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título: amanhecer
data de publicação: 30/12/2022
quadro: amanhã é um novo dia
hashtag: #amanhecer
personagens: fabrício

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Especial de Ano Novo, um especial que é a cara do Não Inviabilize. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra nossa última história de Ano Novo. Esse ano focando em esperança e falando um pouquinho sobre solidão. — Atenção: essa história pode despertar gatilhos em relação a tentativa de suicídio. — E hoje eu vou contar pra vocês a história do Fabrício. Bom, então vamos lá, vamos de história.


[trilha]


O pai do Fabrício tinha morrido quando ele era muito pequeno e ele não tinha lembranças do pai. Então cresceu ele e a mãe. Quando Fabrício estava ali com seus 26 anos, já tinha terminado a faculdade, já estava com um emprego bem encaminhado, a mãe dele teve um problema de saúde e faleceu. Fabrício ficou amparado financeiramente, né? A mãe tinha deixado um apartamento pra ele e ele estava bem empregado, então, assim, não era uma questão financeira… Mas Fabrício ficou muito sozinho. Ele tinha ali uma amizade, uma cumplicidade, uma história muito bonita com a mãe. E foi uma perda muito difícil pra Fabrício e tentar superar um pouco.


O tempo foi passando, Fabrício foi ali até promovido, ele estava ótimo no emprego… Ele tinha colegas de trabalho, às vezes ele saía para happy hour, assim, aparentemente tudo bem. Mas depois da morte da mãe, o Fabrício se sentia muito sozinho. E ele chegava em casa ali no apartamento, ele tinha já feito uma reforma, tinha pintado… Então, às vezes ele achava que tinha sido um erro apagar ali memórias que ele tinha da mãe no apartamento, mas ao mesmo tempo era meio insuportável, enfim… Até que Fabrício resolveu vender aquele apartamento. Era um lugar que trazia boas recordações, mas trazia também muita saudade da mãe. E Fabrício assim fez… Fabrício vendeu aquele apartamento de três quartos e comprou um apartamento de dois quartos. — Um apartamento menor que só para ele estava ótimo, num bairro vizinho. — Ele quis mudar até de bairro.


Ele ficava pouco em casa, né? Então, ele conhecia muito pouco ali os vizinhos, mas ele sacou que era um prédio, assim, de vibe bem mais idosinha… Tinha mais idosos no prédio, então você quase não ouvia barulho de nada, enfim, estava ótimo para Fabrício assim. Os anos foram passando, né? — Naquele apartamento novo de Fabrício, ele no mesmo emprego… — E chegava final de ano, o Fabrício comprava ali uma pequena ceia pronta pra ele e ele comia. Às vezes abria um espumante, às vezes abria um vinho e comia ali sozinho. — Era o jeito que ele gostava de passar o Ano Novo. — Até que, naquele fatídico ano, o Fabrício já vinha se sentindo muito sozinho e muito vazio, muito sem vontade de nada. E, naquele ano, o Fabrício resolveu que ele não compraria uma ceia. [música triste]


Chegou 31 de dezembro, Fabrício não comprou a ceia, não comprou nada… As horas foram passando e Fabrício resolveu fazer aquela lista de resolução de Ano Novo. — Quais seriam as metas dele para o próximo ano… — E ele percebeu que ele não tinha metas, ele não tinha desejos, ele não tinha ambições, ele não tinha mais vontade de fazer nada. E ali onde Fabrício deveria escrever as metas dele para o próximo ano, ele começou a escrever uma carta. Isso já era umas oito horas da noite… Fabrício ali no meio daquela carta… De repente, a campainha toca. [efeito sonoro de campainha tocando] — Foi o apartamento, não foi interfone… Foi a campainha. — Fabrício já tinha ali pelas sete horas, ele já tinha tomado banho, ele tinha colocado uma roupa para passar o Ano Novo. — Que era, assim, pelo menos uma coisa que ele fazia, né? — Estava ali bem vestidinho, mas ele não tinha comprado, não tinha comprado nada, só tinha um espumante ali que ele ia abrir por volta da meia noite. E ele não tinha chamado ninguém… [efeito sonoro de campainha tocando]


E aí tocou a campainha ali do apartamento dele e ele foi muito, assim, sem entender, ver quem estava ali. Quando ele abriu a porta, tinha uma idosinha, assim, muito bem arrumadinha, cheirosinha e falou: “Oi… Oi, vizinho”, aí ele falou: “oi”, e ela se apresentou, falou: “Oi, eu sou a dona Odete, eu sou sua vizinha aqui debaixo, do segundo andar, tô bem embaixo do seu apartamento, e eu vou passar o Ano Novo sozinha, será que eu posso passar o Ano Novo aqui com você?” e o Fabrício olhou, falou: “Meu Deus do céu e agora? Uma idosa aqui? Eu vou passar o Ano Novo com uma essa idosa?”, e aí ele foi educado, né? Ele falou: “Claro, pode”. E a idosinha já foi entrando, e dona Odete já foi conversando com ele, já foi contando da vida, já foi contando do prédio e das coisas ali… E o Fabrício meio tonto ainda com dona Odete ali falante, mas aí ela já começou a fazer graça, ele já começou a rir… E ela contou que ela tinha perdido o marido fazia uns anos e que ela morava sozinha no apartamento debaixo e que era ótimo estar conhecendo ele, porque agora eles podiam fazer coisas juntos. [risos] 


