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título: chaveirinho
data de publicação: 09/09/2022
quadro: picolé de limão
hashtag: #angra
personagens: karen e um cara

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta] 

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão, e hoje eu vou contar para vocês a história da Karen. Então vamos lá, vamos de história.

[trilha]

A Karen conheceu um carinha aí lá pra setembro do ano passado. E, assim, eles começaram a sair, tava super gostosinho, super de boa… E quando foi um pouco antes do Natal, esse cara pediu a Karen em namoro. — Oficialmente. — Então ele conheceu a família da Karen e apresentou a Karen pra mãe dele… — Que o único familiar que ele tem aí é a mãe. — E aí, com esse namoro oficial, eles ficaram mais próximos, a Karen conheceu alguns amigos deste cara… — E o que acontece? — A mãe desse cara ela é professora numa escola particular de gente rica. Então, esse cara cresceu nesse meio… Ele não é rico, mas ele cresceu no meio de pessoas ricas e tem amigos ricos e amigas ricas. E até aí, pra Karen tudo bem, porque ela viu ali que são pessoas que têm uma outra realidade, ela foi educada, as pessoas foram educadas com ela  algumas vezes em alguma balada ou algum restaurante e tal, eles encontravam esses amigos do carinha.

E tinha esse detalhe, às vezes o carinha queria ir pra um restaurante mais caro e a Karen falava para ele: “Olha, eu não tenho grana pra ir nesse restaurante. Então, você quer ir com seus amigos, você vai”. — Então, tinha dia que ele falava: “Não, vamos, eu pago pra você”, tinha dia que ele ia sozinho com os amigos, super de boa, gente… — Até que chegamos a abril deste ano. Em abril desse ano, eles combinaram aí uma viagem. Seria uma viagem romântica, só os dois? Não, seria uma viagem com os amigos e amigas desse cara pra casa de um dos amigos dele. E essa casa era onde? Angra dos Reis. — Então, imagina :uma pessoa que tem uma casa em Angra já sabe que não é uma pessoa pobre. — E aí — pra vocês terem uma noção do poder aquisitivo desses amigos aí do carinha — teve gente que foi pra casa desse cara de helicóptero. — Eu, sei lá… Não sei se a pessoa tinha um helicóptero, se ela alugou o helicóptero, mas não deve ser barato, né?  

Eu lembro de uma época que saiu Uber Helicóptero [risos] e era tipo, sei lá, 2.000 reais se quisesse ir de Uber Helicóptero. [risos] Mas mesmo, assim, dois mil reais é caro, né? Então, assim, eu não tenho ideia se a pessoa tinha o helicóptero, se a pessoa alugou o helicóptero. Enfim, mas para a pessoa ir até um lugar de helicóptero, a não ser que ela seja o piloto de helicóptero, que aí também é um trabalhador ali, ela tem um poder aquisitivo maior, né? Ou tem alguém ali emprestando, bancando, sei lá. — 

E a Karen, ele e mais uma galera, chegou a um determinado ponto lá que ir pra essa casa de barco. E quando eu falo barco, — você pode imaginar um barquinho, não — é tipo um iate. E esse iate também era de um dos amigos desse cara, né? — E chamava tipo, sei lá, Pônei Segundo o iate, alguma coisa assim. — E aí chegaram lá nessa casa, segundo a Karen, uma casa realmente de revista… E tinha muita gente que foi e, tinha, lógico, as pessoas que trabalham na casa, então essas pessoas foram direcionando ali as pessoas para os quartos e a Karen e esse cara eles ficaram num quarto só deles, assim. Então, a casa tinha muitos quartos… — Imagina, gente… Era de uma pessoa muito rica, né? — E a Karen ali na dela, levando tudo muito de boa, né? Porque não é o mundo dela, mas é o mundo que o namorado dela está inserido e ela estava ali curtindo, tava legal e tal… Eles chegaram, tipo, de manhã, então foram pra a praia e nã nã nã, quando voltaram pra almoçar — tinha essas pessoas que trabalhavam lá e estavam servindo e tal as pessoas — a Karen já notou umas conversas, assim, estranhas…

