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título: fogos
data de publicação: 27/12/2022
quadro: amanhã é um novo dia
hashtag: #fogos
personagens: edson

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Especial de Ano Novo, um especial que é a cara do Não Inviabilize. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais uma história do nosso Especial de Ano Novo. Este ano falando de esperança e solidão. E hoje eu vou contar pra vocês a história do Edson. Então vamos lá, vamos de história.


[trilha]


O Edson nasceu na cidade de Cacoal, em Rondônia. E cresceu lá, conheceu aí a sua esposa, a Mônica e lá eles tiveram dois filhos. A vida era boa, o Edson trabalhava de vigia numa madeireira e, até que um dia, ele chegou para trabalhar e a madeireira tinha sido fechada por atividades ilegais ali com madeira e tal e todo mundo que trabalhava lá perdeu o emprego, não conseguiu nem os direitos, enfim… — Virou uma batalha trabalhista aí que até hoje o Edson não recebeu. — E estava muito difícil ficar lá na cidade dele e tal, não conseguia outro emprego. Aí um amigo do Edson disse que tinha uma oportunidade de trabalho aqui em São Paulo. O Edson pensou, pensou e falou: “Bom, eu vou… Eu vou me dar aí o prazo de 6 meses. Se der certo, eu trago a esposa e filhos para São Paulo e tudo bem. Se não der certo, eu volto para Cacoal e vejo o que eu faço”. [efeito sonoro de carro dando partida e acelerando]


Edson chegou em São Paulo só com uma malinha de roupas e a esperança de conseguir um emprego e tal, esse emprego rolou, o amigo dele tinha falado certinho, estava tudo certo, só que ele não tinha ainda onde morar. Então ele foi para um alojamento… — Dessa firma que ele trabalhava. —  Ele veio para trabalhar como vigia e começou a vida ali no alojamento. Só que era muito ruim… — E ele queria preparar as coisas pra trazer a família, porque a intenção nunca foi ficar aqui sozinho. — Então ele conversava ali com a esposa por telefone, mas era muito triste, muito ruim ficar aqui sozinho… — Ainda mais São Paulo, né? Porque isso aqui é sim uma selva de pedra, é assim todo mundo com pressa, trabalhando, enfim… E até o Edson acostumar, né? —


Depois que passou três meses ele foi efetivado, ele conseguiu alugar ali uma casa. Era uma casa longe de onde ele trabalhava, né? Mais pra periferia de São Paulo, mas era uma casa boa. Era uma casa que tinha uma sala com a cozinha, assim, pequenininha e tinha dois quartos. — Então o casal teria um quarto e as crianças outro quarto. — Tinha um quintal na casa… Era uma casa boa. O Edson estava feliz. Ele tinha móveis? Não tinha móveis. [risos] Ele comprou um colchão e depois ali, pelo segundo mês de efetivado, ele comprou um fogão e conseguiu comprar uma geladeira usada. Então era isso que ele tinha ali.

E depois um amigo dele emprestou uma TV, passou um tempinho e ele conseguiu comprar uma TV e, aos poucos, ele foi botando as coisas ali em casa. O Edson tinha muita esperança de trazer a família dele… Então ele fazia planos de colocar as crianças na escola, — aqui em São Paulo — da esposa dele conseguir um trabalho também, né? Porque nunca foi intenção dela ficar só em casa, ser dona de casa e ele queria adotar um cachorro, enfim… — Sabe aquela coisa de família margarina? Era isso que ele queria, era isso que o Edson queria. — Só que para isso ele precisava de dinheiro, né? Trazer a mudança lá da cidade dele, de Cacoal para cá, era muito caro.. Então a ideia era: Quando ele tivesse o dinheiro para trazer a família, a mulher dele, a Mônica, ia começar a vender tudo lá. Vendia tudo, conseguia tudo o que dava e vinha para cá.


Mas o dinheiro era pouco, o tempo foi passando, ia dando o prazo que o Edson deu para si mesmo de ou ficar ou voltar embora, mas ele não queria voltar… Mas ele tinha medo de continuar aqui e o casamento dele desandar. Até que chegamos aí na noite do dia 31 de dezembro. E o Edson muito aflito, ele trabalhava à noite, né? — Edson vigia aqui também em São Paulo de uma firma, que a gente pode até [risos] relembrar aí e botar o nome de Pônei Chá, só que Edson não foi na festa, [risos] porque Edson trabalhava na data. — Então ele estava ali de vigia e ia virar a noite. Ele entrava às 22h00 e saía às 06h00. Então, ele tinha que rodar a fábrica toda ali e fazer as marcações de cartão onde tinha, pra passar ali pra marcar que ele tinha feito a ronda e ele foi fazendo isso…


