título: fã ou hater?
data de publicação: 16/09/2022
quadro: politícas públicas
hashtag: #fa
personagens: guto
TRANSCRIÇÃO
[vinheta: “Lula lá” no piano]Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. E hoje eu cheguei pra contar mais uma história aí da nossa série de histórias de pessoas que foram impactadas positivamente e tiveram a vida completamente mudadas por políticas públicas. E hoje eu vou contar para vocês a história do Guto. — Ê, Guto… — O Guto ele era [risos] era um hater, um hater do nosso cristal barbudo. Quem me segue já sabe que é o nosso cristal barbudo. E, mesmo odiando tudo, o Guto viu a vida dele e da família dele sendo transformada aí ao longo dos anos por políticas públicas em várias áreas, na educação, políticas públicas na área social, enfim… Então, é essa história que eu vou contar hoje pra vocês. Bom, então vamos lá, vamos de história.
[trilha]Bom, o Guto ele veio de uma família muito bem estruturada, assim, os pais eram muito amorosos, se davam super bem, mas ele vinha de uma família ali muito, muito pobre. O pai dele só que trabalhava na família, né? E ganhava um salário mínimo para sustentar ali a esposa e quatro filhos. Bom, ali pelos anos 2000, o Guto com 14 anos, ele estava na pior fase… Que ele julga a pior fase da vida dele. Então, o pai dele ganhava um salário mínimo, eles ali em casa eles faziam pães, pão doce, doce e salgado para vender na rua, né? E ali pelos comércios da cidade. E assim eles iam levando a vida, mas era uma época que começou a ter muita briga em casa porque não tinha grana, né? E às vezes eles não tinham nada para comer e tinham que recorrer aí a uma cesta básica da igreja.
E, por muitas vezes, a mãe do Guto ali, a família teve que pedir dinheiro emprestado para vizinhos para comprar ali um pão e um leite, e o Guto falou que eram empréstimos que nunca eram devolvidos, porque enfim, eles não não tinham como mesmo. Bom, e aí aqui eu tenho que falar, né? Porque Guto ele era… Ele estava ali inserido numa galera hater do PT e ele era hater do PT. E, nessa época, o pai dele se filiou ao Sindicato dos Comerciários ali da prefeitura da cidade dele, que era do PT. E, pela primeira vez, o Guto teve um material escolar, assim, bacana… Porque ali no sindicato, todos os os filhos dos sindicalizados eles ganhavam o material. Então, o Guto falou que, assim, parecia um sonho mesmo, parecia um programa de TV. Que ele recebia uma sacola com cadernos, lápis, itens assim do dia a dia e coisas que ele nunca teria condição de comprar para levar na escola.
E era uma iniciativa que tinha ali e que ele ficou besta, assim, parecia que estava no programa da Eliana. [risos] — Um beijo, Eliana. — Só que, assim, ao mesmo tempo que ele recebia essa melhoria, que isso impactou até no ensino dele, ele ia aprendendo a odiar o PT e o Lula com o pessoal da igreja. Então, era uma igreja que realmente dava uma assistência pra eles, que ele recebia a cesta básica e tal, e ele foi aprendendo a gerar esse ódio aí, né? Inclusive, foi uma época que o Guto ele ali, numa das discussões do pessoal da igreja, era na época da PEC das empregadas domésticas e ele percebeu que as pessoas que frequentavam a igreja eram contra a PEC das empregadas domésticas, eram contra que elas tivessem ali um mínimo de direitos, né? E ele não conseguia entender porquê, de onde vinha isso. Mas ao mesmo tempo ele falava: “Bom, se todo mundo odeia, também vou odiar”. Era um jovem que estava crescendo aí com essa mentalidade.
Bom, e aí mais uma vez aqui o sindicato impactou a vida do Guto, né? Na cidade dele teve uma iniciativa ali, uma cooperativa de confeiteiros e a mãe dele passou a integrar essa cooperativa e começou a receber uma grana boa. E a vida deu uma melhorada… Só que aí era aquela coisa, por mais que eles conseguiram melhorar de vida, quando a gente diz “melhorar de vida” é: ter o que comer, né? Não passar aí grandes necessidades. E o Guto ele tinha essa vontade de estudar mais, sabe? De conhecer um mundo novo. E aí ele ficou sabendo que o governo daquele cara que ele odiava estava anunciando ali um tal de ProUni. E ele falou: “Ah, quer saber? Vou fazer uma inscrição aí e vou ver se dá para eu fazer essa faculdade.” E não é que Guto passou? Com muito ódiozinho ainda no coração de hater do Guto… [risos] Ele passou na faculdade, só que ele estudava longe, ele tinha que pegar um fretado, então foi uma época que deu uma complicada a mais.
