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título: renascer
data de publicação: 22/12/2023
quadro: especial de natal
hashtag: #renascer
personagens: dona edna

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Especial de Natal Não Inviabilize, da nossa família para a sua. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para o nosso episódio de Natal. — E antes de começar eu quero deixar aqui os meus tradicionais números aí para a Mega Sena. Esse ano eu estou me sentindo pé frio, acho que não vai dar nada, mas vou aí contribuir com os meus números. Então anotem, lá vai: 04, 12, 23, 36, 57 e 59. Repetindo: 04, 12, 23, 36, 57 e 59. [risos] Boa sorte aí pra quem for jogar e, se ganharem, mandem aqui pra mim umas batatas.[risos] Amo… — Olha, eu preciso avisar que o episódio de Natal é um episódio tristonho. Então, preparem aí os lencinhos e é isso… Para esse ano o que temos é um episódio mais triste, mas também uma história importante que Dona Edna, hoje uma senhora nos seus 78 anos, gostaria de escutar aqui. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha] 

A história da Edna começa num Natal… A Edna foi abandonada na porta de um convento numa noite de Natal. — Nos anos 40. — Ela foi acolhida ali pelas freiras e foi criada num orfanato — na época se chamava “orfanato” — de freiras, cresceu ali naquele orfanato, estudou num colégio de freiras, passou vários natais nesse orfanato, cresceu, enfim… E, quando ela estava ali mocinha,, com seus 17 anos, ela conheceu um rapaz chamado “Ronaldo” e se casou [efeito sonoro de sinos soando] com Ronaldo. O casamento da Edna com o Ronaldo sempre foi maravilhoso, um casamento que a cada ano ficava melhor. Eles tiveram dois filhos, o Kléber e o Paulo, os meninos cresceram ali, felizes, fortes, estudaram bastante e depois foram pra colégios técnicos do Exército. Eram colégios fora da cidade que eles moravam, então os meninos vinham só na época de Natal. Eles vinham geralmente na semana do Natal, mas em um Natal específico, quando Edna tinha 40 anos, Ronaldo tinha 44, Kléber, 21 e o Paulo com 20, os meninos viriam pra cidade na véspera do Natal. 

Tinham acontecido umas comemorações lá no colégio — que eles estavam fazendo esse curso técnico preparatório para a faculdade que eles iam fazer — e eles atrasaram, ficaram com os amigos, enfim, e pegaram um ônibus que chegaria no dia 24, às 18h30. — Então Ronaldo buscaria os meninos na rodoviária esse horário. — Edna ficou em casa arrumando as coisas e Ronaldo partiu para a rodoviária para buscar os meninos. — A rodoviária era longe, então você tinha que pegar uma estrada. – Eles não faziam a ceia meia-noite, então os meninos iam chegar com fome, né? — Eles chegariam, o ônibus chegaria por volta de 18h30, 18h45 mais ou menos, estourando 19h se atrasasse, no máximo 19h40 o pessoal ia estar em casa, tomam um banho rápido e 20h eles iam estar ceiando ali, no máximo… 

Então ela calculou, já ajeitou tudo, falou: “Bom, eu não posso deixar o peru no forno tanto tempo, vai ficar seco… Vou tirar um pouco, depois põe um pouco”, enfim, fez os cálculos ali… O tempo foi passando, deu 19h, deu 19h30, deu 20h, deu 20h30 e nada… Nada do Ronaldo chegar com os meninos. Era anos 80, não tinha celular, era telefone fixo e olhe lá… — Quem tinha telefone fixo em casa… — E, no caso ali, a Edna não tinha. Pra ligar pra rodoviária ela teria que ir no vizinho dela — que era ali o Hélio — pra poder ligar na rodoviária para saber se o ônibus tinha chegado, porque, de repente, aconteceu alguma coisa com o ônibus, né? E ela foi no vizinho dela, no Hélio e falou: “Hélio, será que você tem o telefone da rodoviária? Pode procurar aí na lista telefônica?”. — Que era uma coisa da época, gente, a gente tinha a lista telefônica, e aí você vasculhava a lista telefônica e achava o número, geralmente rodoviária, estabelecimentos comerciais ficavam nas páginas amarelas da lista telefônica e residências ficavam nas páginas brancas, aí você achava o número da rodoviária e ligava. — 