Deu dez horas ali, ele fez a primeira ronda, deu dez e meia ele fez a segunda ronda e assim foi indo… E Edson estava num dia que ele estava muito mal porque ia virar o ano, ele não tinha conseguido trazer a família, ele estava se sentindo sozinho… Ele não queria mais ficar aqui sozinho, mas sabia que aqui em São Paulo era melhor pra trabalhar do que na cidade dele. Então ele estava naquela luta, né? Tinha conseguido juntar um pouquinho de dinheiro pra trazer a família, mas estava na dúvida ainda se trazia… E se depois não desse certo? O ideal seria ele esperar mais seis meses, ficar aqui, juntar mais dinheiro, dar uma ajeitada melhor para trazer. Mas ele estava aflito com isso, porque ele ficava muito sozinho. Ele chegava seis horas da manhã em casa, e aí ia fazer umas coisinhas ali, dormia, acordava, ficava ali à tarde até dar o horário dele ir trabalhar de novo. Então era muito difícil, né? Ele trabalhava por turno, enfim, uma vida de vigia.


Quando foi ali uma onze e quarenta da noite, quase dando meia noite e virando o ano, [efeito sonoro de fogos de artifício] Edson começou a escutar numa parte da empresa onde tinha umas caixas e umas máquinas, um barulho… Só que tinha muitos fogos já, as pessoas já estavam começando os fogos. Ele escutou um barulhinho e falou: “Que estranho, mas será que é dos fogos?” e foi fazer a ronda… E era uma ronda que demorava mais de 20 minutos. Quando ele voltou para aquele ponto onde tinha as caixas onde tinha ouvido o barulho, os fogos já estavam muito altos. Já era meia noite, já era Ano Novo [efeito sonoro de fogos de artifício] e o barulho de fogos era ensurdecedor porque ele estava perto de um lugar onde, sei lá, de um campo onde a Prefeitura colocou os fogos e tal, enfim… E aí… [efeito sonoro de tensão] O Edson escutou de novo esse barulho e agora algumas caixas caindo. — O que seria? Será que alguém invadiu a fábrica no dia de ano novo para roubar? —


Edson ele não trabalhava armado, ele era um vigia de aviso só, né? Então, se entrasse alguém ali, ele tinha os procedimentos dele para fazer a de segurança, mas ninguém ali trabalhava armado. E aí ele falou: “Bom, vai entrar aqui e vai me matar, eu vou morrer na noite de Ano Novo” e aquele barulho… Edson falou: “Eu tenho que ir lá… Ou eu reporto agora ou eu dou uma olhada antes de reportar pra também não chamar…”, que aí eles chamam e aí vem a galera que tem a arma, enfim, né? Que não é a polícia, é tipo a escolta da firma de vigilância. Ele falou: “E se eu der esse alarme falso aí? Depois vão dar até risada de mim”. E aí o Edson foi se aproximando, ele deu a volta por fora de onde estavam as caixas para tentar ver o que era.


E aí ele viu as caixas caindo e viu algo que tentava entrar atrás das caixas. Edson ficou cabreiro… Falou: “meu Deus, tem alguém abaixado ali, grande. Ah, meu Deus… Vou gritar: “Ei, sai daí”, não sei… Começou a gritar e ele tinha um cassetete… Ele falou: “Quer saber? Eu vou encarar”. E aí chegou perto das caixas e bateu numa das caixas com o cassetete. [efeito sonoro de algo batendo] Ele bateu na caixa… Quando o Edson bateu, ele escutou um ganido… [efeito sonoro de ganidos de cachorro] E aí ele viu que o que estava tentando se esconder atrás das caixas, provavelmente por causa dos fogos, era um cachorro. Um cachorro enorme, preto que era uma mistura de rottweiler com vira lata. E o cachorro tava, assim, meio machucado, porque a firma em volta era uma cerca de arame e, provavelmente, o cachorro deve ter cortado, rompido, conseguindo romper ali naquele pânico dos fogos, conseguindo romper a cerca e passou… 


E aí o Edson que estava pensando que podia ser um bandido, uma pessoa, sei lá, não estava preparado para um cachorro. E aí ele guardou na hora o cassetete e ficou ali falando: “Ei, cachorrinho, cachorrinho…”, mas era um cachorro muito grande e o cachorro estava muito assustado. Ele falou: “Bom, esse cachorro agora vai virar aqui, vai me pegar na garganta e vou morrer”. [efeito sonoro de latido de cachorro] — O Edson estava aí achando que alguém ia matar ele naquela noite. [risos] — Só que ele ficou ali com o cachorro e ele percebeu que era por causa dos fogos que o cachorro estava com medo. Então, o que ele fez? Ele pegou uma lona e cobriu onde estavam as caixas para fazer uma cabaninha ali para o cachorro e ali ele ficou. Ele tinha mais um tempo até fazer a próxima ronda e ele ficou ali conversando com o cachorrinho. Pegou um pote de sorvete que ele achou vazio, botou água… Ele não tinha ração, nada pra dar, mas ele tinha a marmita dele. E ele falou: “Bom, mais tarde a hora o que for esquentar minha marmita eu divido com esse cachorro se ele tiver aqui ainda”.