Mas aí um outro irmão dele começou a trabalhar e conseguia pagar esse fretado pra ele poder estudar, né? E aí o Guto foi lá e cursou engenharia elétrica durante cinco anos e, ao longo do curso, a vida foi mudando. Ele passou no concurso do Banco do Brasil… O irmão dele na época, esse PT que o Guto odiava, [risos] criou na cidade dele, inaugurou ali um Instituto Federal e o irmão do Guto teve a oportunidade de fazer um curso superior nesse Instituto Federal que foi criado ali na cidade dele. Mas ainda assim Guto continuava muito antipetista, com muito ódio… [risos] Que ódio, hein, Guto? E em 2010 ele se formou e, no mesmo ano que ele passou numa seleção interna no banco, a vida dele mudou completamente… Porque agora ele era um engenheiro no banco.
E, pra vocês terem uma ideia de como a vida do Guto era antes, quando ele passou nesse concurso e que ele começou a trabalhar, o valor do vale refeição do Guto era o valor da soma dos salários da família dele toda. Só o vale refeição dele… Então, foi uma coisa, assim, que foi um divisor de águas ele poder ter feito esse curso de engenharia elétrica e ter atuado na área, né? E aí a vida dele foi se ajeitando, a irmã dele também teve a oportunidade de fazer o ProUni… O irmão dele fez duas faculdades nesse Instituto Federal e hoje o irmão dele é professor em uma faculdade. E aí só depois de tudo isso que o Guto parou e olhou pra trás e viu os passos que a família dele inteira conseguiu galgar por meio de políticas públicas, que ele entendeu que todo aquele ódio que ele tinha aprendido, na verdade, era um ódio de classe mesmo, né?
É uma coisa que vem para deixar a gente ali no mesmo lugar, estagnado e não lutar por uma vida melhor. Então, [risos] hoje o Guto, gente… Isso é muito engraçado, né? [risos] Porque ele era hater real, o hater real, desses que a gente vê aí que não está acostumado. Eu tenho também alguns haters aí eu sei que depois dessa série vai aparecer… Sempre aparece um ou outro e ele era hater hater. E ele me escreveu… Eu até eu vou ler a frase do Guto, tá? “E hoje, Déia, eu tenho na sala da minha casa uma foto do Lula passando a faixa pra Dilma”. [risos] Ou eu seja, né? Fã ou hater. Agora o Guto é fã. E uma coisa legal que o Guto fala e que é verdade e que eu acho que isso pode muito bem fechar a nossa série, é que só esforço, gente, não resolve… A gente precisa é de oportunidade. Pra ser mais justo pra todo mundo essa oportunidade tem que vir por meio de uma política pública, porque aí alcança toda uma população.
Eu tenho chance, você tem chance, o Guto tem chance e é assim que a gente vai conseguir aí uma sociedade um pouco mais igualitária, com menos desigualdade. E, pra fechar essa sequência de histórias com chave de ouro, agora a gente vai ouvir o homem branco hater, [risos] o Guto. Amo… E, na sequência, o homem que vai invadir e conquistar o seu coração. Que é quem? Quem? O nosso amado Boulos. Gente, o Boulos… [risos] Ele é muito gente boa, ele é muito legal. Então vamos ouvir aí.
[trilha]Guto: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, meu nome é Guto e eu estou aqui pra dizer o quanto as políticas públicas impactaram a minha vida. Eu tive o grande privilégio de crescer em uma família maravilhosa… Meus pais são pessoas muito batalhadoras, muito esforçadas e sempre trabalharam muito e fizeram muito por nós. Mas os programas sociais dos governos do PT, principalmente os voltados para área da educação, foram o passaporte pra gente ter acesso às oportunidades. Eu fiz faculdade pelo ProUni, meu irmão estudou no Instituto Federal, minha irmã também teve bolsa no ensino superior e trabalhou no programa Escola da Família… Ambos compraram casas pelo Minha Casa, Minha Vida e muitas outras coisas que vieram pra nos dar esse apoio social e de desenvolvimento. Eu compartilhei a minha história para que seja um exemplo, de como é importante e efetivo dar oportunidade para as pessoas. A minha esperança é que esses programas sejam retomados e ampliados para que cada oportunidade dessa na vida de uma pessoa seja uma semente plantada que vai gerar muitos frutos no futuro e melhorar a vida de todos, para todos. Um beijo e faz o L.