Então, tinha uma galerinha meio que tirando sarro de quem estava servindo, tinha uma galerinha falando de gente pobre… Assim, fazendo brincadeiras que, fatalmente, ali atravessavam a Karen. — E não era, não era… Como é que eu vou dizer? Não era pra Karen, eles não estavam dando indiretas ou sendo irônicos com ela…  Eles eram assim…  — Sabe gente rica escrota? Gente rica escrota, não tem outra palavra. — E aí a Karen foi se sentindo mal e acabou comentando isso com o namorado, né? Como ele conseguia se relacionar com gente que tratava trabalhadores mal, assim, que falava coisas do tipo: “Quando que um pobre vai ver um prato desse?”, sei lá, que tinha lá frutos do mar, sei lá… Esse tipo de brincadeira, que não é brincadeira. Então, a Karen foi falar com ele num tom, assim, super de boa mesmo, né? Falando que ela estava incomodada. Ela, inclusive, falou assim, falou: “Olha, eu sei que são os seus amigos já de muitos anos, mas olha só como eles se referem a pessoas como nós”. 

Porque o namorado de Karen trabalhava, tipo, das 8 às 18, sabe? Não é herdeiro como a maioria ali, né? Não é um filho de pai e mãe rica, não, ele é filho de uma mãe solo, que é professora dando aula numa escola de pessoas ricas. — Então ele não é rico. — Quando ela falou “como nós”, [efeito sonoro de tensão] ele se ofendeu, porque, sei lá na cabeça dele, será que ele pensa que ele está mais próximo de ser um herdeiro [risos] porque ele convive com essas pessoas? Ou ele não se identifica com a classe trabalhadora de onde ele faz parte sim, né? E aí rolou uma pequena discussãozinha ali, coisa pouca. Isso foi no primeiro dia, então a Karen falou: “Bom, eu não vou mais tocar nesse assunto. Eu não quero estragar nada, a gente veio para cá de carona no iate e não tem como sair daqui. Então é isso”. Ela inclusive falou pra ele: “Olha, me desculpa, né? Eu não quis ofender seus amigos, eu só fiquei incomodada com o jeito que eles estavam tratando as pessoas que estavam servindo e tal”. E aí passou… E aí eles ficaram esse dia lá chegou a noite, o pessoal se reuniu pra tomar um vinho e nã nã nã, enfim, foi uma noite agradável. Só que na hora de dormir ela estava esperando, sei lá, um quarto diferente pelo menos rolar alguma coisa… Ele virou pro lado e dormiu.  — Eles iam passar o dia seguinte inteiro ainda e ir embora no final da tarde. — 

No dia seguinte de manhã, quando ela acordou, ele já não estava mais na cama. Tinha uma galera que tinha ido embora, que só foi lá sabe assim? Passar o dia? E foi embora… E este cara tinha ido embora junto. Ele foi embora junto e largou a Karen lá na casa. — Vocês têm ideia do que é isso? — Ela, antes de constatar que ele tinha ido embora, ela procurou, ela perguntou… E aí, muito sem jeito, uma das meninas falou: “Olha, eu vi ele indo embora com Fulano”. E aí ele não atendia ligação, [efeito sonoro de chamada telefônica] ele não respondia mensagem… E ele largou a Karen na ilha. — De Angra dos Reis. — E aí ela ficou desesperada, chorou… E aí uma das meninas ricas lá se compadeceu e falou para ela: “Olha, eu vou embora umas cinco horas, vamo embora comigo”. A Karen não tinha outra opção, nem conhecia a menina, ficou lá na casa — porque as pessoas foram pra praia, voltaram, almoçaram e tal — e ela ficou lá na casa esperando, já com as coisas dela arrumada. Quando deu cinco horas, a menina falou: “Olha, eu te dou uma carona, vamo, né?” E essa menina, — que a gente pode chamar, sei lá, de Pâmela — a Pâmela estava de helicóptero. [risos]

E aí a Karen, mesmo com medo, muito medo, teve que entrar no helicóptero e pegar carona com Pâmela. Só que acontece que Pâmela mora em Alphaville, então elas vieram de Angra até Alphaville de helicóptero… — Vai, deixa eu botar um outro lugar aqui onde mora a Karen… — Digamos que Karen mora em Mauá… E, pra vir de Alphaville até Mauá… [risos] Que ódio… Quase sete da noite… A Pâmela deixou a Karen lá, desceram do helicóptero e tal dentro do condomínio e ela falou: “Olha, você vai chamar um Uber? Você quer que eu chame alguma coisa?”. E a Karen falou: “Não, eu já tinha dado trabalho demais pra menina… Falei: “Não, tudo bem, eu fico aqui na portaria do condomínio e peço um Uber”. — Só que Uber, gente, de Alphaville até Mauá. [risos] Não tem como… Muito caro. — E aí, ali para o porteiro, ela perguntou como que ela fazia, pelo menos pra chegar no centro de São Paulo, pra chegar ali em São Paulo no centro e tal, pra poder se virar.