E que, ai, ela não tinha feito nada também para a ceia, mas tudo bem, porque ela já tinha jantado e perguntou o que ele jantou. Enfim, eles ficaram ali conversando… O Fabrício não viu a hora passar, deu meia noite, [efeito sonoro de fogos de artificio] ele abriu aquele espumante junto com dona Odete. [efeito sonoro de líquido sendo despejado] Dona Odete disse que não podia beber porque ela era diabética e já emendou uma história ali sobre o diabetes dela, o que tinha acontecido e nã nã nã e eles ficaram conversando ali, sentados no sofá. Até que Fabrício não lembra mais e ele pegou no sono… [efeito sonoro de galo cantando] Quando Fabrício acordou já era de manhã, o espumante estava do lado ali do sofá, porque ele pegou no sono, no sofá, né? Ele deitou no sofá. Ele estava coberto com uma manta no sofá. Ali dona Odete tinha tinha coberto ele… E por que ele acordou? O Fabrício ele estava já com uma mania de não abrir nenhuma janela…. — Do apartamento, o apartamento ficava muito escuro… — E dona Odete tinha aberto todas as janelas. Então ele acordou com aquela claridade, aquela luz do sol entrando no apartamento e aquilo deu um ânimo no Fabrício…


Dona Odete tinha falado tanta coisa boa para ele e agora ele tava ali acordando, aquele sol entrando na casa dele… E ele se sentiu bem real assim, né? E aí ele foi, levantou, ele falou: “Quer saber? Eu vou fazer um café da manhã aqui, uma omelete, umas coisas, vou na padaria, deixar tudo arrumadinho e, quando eu voltar, eu vou passar lá na dona Odete e chamar ela pra tomar café comigo”. Era o dia primeiro do ano, então não tinha praticamente nada aberto. E, nossa, o Fabrício penou para achar um lugar aberto, achou uma conveniência que tinha uns croissants, umas coisas, uns pães de queijo, comprou pra fazer um café ali da manhã, né? Comprou uma garrafa de suco de laranja e tal pra chamar dona Odete, mas ao mesmo tempo ele pensou: “Ela é diabética, será que ela pode comer essas coisas? Enfim, todo caso a gente bate um papo ali de manhã e tal”. — Ele estava com outro ânimo… —


Fabrício desceu ali no segundo andar — ele morava no terceiro, né? — e tocou ali no apartamento de dona Odete. [efeito sonoro de campainha tocando] Tocou uma, tocou duas, tocou três… — Era o apartamento bem abaixo dele e ninguém atendeu… — Ele falou: “Ué, será que dona Odete saiu cedo? Enfim, eu não vi nem a hora que ela foi embora, peguei no sono… Preciso me desculpar também em relação a isso”. Enquanto ele estava ali pensando e tocando a campainha com aquelas coisas de café da manhã na mão, o apartamento em frente abriu a porta. [efeito sonoro de ranger de porta] Quem saiu do apartamento de frente era a dona Mirtes. E dona Mirtes estava ali, tinha chegado de madrugada da casa das filhas onde ela passou o réveillon, né? E ela morava sozinha também ali. E dona Mirtes que que o Fabrício não conhecia…. — Ele não conhecia ninguém praticamente daquele prédio, né? — Perguntou pra ele: “Oi, eu acho que você está no apartamento errado, né? Não tem ninguém morando aí”. Ele falou: “Não, eu acho que eu estou no apartamento certo sim… A dona Odete não mora aqui?”.


E aí dona Mirtes assustou, falou: “A Odete?”, ele falou: “É, a dona Odete, uma senhorinha, assim, baixinha, de cabelo bem branquinho, magrinha. E ontem ela foi na minha casa, a gente passou o Ano Novo juntos e tal” e ele começou a falar e a dona Mirtes foi ficando pálida… Dona Mirtes falou: “Filho, entra aqui”. E aí ele com aquelas coisas de café da manhã entrou ali na casa do Mirtes, colocou as coisas ali no chão, assim, as sacolinhas, né? E ela falou: “Senta aqui… Como é que é? Você passou o Ano Novo com a dona Odete?”, ele falou: “É, eu passei, foi muito agradável, a gente conversou bastante e nã nã nã”. Aí dona Mirtes sentou, assim, tinha pedido pro Fabricio sentar, sentou do lado dele e falou: “Filho, a dona Odete faleceu já tem uns seis anos… Quando você mudou para cá, ela já tinha falecido fazia tempo. Então é impossível que você tenha passado o Ano Novo com a Odete”.


