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título: jacinto raiva
data de publicação: 20/11/2020
quadro: picolé de limão
hashtag: #raiva
personagens: dona neide, seu jacinto, tia dirce e geralda

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta] 

Déia Freitas: Oi, gente… Voltei. E a história que eu vou contar pra vocês agora é contado pela Dona Neide, quem me escreve é a neta dela, mas eu falei com Dona Neide também. É a história de Dona Neide e seu Jacinto, e vamos lá.

[trilha]

A Dona Neide é uma idosinha muito fofa que chegou aqui em São Paulo, ela veio do interior pra trabalhar e ajudar os pais que ficaram no interior. Então ela chegou aqui e foi trabalhar numa fábrica de [som de máquinas] linhas, de fazer linhas aqui em São Paulo mesmo, e ela tinha uma função lá de quando terminava o carretel, de enrolar, tinha uma máquina que cortava e ela tinha que conferir, então ela era uma conferente nessa fábrica de linhas. Nessa fábrica de linhas tinha um cara que também era conferente, só que de outro setor chamado Jacinto e eles tinham mais ou menos a mesma idade, ali por volta dos seus dezoito, dezenove anos e eles começaram a almoçar juntos, levavam marmita, comiam juntos, aí depois começaram a trocar a marmita. — [risos] Que legal isso, né, de trocar? — E começaram a ficar amigos e rolou um clima entre Neide e Jacinto.

Só que a Dona Neide ela foi bem clara com seu Jacinto, ela falou: “Olha, eu tô aqui em São Paulo pra trabalhar, eu moro na casa dos meus tios, eu prometi para o meu pai que eu não ia namorar, que eu não ia dar nenhum desgosto pra ele e não vou dar. Eu tô aqui pra ajudar minha família e não pretendo namorar agora”, e assim, o Jacinto estava apaixonado, né? E insistiu, insistiu, e Neide “não, não, não”, e ali passou um ano nisso, ela ali na no setor de conferência, num carretelzinho de linha, e ele lá no outro setor dele. E depois de um ano que Jacinto pedia, pedia, pedia, e Neide não aceitava, o Jacinto começou a namorar uma outra moça lá da fábrica. A Neide ficou sentida, mas bola pra frente, ela não queria realmente namorar ninguém, ela queria ajudar os pais dela. 

O Jacinto ficou um tempo com essa moça lá da fábrica também e o namoro não vingou, não foi pra frente, e ali quando ela viu que Jacinto estava solteiro de novo, ela percebeu que ela gostava dele, mas ela não queria desobedecer o pai dela, então o que ela fez? Ela foi lá para [som de ônibus] o interior pra falar com o pai e com a mãe que ela estava gostando do moço aqui, [risos] agora ela já estava com vinte anos e que ela estava gostando do moço aqui, mas que ela não tinha nada com o moço, e que se ela podia namorar. E o pai dela falou: “Olha, minha filha, você que sabe da sua vida, você já tá numa idade boa pra casar” — Isso há tantos anos atrás, vinte anos era assim, né? O auge — “e você que sabe”. Aí voltou, Neide voltou, e ficou lá na fábrica, falou: “Bom, se ele vier falar comigo”, ela já tinha falado pra ele que só ia namorar pra casar e aí ele voltou a falar com ela e eles começaram realmente a namorar, o namoro durou seis meses, depois eles noivaram mais seis meses e um ano eles casaram.

Aí teve o casamento de Jacinto e Neide. A Neide ela tinha várias questões assim pra casar com o Jacinto. Primeiro que ela queria sair da casa da tia dela, óbvio, então eles alugaram uma casa e o combinado foi que Neide continuaria trabalhando, ela não abria mão disso. — O que foi ótimo… — E metade do salário dela ela ia continuar mandando para os pais, porque eles precisavam muito e o Jacinto concordou, falou: “Olha, então a gente faz assim, pra ficar bom” — Ideia do Jacinto… — “a sua metade, você manda metade e metade você põe aqui na casa e eu ponho metade também aqui na casa, e a outra metade minha a gente guarda e faz uma poupança”. — Ficou bom, né, gente? Era um acordo bom, não era? — E assim ficou combinado, que do salário da Neide metade ia para os pais da Neide, metade pra casa e do dele metade pra casa, metade eles iam fazendo uma poupança pra lá na frente tentar comprar uma casa ou se acontecesse alguma coisa, sei lá, tinha um dinheirinho guardado.

