alunos, para a professora e nã nã nã. E, gente… Foi um sonho premonitório isso, não foi? De alguma forma, não era para Natália morrer naquele acidente. Se ela tivesse ido, até na van do meio dia, quando ela voltasse ela ia estar na van normal dela lá, na van que saiu cedo e ela ia ter sofrido o acidente. Como que explica um negócio desse? — Quem explica um negócio desses? — 

E o pai dela o ano todo aparecendo pra ela e dizendo: “Não, não, não”, também não foi direto, ele podia ter sido direto e falado: “Não viaja, economiza essa grana”… Por que ele não fez isso também, né? Mas ela ficou muito mal, porque ela sentiu uma culpa muito grande de ter sido a única que sobreviveu. E ela fez terapia por muitos e muitos anos, muitos anos… Hoje ela já tem filhos adultos… E ela nunca deixou os filhos viajarem com o pessoal da escola, nunca… Então não sei, para mim, assim, foi um sonho premonitório, tipo, “não era sua hora, não era para você estar lá, aquelas pessoas, sei lá, tinham que estar juntas ali e a Natália não”, porque quem explica esse sono? Onde nem o cachorro latiu pra comer, nem latu pra sair pra fazer xixi, nem fez xixi no jornalzinho, nada… Nem o cachorro acordou… Não é estranho? Bom, essa é a história da Natália.

[trilha]

Assinante 1: Oi, gente, tudo bem? Meu nome é Bianca, sou de Santo André, mas atualmente eu moro aqui na Inglaterra. Bom, sobre essa história “Sonhos”, eu acabei de ouvir e me lembrou muito uma história que minha mãe me contava dela e do meu bisavô, que eles quase também morreram num acidente de ônibus numa passeata que ia ter lá numa cidade do interior deles. E eles só não morreram nesse ônibus porque meu bisavô esqueceu a carteira em casa. Então, eu super acredito nessa questão de não ser a hora certa. E eu espero que a Natália e a família dela estejam bem, que eles conseguiram superar e agradecer também ao paizinho dela, né? Que salvou a vida dela e da família inteira dela. Um beijo, gente.

Assinante 2: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, oi, Natália, aqui quem fala é Dayane, de São Bernardo do Campo. Natália, primeiramente, eu queria deixar aqui um carinho e os meus sentimentos pela perda, né? Imagino que tenha sido uma coisa muito chocante pra você, muito impactante também, né? A forma que essa história te toca até hoje, né? Realmente foi uma perda muito significativa. Então, sinta-se abraçada… E, sobre os sonhos em si, eu tenho uma opinião um pouco diferente… Eu não acho que o seu pai aparecia ali nos sonhos pra tentar evitar a sua ida, mas pra te mostrar que você não iria, pra te mostrar que você passaria ali pela situação de ver os seus amigos e outras pessoas irem pra um lugar e você estar em outro, sabe? É isso, beijo.  

[trilha]

Déia Freitas: Comentem lá no nosso grupo do Telegram o que vocês acham que foi isso… E a Natália até hoje sente uma culpa do tipo: “por que só eu fui privilegiada?”, vai saber… Então é isso, um beijo e eu volto em breve.

[vinheta] Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.