E aí foi, fez a ronda, voltou, olhou ali a lona e o cachorro já estava ali, já estava deitadinho, mais, assim, de boa, mas tremendo muito por causa dos fogos, né? E aí o Edson foi, tentou passar a mão ali naquele cachorrinho e o cachorrinho deixou… — E era um cachorro grande, porte grande mesmo. Pensa: uma mistura de vira lata com o rottweiler… — E aí o Edson ficou ali, fez carinho no cachorro e ainda estava fogos. E aí o cachorro fez que ia seguir o Edson, mas ficou com medo dos fogos e voltou. Edson fez mais duas rondas, assim, fazendo carinho no cachorro quando ele voltava e aí o barulho dos fogos foi diminuindo, diminuindo e cessou… Quando cessou, o Edson tinha feito carinho no cachorro e foi fazer a ronda e o cachorro foi com ele. Ele falou: “Nossa, cachorrão…” e o cachorro estava um pouco arranhado, machucado da cerca. — O Edson foi e achou o buraco de onde estava o furo da cerca, porque ele ia ter que reportar aquele buraco, né? Pra poder fechar e tal pro pessoal da manutenção. —


Foi e fez o relatóriozinho ali, fez o relatório que o cachorro estava lá, enfim, fez tudo… Chegou a hora da janta ali do Edson, ele esquentou um pouquinho a marmita, tirou uma parte para o cachorro, deu só uma mornada e esquentou o restante pra ele e deu para o cachorro comer ali. E aí ele pensou: “Esse cachorro escapou de alguma casa por aqui, então eu vou deixar ele aqui, vou avisar o pessoal do dia e tal”, porque o pessoal ali estava em coletivas, então só ia voltar dali uns dias “e vou ver se a gente acha o dono”. E assim o Edson fez… Quando ele foi embora, o cachorro tentou sair da firma com ele, ele não permitiu, né? E avisou ali a entrada, portaria e o cachorro ficou lá. Só que quando o Edson foi para casa, ele ia descansar ali e voltar à noite, né? E no outro dia seria a folga dele. Então, o que ele pensou? “Eu vou ver esse cachorro hoje à noite, mas e depois? Ele vai ficar lá sozinho?”, ele ficou conversando com o vigia do dia e o vigia falou: “O cachorro tá lá, Edson, vai fazer suas coisas”, tipo, ninguém estava ligando muito para o cachorro, mas o Edson já estava. E o Edson botou o nome dele de Roque, porque ele falou: “Era uma mistura de rottweiler e eu pensei Roqueweiler” [risos] e ficou Roque. 


E aí ele já estava chamando o cachorro de Roque, e aí ele voltou a noite e cachorro fez festa pra ele… [efeito sonoro de latido de cachorro] O Roque fez todas as rondas e, nesse dia, quando ele foi embora, à tarde ali que ele ficava sem fazer nada, ele já foi, comprou ração pro cachorro e levou à noite para a firma. E aí, na hora de ir embora, às seis da manhã do dia seguinte, que ele ia ter folga, ele resolveu levar o Roque como ele. [risos] Um cachorro imenso… — O Edson não tinha carro… — Então, qual foi a ideia dele? Ali naquela rua tinha um homem que fazia carreto. O Edson foi, chegou no homem e perguntou quanto que o cara cobrava para fazer um carreto até onde o Edson morava, que era longe da firma, né? E o cara falou quanto era, sei lá, cobrou 100 reais. O Edson pegou daquele dinheiro que ele estava economizando e levou o Roque pra casa. 