O Jacinto sempre muito fofo com a Neide, muito romântico, bonzinho em casa, ajudava… A única coisa que a Neide reclamava é que três vezes por semana ele jogava futebol, então ela se sentia meio sozinha, mas também era uma coisa que ele gostava, então ela acabava ficando em casa e ele ia jogar futebol com os amigos. E assim a vida foi passando, a Neide teve três filhos com o Jacinto e quando a mais velha estava com dez anos, o Jacinto teve um piripaque e morreu, Jacinto morreu. — Agora que vem a bucha. — Como o Jacinto teve um piripaque? Ele teve um piripaque jogando bola e ele passou mal, foi socorrido para o hospital, teve um infarto lá e morreu, e foi um amigo do Jacinto que foi até a casa da Neide avisar. Então aí nossa, né? Aquele desespero, a Neide aqui em São Paulo ela só tinha a tia de parente e os parentes do Jacinto moravam todos no Mato Grosso, numa época que ninguém tinha telefone em casa, então era muito difícil de avisar, era tudo muito mais difícil.

Aí avisaram a Neide, a tia da Neide veio, elas tinham que ir para o hospital, né? O cara não sabia dizer pra que hospital tinham levado o Jacinto, mas falou pra elas que ele tinha saído do campo morto. Só que assim, a Neide ficou com uma esperança falou: “Não, de repente se ele foi socorrido ele pode estar, tá bem”, e aquele griteiro, aquela confusão, vai num hospital, vai em outro hospital e nada de achar o Jacinto. E esse amigo parece que ele não estava ajudando, sabe? Porque ela perguntava: “Então tá, onde era esse campo?”, porque a Neide até então, ah, ele jogava futebol, passava um amigo lá pegava ele, ou ele ia de ônibus e ela nem sabia onde ficava esse campo, sabe aquelas coisas que “Ah, é coisa de homem”? E ela perguntava pra ele porque assim, ela sabendo onde era o campo era mais fácil saber onde tinha hospital perto, perguntar, né? E o cara disfarçando, foi embora. 

E Neide com a tia vai num hospital, vai em outro hospital e não acha, nada de achar o Jacinto, até que, no dia seguinte só, elas conseguiram localizar o hospital que o Jacinto foi socorrido e no hospital realmente ela teve notícia de que ele tinha morrido. Daí a Neide [som de mulher chorando] começou a gritar, começou a gritar que queria ver o Jacinto, queria ver o corpo do marido, onde estava o marido, e a atendente do hospital meio sem jeito, falou: “Olha, eu vou chamar a assistente social aqui do hospital pra falar com a senhora, né? Só um minuto”. E as crianças tinham ficado lá com uma vizinha, então ainda tinha isso, né? Três crianças, agora o marido morto mesmo, ela com a tia lá, ela não conseguia nem pensar direito, só que ela lembrou e falou: “Ainda bem que a gente tem aquele dinheiro guardado, vou poder fazer um enterro decente para o Jacinto”. 

E aí veio a assistente social, tirou ela dali da frente da recepção do hospital, pra parar aquela baixaria de escândalo e sentou ela lá e falou: “Olha, o quê que a senhora é do Seu Jacinto?”, ela falou: “Olha, eu sou a esposa, né?”, chorando, mal, e aí a tia falou: “Ela é a esposa dele”, ela falou então: “A gente está com um problema aqui, porque o corpo do Seu Jacinto foi para o IML e quem assinou a papelada dele aqui foi a esposa dele”. Aí a Neide… — [risos] Sabe quando você tá chorando desesperada e aí você seca, você para e falar “oi”? [risos] — E aí ela ficou olhando pra assistente social e falou: “Não, então não foi o Jacinto que morreu, porque eu que sou a esposa do Jacinto, então será que meu marido tá vivo? Então não é o meu marido” Aí a assistente social falou: “Então eu agora também fiquei com essa dúvida, porque o homem que foi internado aqui, que estava com o RG era o Jacinto, o número do RG dele é esse aqui e, assim, a Neide nem sabia de cor, ela falou: “Ah, pra eu saber eu tenho que ir em casa pegar pra ver o documento, mas não, eu que sou a esposa dele”.

Aí na ficha do hospital era um outro endereço que estava do cara, então ela falou: “Não, não é o meu marido”, e a tia dela, — Dona Dirce — tia Dirce em pé ali meio cabreira porque tia Dirce já mais velha, mais calejada — Né? Porque, ó, pensa, se Neide casou ali com vinte e um, ela estava com trinta e um, estava jovem ainda, né? E a tia Dirce já tinha lá seus sessenta anos, então, né? Uma mulher mais vivida, e estava ali já prestando atenção em tudo. — E Neide ficou radiante, falou: “Ai, não, então desculpa, foi engano”. Aí tia Dirce falou: “Olha, então, pra onde que foi esse corpo?”, ela falou: “Olha, foi para o IML Central, né?”, na época ainda tinha o IML acho que na Santa Casa, tia Dirce falou: “Olha, vamos dar uma passada pra ver esse corpo. Foi liberado?”, ela falou: “Olha, não, provavelmente pelo horário ainda não foi liberado pra enterro nada, né? Mas tá aqui o endereço, não sei o quê”, se despediu Neide felicíssima, falou: “Não, não é ele, o endereço era outro e tinha uma esposa que veio buscar o corpo pra levar no IML, então não é, não pode ser ele”, e tia Dirce quieta.

