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título: colônia de férias
data de publicação: 01/01/2023
quadro: férias na zona cinza
hashtag: #colonia
personagens: giovanna e um cara

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Especial de Férias Não Inviabilize [vinheta]


Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra dar início [risos] ao nosso Especial de Férias. Este ano chamado “Férias na Zona Cinza”. [risos] Isso significa que você pode ou não ficar aí do lado da pessoa que me escreveu. [risos] Hoje eu vou contar para vocês a história da Giovanna. Então vamos lá, vamos de história.


[trilha]


A Giovanna conheceu um rapaz incrível numa festa… Ela estava lá na festa e tal nã nã nã com as amigas e, de longe, tinha um rapaz muito bonito ali olhando Giovanna e ela deu ali uma abertura, o cara chegou nela e eles ficaram aquela noite… E começaram ali quase que um namoro. Não era ainda um namoro formal, mas eles estavam se vendo sempre e tal e conversando e nã nã nã. E Giovanna achou que aquilo estava evoluindo pra um namoro real, né? E nisso os meses foram passando ali, um mês, dois meses, três meses… E aí chegaram ali as festas de final de ano e, pasmem, Giovanna e rapaz passaram juntos as festas, né? Então ele foi para a casa da família dela no Natal, eles passaram o Ano Novo juntos só os dois na casa de Giovanna e estava tudo certo.


E aí esse rapaz falou assim pra Giovanna: [efeito de voz grossa] “Olha, eu queria te fazer um convite agora pra janeiro, pra a gente passar 15 dias juntos de férias, né? O que você acha? Você topa?”, [trilha romântica] aí a Giovanna falou: “Olha, eu não tenho grana pra viajar 15 dias. Pra você está pensando em ire nã nã nã?”, ele falou: “Não, não, não… Eu tenho um tio meu que ele trabalha em uma colônia de férias e ele pode deixar um chalé lá pra gente e a gente passa esses 15 dias no chalé, só nós dois, assim, num lugar super arborizado, tem piscina… E a gente pode ficar de boa lá e tal, né?”. Poxa, Giovanna falou: “O que? 15 dias de férias?”, ele falou: [efeito de voz grossa] “A única coisa é que a gente precisa dividir a gasolina, porque a gente vai no meu carro e tal… Só que lá é tudo na faixa”. Ela falou: “Até comida? E ele: [efeito de voz grossa] “Até comida… Tem tipo, all inclusive, [risos] tudo incluso e tal e meu tio está lá”, enfim, tudo certo…


E aí Giovanna empolgou e falou: “Poxa, 15 dias? Viagem de férias…”, ela estava de férias do trabalho e de férias da faculdade então dava pra ela ir, de boa, né? E falou: “Poxa, vou, né?”. – E aí, gente, aqui a gente entra numa coisa assim… O rapaz deu o nome do lugar pra Giovanna, pra onde ia e tal, e ela pegou esse nome do lugar e deixou pra mãe dela. Só que, assim, pesquisa antes, gente, pra onde vocês vão, né? Pesquisa antes… E ela não pesquisou, [efeito sonoro de carro dando partida] ali o namoradinho dela de quatro meses e ela foi… [efeito sonoro de carro acelerando] – E aí foram no carro ouvindo música, um puta clima gostoso e nã nã nã… Chegaram. [efeito sonoro de feio de mão de carro sendo puxado] Chegaram lá… – E vou dar um nome aqui, sei lá… – “Colônia”… Estava realmente escrito… “Colônia Santo Pónei”.


“Poxa, Colônia Santo Pônei” que interessante, né? Aí ela entrou, tinha gramados, atrás, assim, uma floresta e tal e vários chalés assim, né? E assim que eles entraram, tinha uma pessoa que foi abrir o portão pro carro entrar e, quando eles entraram, já passaram ali um cadeado no portão. Isso já deixou a Giovanna tensa, mas ela falou: “Bom, a gente está aqui no meio do mato, né? Sei lá, né? Tem que ter uma segurança”. – Ela viu que era um local que tinha um pouco mais de segurança, né? – Aí eles entraram nessa colônia aí de férias e o cara estacionou o carro, eles desceram ali… A Giovanna levou uma mochila porque falou: “Ah, tem piscina e tal, vamos ficar com pouca roupa, enfim”. Então ela tinha só uma mochila ali com as coisas dela e tal… Eles desceram as coisas e aí o tio do rapaz veio…


