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título: remédio
data de publicação: 06/11/2023
quadro: picolé de limão
hashtag: #remedio
personagens: alice e um cara

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. cheguei pra mais um Picolé de Limão. — E hoje eu não tô sozinha, meu publiii… — [efeito sonoro de crianças contentes] Quem está aqui comigo hoje pela primeira vez é o podcast “Ciência Suja”, um podcast narrativo e jornalístico que traz histórias onde a ciência foi deturpada. O podcast discute aí formas de como a própria ciência ajudou a contornar esses casos. O Ciência Suja já abordou temas como: eugenia, movimento antivacina, epidemia de opioides, excesso de partos cesáreas e a ciência suja das guerras. Na última quinta-feira, o Ciência Suja estreou aí a sua quarta temporada e essa será uma temporada temática sobre colonialismo na ciência, que pelo viés da ciência, é quando os grupos dominantes, em especial Europa, Estados Unidos — sempre eles [risos] — moldam o fazer científico e podem aí contaminar interpretações que, no fim, terminam contribuindo para mais desigualdades. 

Nessa quarta temporada, o podcast Ciência Suja abordará os seguintes temas: Ética só para brancos, a falta de representatividade na pesquisa, roubo de artefatos e apagamento de descobertas, algoritmos racistas e como unir ciência e conhecimentos tradicionais… — Gente, tá imperdível essa temporada. — Ouça o Ciência Suja aí no seu tocador de podcast favorito. Os episódios são publicados às quintas-feiras quinzenalmente. Então uma quinta sim, uma quinta não tem aí o nosso podcast Ciência Suja, maravilhoso… — Eu vou deixar o link aqui na descrição do episódio. — cienciasuja.com.br. E hoje eu vou contar para vocês a história da Alice. Então vamos lá, vamos de história a Alice. 

[trilha] 

A Alice ela é uma moça aí dos seus 30 anos que trabalha fora, enfim… — Faz metade do tempo até home office. — Ela tem um gatinho chamado Zézinho. E o Zézinho é um gatinho danado… — E já tem mais ou menos uns dois anos, ela pegou o Zézinho na pandemia, né? — E depois de um tempo de Zézinho sozinho, Zézinho muito danado, a nossa amiga Alice resolveu pegar um segundo gatinho. — E, gente, essa é uma dica que eu dou: Se você tem um gato só, ele vai ser muito mais problemático. Com dois gatos, esse gato um problemático, vai transferir os problemas para o segundo gato, então você vai ter mais paz, ele vai ter com quem brincar, vai ter com quem ser neurótico… Então é sempre bom. Isso vale para cachorro também. Cachorro é um pouco mais difícil, porque às vezes você pega, sei lá, dois cachorros que não se bicam, mas gato é um pouco mais tranquilo. Então, se você tem um bichinho só, um cachorro ou um gato, você pode pegar mais um, que financeiramente não tem tanta diferença e, mentalmente, para o animal vai fazer muita diferença, vai ser muito bom pra ele. —

Alice foi convencida a pegar o segundo gato e ela pegou um filhotinho chamado Zézito. Então ela adotou esses dois gatos, gatos vira—latas, incríveis. E aí Zézinho Pretinho e Zézito preto e branco… — E gato preto e branco é mais sistemático, né? — Mas os dois ali se dando super bem. Só que era uma época que ela estava em casa por causa da pandemia. Quando flexibilizou, Alice passou a trabalhar meio período fora de casa. Então, o que ela fez? Ela botou uma câmera na sala pra poder ver Zézito e Zézinho interagindo, brincando, enfim. Essa câmera foi colocada ali, sei lá, no começo de 2022… O tempo passou, Alice foi acompanhando os gatos pela câmera e esqueceu da vida. — E, assim, raramente ela olhava ali se os gatos estavam brincando, se não tavam… Você acaba fazendo as coisas do dia, né? Você deixa ali, se caso acontecer alguma coisa com seu gatinho, que é muito raro, tá dentro de casa, né? Você vai olhar as câmeras. Enfim, passou… —

A Alice conheceu um rapaz… Um rapaz excelente, pensa num cara bacana, gente boa… Rapaz super gente boa. E aí esse rapaz e Alice eles começaram a sair e o cara pediu a Alice em namoro… Então aquilo foi virando um namoro mais sólido, o cara amando os gatos assim, adorando Zézinho e Zézito… — Já adianto pra vocês que essa história não tem nada de maus tratos, os gatos são coadjuvantes na história, então fiquem tranquilos. — O tempo foi passando e a Alice — além de estar trabalhando meio período presencial agora — tinha retomado o mestrado, então ela estava com a cabeça muito cheia, muito cheia… Porque além de todo aquele rolê de ter que ir trabalhar num lugar longe, ela ainda tinha que estudar muito pra conseguir fazer as coisinhas do mestrado, né? E a Alice começou a ter insônia… Uma insônia braba. Tinha dias que ela não dormia mesmo. 