Aí o Hélio falou: “Pode ficar tranquila que eu vou ligar na rodoviária e já te falo”. A Edna de voltou pra casa, o Hélio ligou na rodoviária e ficou sabendo que o ônibus chegou no horário normal, nem atrasar atrasou. Foi lá e falou pra Edna, falou: “Olha, o ônibus chegou no horário normal. O que aconteceu?”. Aí a Edna falou: “O Ronaldo não chegou com os meninos ainda”, aí o Hélio já ficou preocupado, voltou pra casa dele… Edna, que estava fazendo aquilo de bota o peru forno, tira o peru do forno, tinha tirado o peru do forno e tinha sentado no sofá. Nessa hora… — Aqui a gente tem que voltar na época que Edna morava naquele convento, naquele orfanato ligado ao convento. — Tinha uma freira nesse convento — que a gente vai chamar ela aqui de Irmã Sabine —, ela era holandesa, só que ela morava muitos anos no Brasil em missões que ela veio pra cá e acabou ficando aqui e ela tinha um apego muito grande na Edna. 

E ela tinha falecido, coincidentemente, na época de Natal. — Era um trauma que a Edna tinha. — Conforme a Edna estava sentada no sofá, ela viu a irmã Sabine. — Na frente dela… — Muito iluminada, Irmã Sabine não falou absolutamente nada, apenas sorriu, votou a mão na cabeça da Edna do jeito que ela sempre fazia — Sabe uma maneira carinhosa? Quando você bota a mão na cabeça da criança? Ela fazia muito isso com a Edna — e nisso a Edna adormeceu. — Isso era o que? Quase 21h da noite, a Edna adormeceu. — Paralelo a isso, o vizinho dela, o Hélio — que tinha ficado preocupado — resolveu pegar o carro e fazer o caminho até a rodoviária para saber o que tinha acontecido, porque ele notou que a Edna estava muito preocupada. No caminho, ele viu um acidente e parou… O acidente era de um caminhão com um carro e no carro estava Ronaldo e os dois meninos. [música triste] 

Ali, quase natal, a Edina tinha acabado de perder toda a sua família. O Hélio, que era muito amigo do Ronaldo, ficou desesperado ali, começou a gritar… Já tinha chegado a polícia Rodoviária e tal… — Pra vocês terem uma ideia, eles não conseguiam acessar as pessoas do carro para pegar documento para saber quem eram. — E aí o Hélio conseguiu avisar para o policial rodoviário quem era, passar os dados e tal, preencher as coisas ali… Conseguiu ligar para um irmão do Ronaldo, pro irmão do Ronaldo vir, enfim… Para dar sequência ali nas coisas que tinha que fazer porque precisava de um familiar ali. — Ele não quis, na hora, o Hélio, passar o telefone da Edna… Na intuição. Ele não quis. — Foi chegando mais familiares e tal… E aí ele notou uma freira e essa freira se apresentou pro Hélio com um sotaquezinho, assim, de pessoa estrangeira… “Oi, eu sou Irmã Sabine, tudo bem? Você é amigo? É vizinho da Edna, dos familiares?” e ele falou: “Sou sim”, ela falou: “Será que você podia voltar? Que a Edna tá sozinha e ela vai receber a notícia daqui a pouco… Ela precisava ter alguém lá com ela”. 

Ele voltou e encontrou a Edna dormindo na poltrona e, quando ele acordou a Edna, já chegou ali as cunhadas, as irmãs do Ronaldo gritando e tal e foi assim que ela recebeu a notícia e o Hélio estava ali com ela. E foi o pior dia da vida da Edna… A partir dali, a Edna nunca mais comemorou o Natal. A Edna sempre muito amargurada, sempre muito questionadora do porque ela… — Inclusive, desde que ela foi abandonada neném na porta do convento… Ela cresceu muito nesse ambiente católico, então ela sempre questionou muito Deus nessa época, inclusive brigando muito com o padre Mauro, que é um padre divertidíssimo, que ela sempre falava: “Por que tudo comigo, padre Mauro?”, e ele fala tipo: “Por que não com você? Por que com você tem que ser diferente? É com tanta gente”. E é aquilo que eu falo, né? Que ninguém é especial. Foram dez anos — depois que ela perdeu o marido e os filhos — muito sombrio. 