E aí o cara falou: “Daqui você vai ter que pegar um Uber mesmo, porque o ônibus que passa aqui agora de noite é perigoso e tal, você vai ter que ficar num ponto isolado. Então, pega um Uber daqui até o centrinho de Alphaville, até o lugar lá que ele falou, de lá você vai pegar o ônibus tal e vai chegar… — Vai, X, na Praça da Bandeira… — E aí da Praça da Bandeira é metrô, trem… — Caminho de Mauá a gente sabe. — E aí foi isso que Karen teve que fazer pra voltar de Angra. Então, de Angra foi para Alphaville, de Alphaville 1000 baldeações até chegar na casa dela, e chegou por volta de uma da manhã. Tipo, correndo pra pegar o último trem, quase dormindo na estação pra ir direto trabalhar. — Então, a vida do trabalhador, do pobre classe C é isso aí. — E aí ela ficou, assim, muito mal, porque eles estavam namorando, gente… De conhecer família e tal e o cara fez isso… E aí ela mandou um textão, obviamente, e o cara nunca mais respondeu a Karen em nada. Bloqueou ela em tudo… 

Porque ela fez um comentário aí sobre os amigos e tal… — Que ela estava se sentindo mal, porque ela, como uma pessoa da classe trabalhadora, vendo a galera zoar ali… — E ele se ofendeu, se acha rico o rapaz. E aí eu não posso nem falar aquilo de “olha, gente, não vai viajar com quem vocês não conhecem”, porque ela estava com ele há sete, quase oito meses, estavam namorando firme, de conhecer família, tudo, né? Então o cara foi péssimo… — Péssima pessoa. — Então, essa é a história da Karen, ela agora falou pra mim, pelo menos ela andou de helicóptero. [risos] Com muito medo, mas andou. — Mas olha a realidade, né? Como é diferente… A pessoa que se locomove de helicóptero… Foi pra Angra, passou lá dois diazinhos e voltou de helicóptero. Dentro do condomínio dela o helicóptero parou.  Olha que doideira… — A Karen ainda falou: “Será que o helicóptero sobe, me leva? Me deixa em outro lugar?” . [risos] — Não, né, Karen? Não. [risos] — Ai, essa é a história da Karen.

[trilha]

Assinante 1: Oi, Déia, oi, ouvintes, meu nome é Mari, falo aqui da Bahia. Parafraseando Déia: O que dizer desse cara, né? Eu acho que uma pessoa que tem um desvio de caráter desse, capaz de fazer o que fez com Karen, não evolui. O que eu tenho a dizer e desejar é que ele esteja com uma namorada riquíssima, que jogue na cara dele e humilhe ele pela pobreza dele, igual ele gosta de ver os amigos dele fazer. Ou que ele esteja aí pagando divida de agiota pra sustentar um padrão e que esteja aí passando apuro com isso. E, assim, Karen, como diz Ariano Suassuna, né? “Coisa boa dá história ruim e coisa ruim dá história boa”, pelo menos serviu pra você contar essa resenha pra gente, pra você andar de helicóptero… Espero que você tenha comido muita lagosta, aproveitado bastante seu passeio [risos] e hoje vamos rir, né? É o que resta. Beijos a todos.

Assinante 2: Oi, aqui é a Thaís de São Paulo. E, Karen, essa viagem pra Angra, apesar de ter sido inconveniente, na verdade, foi um livramento, né? Porque imagina passar mais tempo se relacionando com um embuste desse… Não pense nem por um minuto que ele ficou bravo porque você falou mal dos amigos dele. Na verdade, ele ficou bravo porque você lembrou ele de quem ele é, que é uma pessoa da classe trabalhadora. Eu acho que ele tava vivendo uma fantasia de que andando com pessoas ricas ele também se tornava rico por osmose, e aí você lembrou ele de que, na verdade, ele, assim como a gente, tem que batalhar pra poder viver. Mas é isso, fica bem e pensa que foi um livramento. 

[trilha]

Déia Freitas: Comentem lá no nosso grupo do Telegram. Sejam gentis com a Karen. Um beijo e eu volto em breve. 

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.