E aí depois de um tempo assim, já com a produtividade muito baixa, sendo cobrada no trabalho, né? Que ela acabou esquecendo as coisas, estava distraída, enfim, e não conseguindo também fazer as coisas do mestrado, porque ela mal dormia, Alice resolveu ir ao médico. E aí ela foi ao médico e depois da consulta, umas duas consultas, tentar um medicamento mais leve e não ter conseguido… Um mês depois ela voltou e ele deu um remédio pra ela um pouco mais forte. Alice tomava esse remédio e desmaiava. — Dormia real. — Só que às vezes ela acordava… Um dia ela acordou e ela tinha feito uma trança no próprio cabelo dormindo. Então, ela começou a ter uns episódios de sonambulismo… — Eu não vou falar o nome aqui do remédio, mas muitas pessoas já devem saber do remédio que eu estou falando, vamos chamar ele aqui de ZolpiPônei. —

Então ela tomava o ZolpiPônei e ela dormia realmente, só que, né? Também ali dava umas coisas nela. Mais um tempo se passou, esse cara super ajudando a Alice, porque às vezes ele dormia lá, né? Então via que ela tava, sei lá, mais alterada por causa do remédio e ele dava aquela força. E a Alice foi percebendo que aquele não seria um remédio para ela, né? Por questões de efeitos colaterais e muito por ela também não saber o que ela estava fazendo à noite. Ela conversou isso até com o próprio namorado e ele falou: “É, não, você tem razão e nã nã nã”. E aí ela trocou de médico e foi desmamando desse medicamento para tomar um outro medicamento e ela conseguiu se acertar lá com um medicamento que não fazia esse efeito… — Dela estar dormindo e fazer coisas dormindo. — Então ficou tudo ótimo. Só que nesse período entre ela começar a tomar o ZolpiPônei, ela desmamar o ZolpiPônei e começar um outro, foram três meses, né? 

E ali, dando dois meses que ela estava desmamando o ZolpiPônei — depois de um mês de ZolpiPônei punk assim —, o cara, o namorado dela começou a mudar com ela, começou a ser mais frio com a nossa amiga Alice. E ela estava colocando isso na conta dela dela estar tomando medicação… Tipo: “O cara tá achando o que de mim e tal, né?”, achou que ele tava ali com alguma questão, algum preconceito em relação a ela estar se medicando. E aí o relacionamento foi esfriando… — E, assim, gente, relacionamentos esfriam e acabam, né? Tudo certo? Tudo certo. — Mais um tempinho se passou e a Alice precisou pegar um dinheiro que ela tinha na poupança para poder ajudar a mãe dela numa coisa. Então, vai, eu não vou falar aqui que coisa que é, mas por exemplo, reformar o muro. “Filha, você pode me emprestar 10 mil reais para eu refazer o muro?”… — Gente, muro é caro… Já vou falando aqui para vocês que se for fazer um muro, dependendo do tamanho, a bica é 10 mil mesmo. —

Então a mãe da Alice pediu ali 10 mil reais emprestados, ela ia pagar 1.000 por mês para a Alice e a Alice falou: “Ah, é um dinheiro que eu tenho na poupança? Claro, é minha mãe, né? Vou emprestar”. No que a Alice entra no seu aplicativo de banco… Porque, assim, ó, pensa: Ela trabalhava com dois bancos, então vamos supor lá, o PôneiU e o Nupônei. O PôneiU é o banco que ela usa para fazer tudo e o Nupônei é o banco que ela usa para guardar dinheiro. Então no NuPônei ela nem entra, porque é um dinheiro que ela não vai mexer, que ela não tem cartão de crédito no Nupônei… Ela não mexe no Nupônei, ela só entra, sei lá, nesses casos assim de precisar fazer um pix para a mãe dela do dinheiro da poupança. Então, tudo que ela fazia, ela fazia no PôneiU, não no Nupônei. E aí ela entrou lá, botou pra destravar o aplicativo com o rosto dela… Quando ela entrou no Nupônei, cadê o dinheiro da Alice? O dinheiro da Alice não estava lá. 