Dez Natais que ela mal lembra como foram porque ela nunca mais comemorou. Até que um dia, numa véspera de Natal, o Hélio, vizinho de Edna, viúvo porque tinha perdido aí a sua esposa num infarto fulminante… — Também perdeu a esposa de um jeito muito repentino… — Muito antes da família da Edna morrer, o Hélio já era viúvo, já tinha perdido a esposa. Ele apareceu na porta [efeito sonoro de campainha tocando] da Edna com uma farofa e um arroz com passas. — Que era o que ele sabia fazer, porque ele tinha medo de fazer o peru. — E aí a Edna deu risada, eles comeram a farofa e o arroz com passas e dali nasceu um afeto. Agora a Edna já estava com uns 50 anos, o Hélio ele estava com seus 55 anos… Ali nasceu um namoro, que virou um noivado, que virou um casamento na Igreja Católica, celebrada ali pelo padre Mauro que falou pra Edna: “Tá vendo? Agora você não fala “por que você””. [risos] Já amo o padre Mauro jogando na cara. [risos] 

Ambos viúvos, então na Igreja Católica, se você é viúvo, você pode casar de novo, né? Na igreja… Enfim, não entendi muito o conceito, mas se você é divorciado, separado, não pode… Se você é viúvo, você pode casar na igreja de novo. Então, como os dois eram viúvos, eles casaram na igreja. — O casamento maravilhoso e ali a Edna renasceu, né? Eles curtiram pra caramba, um casamento maravilhoso, eles viajaram muito, mega parceiros ativos na igreja. Padre Mauro sempre jogando na cara da Edna [risos] a época que ela ficava amargurada falando “tudo eu, tudo eu”, “fala agora, Edna”, [risos] amo o padre Mauro. [risos] Já com cinco anos de casamento, um fevereiro ali depois do carnaval — quarta-feira de cinzas, assim — o Hélio começa a se sentir muito cansado, uma dor ali nas costas que parece que irradiava para o abdômen… 

Eles foram fazer uns exames e o Hélio descobriu que ele estava com um câncer no pulmão que já tinha metástase. Bom, ali eles começaram uma luta pela vida do Hélio, tratamento… Só que o tempo foi passando e o Hélio não foi melhorando. E o Hélio, muito brincalhão, — mesmo na doença — ele falava: “Meu Deus, Edna, eu só não quero morrer no Natal, eu só não quero te dar mais esse desgosto no Natal” e ria. Só que o tempo foi passando e o Hélio foi sentindo que realmente o fim dele estava próximo e estava próximo no Natal. E aí o Hélio chamou a Edna para uma conversa, o tratamento já não estava fazendo efeito, o Hélio entrou no tratamento paliativo e ele falou para Edna: “Eu fui seu vizinho a vida toda e eu vi o quanto você se amargurou e o quanto você se entristeceu na perda do Ronaldo e dos meninos, eu não quero que isso volte a acontecer. Então, se para você voltar a ser feliz quando eu partir for preciso que você me esqueça, Edna, eu quero que você me esqueça. Eu quero que você me esqueça completamente, pra que você seja feliz de novo. Eu não quero que você fique mais tempo nenhum remoendo o que a gente passou, lamentando o que você perdeu… Eu quero que você me esqueça” e ali eles choraram e a Edna se despediu do Hélio. 

O Hélio optou por partir em casa e, no dia 24 de dezembro, numa manhã, a Edna viu na cabeceira da cama do Hélio, a primeira esposa dele, o Ronaldo, os dois filhos dela e a Irmã Sabine… Todo mundo que tinha morrido e que tinha participado da vida da Edna ali, amparando o Hélio. E, nessa hora, ela tomou um choque… — Porque, como eu disse, a Edna é muito católica, então ela não sabe como explicar as coisas que ela viu, né? — E nessa hora ela adormeceu e, quando ela adormeceu e acordou, o Hélio já tinha partido. Nesse Natal ela passou a noite de Natal ali esperando que o corpo do Hélio ficasse preparado para o outro dia ter o velório e o enterro. Só que a partir daí, a Edna — que ali estava com 55 anos — realmente resolveu seguir o conselho do Hélio e ressignificar mesmo. 