“Ah, que bom que vocês vieram e tal, vem aqui pra deixar suas coisas no alojamento…”. A palavra foi “alojamento”. Giovanna já falou: “Alojamento? A gente não vai ter um chalé?”, aí ele falou: “Não, calma, amor… Vem cá, né?”. E aí foram lá, tinha um armário desses armários de academia… – Eu tenho um armário desse aqui em casa, pintei de verde, inclusive. – E aí você bota suas coisas lá e bota um cadeado e era um alojamento… – Um alojamento do quê? – Um alojamento de funcionários. – Por que um alojamento de funcionários? – Porque o cara tinha levado a Giovanna pra trabalhar com ele numa clínica de reabilitação de pessoas usuárias de drogas, de entorpecente e eles iam trabalhar esses 15 dias ali extra pro tio. E não era férias, era um trabalho… Que Giovana não sabia e que assim que ela soube, ela falou: “Olha, não… Não vou ficar, não vou ficar”.


E aí não tinha quem levasse a Giovana até a cidade, que a cidade era longe, e aí ela começou a mandar mensagem para os amigos ali, era comecinho de ano, então muita gente nem via na hora, estava viajando e não podia ajudar. A mãe dela também, assim, com pouco estudo e tal, não sabia o que fazer, como ajudar. E aí o cara começou a conversar com a Giovanna e falou: “Não, você vai ver, vai ser bom e nã nã nã… E você vai….”. – Olha só: por 15 dias de trabalho… – “Você vai receber 200 reais”. Giovanna falou: “Eu vou trabalhar 15 dias aqui pra receber 200 reais?”. E aquele dia foi péssimo… Na hora de dormir era um alojamento de umas 15 pessoas, funcionários ali, dormindo, tipo, num alojamento. E aí a Giovanna falou: “Bom, amanhã eu vou embora daqui”. Só que aí chegou no dia seguinte e ninguém queria levar ela até a cidade. – Não tinha ninguém pra levar ela até a cidade. – E ela começou a reclamar disso lá na colônia, mesmo na frente das pessoas que estavam lá internadas, né? – Gente… Eu achei essa história tão perigosa. –


E aí uma moça que estava lá internada ouviu a Giovanna falando no telefone com alguém e pedindo ajuda a tal, e ela falou: “Olha, eu sei aqui onde tem um buraco na cerca e você pode pegar suas coisas e passar por esse buraco. Descendo a rua…. Você vai andar – era um rua de terra, hein? – e você vai descer, descer, descer… Não tem erro”. – Mas era no meio do mato… – “E a direita você vai ver uma casa, aquela casa – era, tipo, a casa da dona Josefa – é a casa da dona Josefa… E, na casa da dona Josefa, tem ali uma pessoa que pode levar até a cidade, mas você tem que pagar”. – E aí provavelmente isso era um esquema de quem queria sair escondido da clínica pra pegar droga, né? – E a Giovanna resolveu fazer isso. Então aí quando deu ali bem, bem, bem noite, ela pegou a mochila dela, abriu a carteira do rapazinho lá, do namorado dela, – agora ex – pegou 400 reais que tinha dentro da carteira – que era os 200 dela e os 200 do cara, né? Que o tio dele deu na mão do cara ainda, o dinheiro dela, que seria 200 dela, né? – e pegou esses 400 reais dele e foi embora… De madrugada, no meio do mato, até chegar num lugar que ela identificou essa casinha, que tinha só uma luzinha acesa e ela ficou com medo de que poderia acontecer com ela. Então ela ficou escondida ali do lado da casinha até amanhecer pra ir falar com essa dona Josefa e realmente tinha ali o marido dela que por 50 reais te levava até a cidade.