[trilha]Guilherme Boulos: Oi, Déia, tudo bem? Aqui é Guilherme Boulos, prazer enorme estar falando contigo aqui e com toda a turma do Não Inviabilize pra comentar hoje a história do Guto. Você sabe que eu, ouvindo a história, eu ficava num misto de saber se ria ou chorava, porque a gente vê alguém que foi tão beneficiado por políticas públicas desde ali a oportunidade de educação, material escolar, o ProUni, o concurso público no Banco do Brasil, um banco público e os irmãos, a irmã também prounista, o irmão com duas faculdades no IF… Cofalar é que pode incorporar uma ideologia que a prática é contra si mesmo, né? Falar contra os governos, o partido que estava no governo, o PT, e que promoveu essas políticas públicas é quase que falar contra aquilo que te permitiu ascender, né? E essa descoberta foi muito legal. [risos] Depois, no fim, ele tem o quadro do Lula passando a faixa para Dilma na parede, né? Tem esse reconhecimento no final.
Mas você sabe que a reação que ficou pra mim veio de muitas histórias também que eu já vivenciei, que eu já ouvi… Teve uma vez num conjunto habitacional que o Movimento Sem Teto conquistou pelo programa Minha Casa, Minha Vida, entidades por política pública, o cara falou que ia votar no Bolsonaro… Ele ganhou a casa dele… Alguém que estava ali ferrado, morando de aluguel, ganhou a casa pelo programa do governo do Lula, pela luta do movimento social e ele dizia que ia votar no Bolsonaro… Era um negócio, assim, de descabelar. Teve uma que eu… Eu, particularmente, eu estava um dia fazendo uma panfletagem em uma comunidade, uma comunidade de palafita, do lado de corrego bme feio, uma senhora me abordou e me falou: “Ô, Boulos, eu até gosto um pouco de você, simpatizo com suas ideias e tal, mas eu não vou votar em você porque me disseram que você vai tomar minha casa”.
Eu falei: “puts, cara”… Eu olhei a casa… A casa dela era um barraco, numa palafita, e ela achou que eu iria tomar caso dela, ou seja, que o movimento social ia tomar caso dela. Esse é o poder da ideologia, né? E eu acho que o que a gente precisa ter em mente é que não basta também… As políticas públicas são fundamentais, mas é preciso fazer uma disputa cultural na sociedade, porque senão a ideologia vinda da direita e daqueles que são contra as políticas públicas pode acabar prevalecendo mesmo entre aqueles beneficiários da política pública. O Guto ainda teve o despertar, né? E entendeu… Mas outras pessoas, não. O Pepe Mujica dizia: “Não basta formar consumidores, nós precisamos formar cidadãos”. Não basta só ter políticas que melhorem a vida das pessoas, nós precisamos fazer uma disputa cultural, de valores na sociedade. Quer dizer, não é cada um por si, tem que ser uma sociedade baseada na solidariedade… E as políticas públicas são um instrumento do Estado de viabilizar uma lógica de solidariedade.
Essa história também de reproduzir muito ai, a meritocracia”… Gente, que meritocracia é essa? A meritocracia no Brasil é uma corrida de 100 metros que uma parte começa 80 metros na frente e a outra sai do zero com uma bola de ferro amarrada no pé. Ou seja, não tem isso… É igualdade de oportunidades. Essa é a briga. Mas é muito bom você trazer essa história e essas histórias, Déia, porque nós precisamos refletir sobre isso, sobre a necessidade urgente de retomar as políticas públicas no Brasil e também de fazer uma disputa cultural, de valores, em que a sociedade reconheça isso como um avanço coletivo e como um avanço de direitos. Valeu, um abração pro cê e para todo mundo aí que a companheira o Não Inviabilize.
[trilha]Déia Freitas: Então é isso, gente… Um beijo. Eu espero que muito em breve, as eleições aí chegando, vocês votem com consciência, votem pensando no coletivo e pensando nisso, em políticas públicas para que a gente consiga igualar um pouco as coisas. Então, eu estou aqui fazendo a minha parte, esse é o meu protesto, o meu ato de protesto muito individual e qualquer responsabilidade aí que caia sobre essa série, ela é minha e vamos junto. Vamos para a luta. É isso aí, um beijo, gente, e eu volto em breve.
[vinheta: “Lula lá” no piano]