E aí ela ficou procurando tal e ela viu que ela tinha pago alguns boletos do PagSeguro… E eram boletos que ela tinha feito pagamentos em horários, assim, tipo de manhã, de madrugada… Horários, assim, que ela estava dormindo, como que ela fez pagamentos do PagSeguro? Digamos que ela tivesse 16 mil na poupança — ela ia emprestar 10 para a mãe dela —, ela fez pagamentos tipo de quinze mil oitocentos e pouco, ela tinha menos de 200 reais na poupança. [efeito sonoro de tensão] O que aconteceu? — Que o dinheiro que ela tinha deixado no Nupônei sumiu? — E aí ela falou com a mãe dela ali, que ia ver o que tinha acontecido e que ia ver o que tinha rolado… Porque foi um golpe… Gente, concorda? Foi um golpe isso aí. Ela falou: Eu não paguei nada… Que boletos são esses do PagSeguro e tal?” e ela viu que lá era um nome do PagSeguro tipo como se fosse uma loja virtual. E aí ela então entrou em contato com o PagSeguro, foi ver aquele CNPJ e pelo CNPJ ela chegou numa pessoa… Essa pessoa ela não sabia quem era, mas ela conseguiu um telefone e ela ligou para essa pessoa e ela falou: “Olha, eu não fiz compras na sua loja, não sei o que”. 

Esta mulher que atendeu era uma senhora… Ela falou: “Olha, essa era a minha loja mesmo, só que eu não estou mais usando… E quem usou a conta da minha loja esses tempos foi o meu sobrinho”. A hora que a mulher falou o nome do sobrinho e o contato do sobrinho… Quem era o sobrinho? O sobrinho era o ex—namorado da Alice. E aí a Alice ficou em choque, porque ela tinha acabado de descobrir que o cara que ficou com ela por, sei lá, oito meses, quase nove meses, no finalzinho do namoro tinha dado um golpe nela e conseguido fazer ela pagar os boletos dormindo. Provavelmente ele destravou o celular dela sei lá em que momento, né? Enquanto ela… — Porque ela até andava, ela chegava a andar pela casa. — E aí ela ficou muito mal, por que como que ela ia provar que ela não pagou esses boletos para ele? Porque quem destravou o celular foi ela, não tinha como ele destravar… 

E aí ela ficou naquelas, conversou com as amigas, ninguém sabia o que fazer, “vamo procurar um advogado, vamos na polícia, não sei o que” e ela estava chorando… Ela estava ali sentada na sala, chorando… E aí veio Zézinho e Zézito e, conforme eles vieram, ela lembrou da câmera. Era um jogo de loteria? Era um jogo de loteria, porque ela podia ter feito as transações no quarto, mas era um jogo de loteria e ela voltou as datas… Ela tinha uma câmera, um sistema que gravava por dia e arquivava. Ela tinha mais ou menos uns três meses ali para ela poder olhar do último tempo ali que ela estava com esse cara… E ela foi olhando dia por dia, acabou vendo esse cara mexendo na bolsa dela, acabou vendo várias outras coisas, assim, que ela jamais imaginou que ela fosse ver. Mas no dia que ela fez os pagamentos de boleto, que foram todos no mesmo dia, ela lembra que foi o dia que ela decidiu que ela ia desmamar do remédio, né? E aí ela foi olhando e tal, horário por horário e ele desbloqueou o rosto dela com o celular… Ela veio do quarto, ele trazendo ela pela mão, levou ela até a cozinha… Ele não sabe se ela tomou água, se ela não tomou, porque ela voltou meio que limpando a boca, talvez ele tenha dado outro remédio para ela… — Mais um? Ela não sabe… —

Botou ela sentada na mesa, tentou que ela assinasse um papel que ela não sabe o que que é, porque ela não conseguia assinar… Mas ele conseguiu desbloquear o rosto dela com o celular. — Gente, isso é muito sério… Isso é muito sério. — E aí, com essas imagens, ela fez um boletim de ocorrência e abriu um processo contra ele, tanto criminal quanto civil. Esse cara tomou um susto, porque no processo civil a advogada que ela arrumou resolveu entrar em contato com ele… No mesmo dia que ela foi fazer o B.O. ela já tinha um advogado e a advogada resolveu entrar em contato com ele para contar tudo. E aí ele assustou muito e começou a falar que ia devolver, porque ela falou que tinha imagem, que ia devolver, que ia devolver… A família dele se mobilizou e, em uma semana, o cara devolveu o dinheiro da Alice. Só que a Alice não tirou o boletim lá criminal, ficou pra investigação e tal. E aí essa parte da investigação aqui eu não vou falar, essa parte criminal… 