Chegando na cidade, ela pegou um ônibus intermunicipal… – Tinha ônibus para três cidades, as três cidades tinham rodoviária e ela resolveu pegar o que era pra mais longe, né? Caso aquele namorado viesse atrás dela. – E ela pegou esse ônibus e foi até outra cidade e, lá na rodoviária ela pegou um ônibus e tal, fez todo aquele caminho pra voltar para a casa dela. E aí bloqueou o cara… – Óbvio, né? – 15 dias depois a Giovanna estava na casa dela, já tinha contato pra todo mundo, já tinha feito post… – Na época no Facebook, né? Contando tudo… – Quando o cara apareceu na casa dela [efeito sonoro de campainha tocando] pra cobrar os 400 reais… – Porque como ela não trabalhou, ela não tinha direito a 200 e ela pegou os 200 dele. – E ai a Giovanna chamou a polícia e, na frente da polícia, ela falou que não tinha, não ficou com dinheiro nenhum. – Mentiu real. – E aí a polícia perguntou se ele tinha prova de alguma coisa e ele falou que não.


E aí a polícia falou: “Olha, se você aparecer de novo aqui a gente vai levar você preso”. E aí o cara nunca mais apareceu na porta ali da casa da Giovanna. – Olha que perigo, gente… – Então não existia aí uma colônia de férias, [riso] era uma colônia ali para pessoas que queriam se internar para se desintoxicar do uso de drogas e a Giovanna tinha sido levada pra lá pra trabalhar por 200 reais. – Para mim é praticamente tráfico humano, né? Levar… Pegar ela de um lugar e levar para outro sem saber o que ela vai fazer, botar ela pra trabalhar sem ganhar praticamente, né? Porque 200 reais pra você trabalhar 15 dias… – E sem contar que ela não foi avisada, né? Ela não queria trabalhar na colônia e tal. E ela disse também que tinha pessoas lá que estavam internadas e que eram pessoas violentas… Então, assim, ela nem se sentiu em segurança lá.


E aí eu fico pensando, podia ser bem pior esse cara com o tio… E eles forçando a Giovanna ficar lá, sei lá. Então, assim, ninguém foi atrás dela lá, o cara só foi atrás depois pra pedir os 400 reais de volta e depois nunca mais apareceu, depois que a polícia falou pra ele que se ele voltasse lá ele que ia preso. E aí a Giovanna falou: “Poxa, Andréia, tudo bem, eu peguei sim o dinheiro dele e eu menti sim para a polícia. Então, assim, eu sei que também não fiz coisas certas”, mas eu vou botar isso na conta aí da sobrevivência da Giovanna assim. Então fica aí essa zona cinza, de que Giovanna cometeu pequenos delitos para que ela pudesse se salvar. Eu acho… Não vou julgar, não. – Giovanna, estou com você. –


[trilha]


Assinante 1: Oi, Déia, Oi, Não Inviabilizers, eu sou a Manuela de São Paulo. E sobre a história Colônia: eu acho que a Giovanna foi certa de ter fugido, de ter pego o dinheiro dele e ir embora. Se fosse eu, teria muito medo de fazer isso, mas acho que eu faria o mesmo, porque isso que ele fez foi uma traição. É muito perigoso colocar a pessoa numa situação dessa e dessa forma. Mentir dessa forma é muito errado, de falar para ela que é uma colônia de férias e chegar lá e ter que trabalhar e é um ambiente perigoso, assim… Então, acho que ela foi muito certa, tô com a Déia nessa. Teria feito o mesmo… Melhor coisa que ela fez foi ter bloqueado ele e se livrado, porque isso foi uma cilada enorme. É isso, gente. Beijo.

Assinante 2: Oi, pessoal do Não inviabilize, oi Déia, boa noite… É Camila de São Bernardo. Fiquei extremamente preocupada com essa história, porque comunidades terapêuticas, como a gente sabe, quem defende o SUS, não são serviços credenciados e capacitados para lidar tanto com desintoxicação de uso abusivo de substâncias quanto com a saúde e o bem-estar biopsicossocial dessas pessoas. A Giovanna vivenciou uma situação de trabalhadora em situação análoga à escravidão e eu fico imaginando o que essas pessoas, esses usuários desse serviço não experienciam de também uma má condição, de quase prisão ou uma abordagem quase manicomial. Eu espero que esse caso sirva de reflexão para além da história da Giovana, que é escabrosa, que a gente pense mesmo a questão das comunidades terapêuticas no Brasil. Um beijo.

[trilha]

Déia Freitas: Essa é a história da Giovanna e amanhã eu volto aí com mais uma história do nosso Especial de Férias. E dia 9 de janeiro estaremos de volta aí com todas as redes sociais abertas. Tá bom? Um beijo e eu volto em breve.


[vinheta] Especial de Férias é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]

Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.