Roque parecia que nunca tinha saído daquela casa… Já entrou, o Edson não tinha móveis, tinha um colchão no chão, ele já sentou ali na cama do Edson, o cachorro Roque imenso, era um colchão de casal… E aí o Edson falou: “Não, amigão, agora nós vamos tomar um banho”. Levou ele para o banheiro ali, deu banho no Roque, viu que o Roque estava com pulga, foi lá no pet ali do bairro, pegou um negócio pra pulga… — Então, assim, já gastou um pouquinho mais daquele dinheiro que ele estava economizando. Aproveitou que ele estava lá, comprou dois potes para o Roque… — E, gente, o Roque virou o cachorro do Edson. Ele fez um cartaz, espalhou ali em volta da fábrica, ninguém apareceu… Provavelmente o Roque era um cachorro de rua, né? E a primeira preocupação do Edson depois, quando ele levou o Roque para casa foi: “A hora que eu for trabalhar, que eu sair daqui à noite, será que ele não vai querer pular o muro? Tentar ir atrás de mim?”, e aí ele foi fazendo: “Fica, fica, fica” pro Roque e o Roque foi deitar de boa. Deitou dentro de casa.


O Edson deixou a porta da cozinha aberta, o Roque nunca fez xixi e cocô dentro de casa, então ele saía ali pelos fundos da casa, ia, fazia as coisinhas dele, voltava e ficava dentro de casa… O Roque um cachorro que o Edson diz que é um porte grande, mas que parece um poodle, ele curte ficar dentro de casa. E aí, conforme o tempo foi passando e o Edson foi se dedicando ao Roque, ele foi se sentindo menos sozinho. E lá de Cacoal, a esposa deles e os filhos animaram mais de vir, porque agora ele tinha um cachorro. Os filhos estavam loucos para ver o cachorro. E aí a mulher dele tomou a iniciativa de vender as coisas, porque ela também estava receosa, né? — Mas por que ela estava receosa? — Porque ela via que o Edson não estava animado… Ela pensou: “Depois a gente vende tanto as nossas coisas aqui e o Edson resolve voltar, a gente não tem nada lá e nem aqui”, porque ele tava desanimado… — Sabe quando a pessoa está meio desesperançosa? — E o Roque deu um ânimo para o Edson que a Mônica viu que era aquela hora.


E aí o que Mônica fez? Ela vendeu todas as coisas deles, os móveis, tudo… Só deixou a televisão que dava para trazer no ônibus, porque a televisão que ele tinha aqui era emprestada e tal. E aí ela veio com as crianças, as malas de roupa e a televisão… Eles não tinham nenhum bichinho lá e estavam doidos para conhecer o Roque aqui. O Roque amou as crianças, o Roque amou a Mônica, ele é um cachorro de porte grande muito dócil e foi num dia de Ano Novo que eles se conheceram, se encontraram, Roque e Edson… E foi o Roque que fez o Edson ter um pique, uma esperança de ficar aqui e de realmente trazer a família dele. Mesmo porque ele falou assim pra mim: “Andréia, agora se eu voltasse pra Cacoal, eu ia ter que levar o Roque comigo. Como que eu ia levar um cachorro grande assim comigo? Iria ter que alugar um carro pra ir… E aí era mais dinheiro, não é minha realidade e tal. Então eu não podia ir embora mais, porque agora eu tinha o Roque”. O Roque ainda está com a família, não faleceu, nada, é um cachorrinho ótimo e a família toda está aqui em São Paulo. 


O Edson me escuta porque muita gente lá da fábrica me escuta, né? E aí ele diz que eu passo as noites com ele nas rondas. E eu achei muito legal essa história dele, ele me escreveu uma história de Ano Novo que tinha tudo a ver com o que eu estava procurando, que eram histórias de esperança… Numa noite que o Edson precisava de uma luz, uma definição e não sabia o que fazer, ele conheceu o Roque e, na manhã seguinte, ele já era outra pessoa, já tinha outros pensamentos e já renovou aí as esperanças. Então, mais uma vez eu digo aqui que a gente pode se sentir sozinho aí como o Edson, ter a família longe, ter as pessoas que a gente ama momentaneamente sem poder estar perto, mas amanhã é outro dia. Amanhã é mais um dia que a gente pode renovar as esperanças de reencontrar de novo as pessoas que a gente ama.


[trilha]

Damaso Bittencourt: Oi, pessoal do podcast… Tudo bem? Aqui quem está falando é o Damaso, o veterinário que cuida aí dos bichinhos da Andréia… Estou passando aqui pra desejar um feliz Ano Novo aí pra todos e que a gente possa continuar juntos no ano que vem se divertindo com essas histórias aí, né? Tudo de bom, felicidades.

[trilha]

Déia Freitas: E eu espero que com essa história ter podido te trazer um pouco de esperança. Se você está longe de seus familiares, do seu amor, seja por motivos de trabalho ou estudando, ou qualquer que for o motivo, tenha esperança, amanhã é outro dia e é um dia que a gente pode reencontrar novamente as pessoas que a gente quer, que a gente ama. Então, essa é a nossa segunda história do especial de Ano Novo, amanhã tem mais. Um beijo, gente.

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Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.