E ela falou: “Andréia, eu renasci quando eu casei com Ronaldo, eu renasci quando eu tive meus filhos, eu renasci quando eu casei com o Hélio e eu renasci quando o Hélio morreu”. Eu virei outra pessoa, eu fui viver minha vida, eu fiquei ainda mais ativa na igreja, eu tenho meu grupo de amigas até hoje…”. — Hoje ela está com 78 anos, quase 79. — “Continuo viajando como eu viajava com o Hélio, gosto muito do Natal, consegui ressignificar o Natal e transformar essa data numa data de muito carinho pelas pessoas que eu pedi e sempre perdi no Natal… Inclusive, minha vida começou perdendo minha mãe, que não sei quem é, o meu pai que eu não sei quem é, numa noite de Natal, mas foi a noite que eu ganhei a Irmã Sabine, né? Então, Natal para mim é uma data de renascer e de ressignificar as coisas”. Vocês sabem que eu sou uma pessoa como o padre Mauro, né? Não acho que ninguém é especial, não acho que as coisas aconteçam com a gente porque a gente merece ou deixa de merecer, eu acho que a vida vai acontecendo com todo mundo, as coisas acontecem… 

Eu também perdi toda a minha família e nem por isso eu acho que eu sou “ah, iluminada” ou “ah, aprendi alguma coisa com isso”, enfim, não é bom perder familiar que você ama. — É horrível… — “Ah, você tira lição disso”, poxa, tem gente que não tira lição nenhuma porque realmente é horrível, enfim… Tem gente que supera, tem gente que não supera, aqui a Edna, e o que ela traz pra gente é que, sim, tem gente que vai conseguir, como a Edna, renascer e seguir sua vida, tem gente que vai ser mais difícil e vai precisar de apoio, vai precisar de ajuda. As pessoas não são iguais… Eu gosto muito de dizer que as coisas se ajeitam, a gente pode dar uma forcinha para a vida, que as coisas se ajeitam. Eu fico feliz que a Edna encontrou uma maneira de renascer e ressignificar o Natal para ela, que hoje, sim, é uma data feliz, é uma data que ela consegue lembrar da sua família, tanto de Ronaldo, dos filhos e da Irmã Sabine, do padre Mauro que também já se foi, do Hélio, todo mundo com muito carinho. 

Hoje ela tem uma árvore de Natal, onde nas bolinhas ela põe a foto das pessoas que ela ama. Eu achei isso muito legal. — Só a parte que o pessoal apareceu que aí não é minha praia, [risos] não curto. — Mas eu acho que é isso, Natal de Ressignificado e eu queria deixar isso para vocês, para a gente ressignificar momentos. Ou como disse o Hélio: “Se para você poder seguir em frente você precisa esquecer pessoas, esquecer fatos”, esqueça, esqueça, apague… Eu achei isso muito tocante, assim… [música de natal] E eu queria dedicar esse episódio — que é um Luz Acesa do bem — a um senhorzinho que faleceu, o Senhor Expedito Ferreira, lá de Barbacena, Minas Gerais, e a filha dele, a Fernanda… Ela me escreveu e disse que o seu Expedito ele era um fã nosso e o quadro que ele mais gostava era o Luz Acesa, então, esse episódio é dedicado aí a Seu Expedito Ferreira, eu deixo aqui os meus sentimentos aí a família. 

Então é isso, gente, um bom Natal para todos para quem é de Natal. Para quem não é de Natal, um bom dia 25. Para quem curte a data, espero que vocês passem aí com quem vocês amam. Para quem está longe de quem ama, pensa que é só mais um dia, que logo você vai estar perto. Pra quem não tem com quem passar o Natal, ressignifique essa data, é só mais um dia também. Amanhã é outro dia. Um beijo, fiquem com Deus para quem é de Deus, fiquem com Alá pra quem é de Alá, fiquem com o Buda, para quem é de Buda, fiquem com Oxalá, para quem é de Oxalá e assim por diante. Eu amo vocês e a gente se vê aí na retrospectiva na semana que vem. Um beijo e eu volto em breve. Feliz Natal. 

[vinheta] Especial de Natal é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [trilha] 

Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.