Mas ela conseguiu o dinheiro de volta graças a ele ter colocado ela na mesa… Ela não sabe o que ele tentou que ela assinasse, se uma procuração… Ela desconfia que pode ser o documento do carro dela, você já imaginou, gente? O papel que fosse que ele pediu para ela assinar, já estava na mesa… Só que ela não conseguia assinar. Mas desbloquear o rosto dela ele conseguiu com o celular. Então, né? É mais uma coisa que eu jamais imaginei na vida que a pessoa pudesse tá dormindo, ficar de olho aberto e desbloquear o celular. — E aí você faz o quê? Não tem o que fazer, né, gente? É mais um tipo de golpe aí que só vai acontecer, óbvio, com alguém muito próximo a você, dentro da sua casa se você estiver tomando o ZolpiPônei… Enfim, né? — Isso me deixou muito assustada… Resolveu? Resolveu. Mas a que preço, né? Que nem a Alice falou: “Ele podia ter feito qualquer coisa comigo”, eu estava ali entregue… 

Então, ah, tem gente que se dá super bem com o ZolpiPônei? Tem. A gente não tá aqui falando mal do medicamento, né? — Mesmo porque é um medicamento que existe, é testado e é utilizado por muita gente. — Mas no caso da Alice não deu certo. E o cara, que era o namorado dela, conseguiu aplicar um golpe, fazer com que ela desbloqueasse o celular para ele pagar os boletos enquanto ela dormia. — Eu estou chocada. Real, real… — O dinheiro foi devolvido, mas também porque a advogada falou pra ele que ia arrolar a tia dele, porque a conta era da tia, né? Então aí a família dele lá se mobilizou, até uma irmã do cara entrou em contato com a Alice e tal e a Alice falou: “Olha, primeiro eu quero meu dinheiro”, e aí resolvido o dinheiro, ela bloqueou todo mundo, porque aí a Justiça que decida essa questão criminal.

[trilha]

Assinante 1: Olá, Déia, olá, Não Inviabilizers, meu nome é Jéssica e eu falo aqui de Aracaju, Sergipe. Alice, que sufoco que você passou… Sua história prova duas coisas, a primeira é que nada é por acaso, né? Você adotou os dois gatinhos, colocou a câmera e ela serviu para te livrar de algo que você nunca imaginar, do golpe que você sofreu. Fico muito feliz por isso. E outra coisa que eu fiquei muito feliz é que você não desistiu de seu processo criminal, porque assim como ele fez com você, provavelmente ele fez com outras pessoas, ou se não fez, ele faria. E agora com certeza ele ficará inibido de fazer. Então, apesar de tudo, feliz que você conseguiu resolver… Triste pelo susto, mas que bom que deu certo. 

Assinante 2: Oi, Não Inviabilizers, meu nome é Raíssa, eu sou de Belo Horizonte. Primeiro, gostaria de falar pra Alice que eu fico feliz que ela esteja num outro tratamento, que ela conseguiu reaver o dinheiro e espero que ela esteja melhor da cabecinha. O segundo ponto é que eu sou psicóloga e eu vim falar sobre o ZolpiPônei, é importante saber que ZolpiPônei ele é uma medicação controlada, mas é uma medicação, é estudada, né? Então, assim, a gente acha que tem sido muito divulgado os possíveis danos do ZolpiPônei, mas é importante que a gente saiba que com o controle efetivo, com uma psicoterapia envolvida, ele pode ser um remédio bastante aliado no combate à insônia. Ele é um remédio que ele requer alguns conhecimentos antes de você usá-lo, por isso que é tão importante o acompanhamento. Uma das principais causas desses danos do ZolpiPônei é tomar ele sem o acompanhamento médico psicoterápico. Então, é isso, gente, um beijo e juízo. 

[trilha] 

Déia Freitas: O Ciência Suja é um podcast narrativo e jornalístico, que conta histórias de fraudes científicas e seus prejuízos aí pra toda a humanidade. Essa temporada terá cinco episódios no total — eu já citei os episódios aqui no começo desse nosso episódio — e eles serão lançados quinzenalmente, sempre às quintas-feiras. O próximo é nessa quinta agora, dia 9 de novembro. Ouça o podcast Ciência Suja aí no seu tocador de podcast preferido. — Valeu, podcast Ciência Suja, um beijo, galera… — Um beijo, gente, e eu volto em breve. 

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.