E aí o Fabrício deu aquela assustada… — Porque nem em fantasma ele acreditava… — Dona Mirtes correu pegar uma foto da Odete e ele falou ela: “É ela, eu passei o Ano Novo com ela”. Aí dona Mirtes falou que era impossível, que ela estava morta há muitos anos e que o apartamento ainda estava fechado… — Seguia fechado porque tinha um problema no inventário que eles não conseguiram resolver. — E dona Mirtes era quem fazia a manutenção do apartamento. Então, pra não ficar muita poeira e tal, os parentes já tinham tirado todas as coisas, então já estava só o apartamento mesmo vazio para resolver essa questão do inventário, pra ver se vendia ou se algum parente ia morar, enfim, e ela cuidava do apartamento. Aí ela vendo que o Fabrício não acreditava, ela falou: “Vamos lá, eu vou te mostrar”. [efeito sonoro de porta sendo destrancada] E quando eles entraram lá no apartamento da dona Odete ele estava completamente vazio. — Estava limpo porque era dona Mirtes que fazia essa manutençãozinha ali, né? A família pagava para ela cuidar do apartamento. — E a única coisa que tinha no chão daquele apartamento era um papel amassado… 


Esse papel amassado era a carta de despedida que o Fabrício tinha começado a escrever naquela noite de véspera de Ano Novo. O Fabrício reconheceu aquele papel e dona Mirtes já estava ali falando: “meu Deus, deve ter entrado pela janela, uma folha”, ele falou: “Não, não… Pode deixar que eu pego e jogo no lixo”. Ele pegou, botou no bolso e eles voltaram para o apartamento da dona Mirtes. Ele tomou café ali, botou as coisas, né? e tomou café ali com a dona Mirtes e contou a experiência dele com a dona Odete, né? E aí ele voltou para o apartamento dele, rasgou aquela carta que ele tinha feito de despedida e buscou ajuda. Fabrício começou a terapia, Fabrício foi em busca de coisas novas que ele precisava pra se entender melhor, para entender o que estava acontecendo com a cabeça dele e aos poucos ele foi melhorando… Ele foi participando mais da vida das pessoas e deixando que as pessoas participassem mais da vida dele. E como diz o Fabrício, ele conseguiu sair de um lugar muito sombrio que ele estava naquele dia de véspera de Ano Novo. E dona Odete tem uma grande responsabilidade nisso, né? O fato dela ter aparecido no momento em que ele precisava que alguém aparecesse e o jeito que ele acordou, à luz do sol, janelas abertas, enfim, foi tudo muito simbólico para o Fabrício. E ele viu que realmente ele estava precisando de ajuda pra sair daquele que ele chamava de “canto da solidão” que ele estava.

Fabrício nunca mais viu dona Odete, encontrou dona Odete nem em sonho, nada… Foi só aquela vez… E ele estabeleceu uma boa amizade com Dona Mirtes, que até hoje eles são amigos e todo ano eles conversam sobre esse dia, né? Daquele Ano Novo, onde um espírito, um fantasma apareceu para conversar com Fabrício e que trouxe ali pra ele um pouco de esperança, um pouco de fé até… E ele foi atrás do que ele precisava, que era realmente um suporte psicológico, uma ajuda mais direcionada mesmo. 


[trilha]


Janaína: Oi, Não Inviabilizers, aqui é a Janaína, prima da Andréia. Quero desejar a vocês um 2023 de muita paz, saúde para todos e muita prosperidade na vida de vocês. E a gente se vê aí nas histórias que Andréia posta. Se Deus quiser em 2023 vai ser maravilhoso para todos nós. Um beijo de todo o coração, tudo de bom para vocês.


[trilha]


Déia Freitas: E, se você está no mesmo lugar que o Fabrício esteve, ou sente que você está caminhando para esse lugar de muita solidão, de desesperança, procure ajuda. Converse com alguém, procura uma ajuda especializada, sinaliza que você não está bem. Você pode ligar 188, é um número nacional, do Brasil todo, que você vai falar com alguém, algum voluntário que foi treinado para conversar com você. 188 é o número do Centro de Valorização da Vida. Então, é bom a gente ter esse número sempre anotado. E, gente, amanhã é um novo dia. Sempre há um novo dia. Tenha esperança. Se as coisas não melhoram para você, você não consegue que as coisas melhorem pra você, estando sozinho, sozinha, procure ajuda. Peça ajuda… Aqui, mais do que a gente falar só de solidão e esperança, a gente tem que falar também que a gente não consegue sozinho, né? Então, peça ajuda. 


Eu desejo que o ano de 2023 seja um ano de muita esperança e de muita coisa boa pra todos nós, assim, de uma maneira coletiva. Espero passar mais um ano inteiro com vocês, trazendo histórias e a gente rindo junto, chorando junto, vivendo um dia de cada vez juntos. Então vamos nessa, vamos um dia de cada vez. Amanhã é um novo dia. Sempre há um novo dia. Eu estou muito emocionada e muito feliz de estar aqui com vocês, de ter essa oportunidade de entrar na casa de vocês, nos ouvidos de vocês. — E, por vezes, até no coração de vocês. — Muito obrigada pela oportunidade. Vamos juntos mais um ano. Um beijo e eu volto em breve.

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Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.