Aí a tia Dirce falou: “Bom, eu fiquei com você a noite toda e o Jacinto não apareceu, cadê ele? Não custa nada a gente passar no IML pra tirar essa dúvida”, e a Neide já começou: “Não, tia Dirce, que isso? Vira essa boca pra lá. Não é ele. Ele deve ter passado mal, deve estar em outro hospital, a gente tem que procurar nos hospitais”, aí tia Dirce — De novo, cabreiríssima — falou: “Então tá, vamos fazer o seguinte, a gente passa lá no IML e aí a gente já tá ali na Santa Casa, de repente ele foi pra Santa Casa. — Esperta tia Dirce — Ela falou: “É mesmo, então aí a gente já passa ali na Santa Casa”. Beleza, lá foram as duas, Neide assim aliviada, certeza que não era marido dela, certeza. Chegou lá no IML elas deram o nome e veio um cara conversar com elas e tinha um corpo lá com esse nome, Neide já começou a gritar de novo, mas aí não podia ser, por que que esposa? Que nome que estava lá de esposa? Porque a assistente social lá não tinha dado o nome, não tinha dado nada pra elas, né? 

E o cara que veio conversar com elas, a questão era essa, a suposta esposa do seu Jacinto não tinha conseguido liberar o corpo porque ela apresentou uma certidão de nascimento de uma criança que tinha o nome dela e o nome dele, só que ela não apresentou uma certidão de casamento, nada, então eles não liberaram o corpo e ela ficou de ir em casa buscar, mas se a Neide era casada no papel com Seu Jacinto, como uma outra tinha certidão de casamento, né? E aí [risos] aquele rolo, aquele rolo, vamos ver esse corpo, vamos ver esse corpo. A hora que tia Dirce viu o corpo, era realmente o Jacinto, e aí a Neide nem estava pensando em nada de outra esposa, nada, aí começou a gritar “Quero Jacinto, Jacinto…”, aquela coisa, né? Ela estava com o RG lá, mas também não estava com certidão de casamento, e aí tinha que voltar em casa, e tia Dirce prestando atenção em tudo, né? Aí a tia Dirce falou: “Olha, pra liberar o corpo é só mesmo um parente apresentando documento, ele falou isso, né? Porque aí tem que já fazer o contato com a funerária, ou ver se vai ser a funerária da prefeitura”, explicou lá tudo.

E elas acabaram pegando um táxi, tia Dirce pagando o táxi porque não tinha a menor condição da Neide andar de ônibus pra voltar pra casa, esperar o ônibus nada, aí chegaram, pegaram o documento, aí tinha que contar para as crianças… — Aquela coisa, né, horrível? Que é quando morre um parente perto da gente, né? — Aquela choradeira, avisa vizinho, aí liga pra pai e pra mãe da Neide que tá lá no interior pra ver se dá tempo de vir, aí não tem dinheiro pra vir… — Aquelas coisas de quando morre, quando você é pobre e morre, o gasto, eu sei bem o que é isso porque assim, minha família praticamente toda morta, então é um gasto. — E aí aquela coisa também do gasto, como é que vai fazer? E aí a Neide falou: “Não, a gente tem uma poupança que tá no meu nome e no nome dele”, e ela tinha um papelzinho lá da cadernetinha, né? E ela falou: “Eu vou ter que ir lá no banco, é só eu que posso mexer com isso, né? Eu tenho que ir até lá”, era na Caixa, “Eu tenho que ir até lá na Caixa resolver isso aí pra tirar o dinheiro pra poder fazer o funeral” —  Porque nessa hora você tem que ter força, né? Ainda mais que é só você que pode resolver. —

Deixou as crianças chorando lá de novo com a vizinha, aí agora um vizinho já levou elas de carro até o banco porque tinha que ser rápido pra sacar esse dinheiro, pra fazer as coisas do velório ali, né? Aí chegou lá no banco, vai ser atendida, aí falaram que era um caso de morte, passaram elas na frente e tal, ela entregou o documento e o papelzinho da caderneta, aí o gerente falou: “Então, mas essa conta foi aberta e ela acabou fechada porque nunca teve, só teve o depósito inicial” [risos] — Ô, gente… — “Só teve o depósito inicial, não teve mais depósito, a conta ficou sem movimentar mais de…”, parece que na época era três anos não sei, a conta encerra automaticamente. E já assim, eles abriram a conta quando eles casaram, então quer dizer, dez anos que ele estava pondo metade do salário dele, mas não estava… — Tinha ido pra onde esse dinheiro? — Quer dizer, além dele ter morrido, a primeira coisa que ela tinha ali de concreto era que ele não tinha depositado dinheiro nenhum, ainda ela cismou, falou com o gerente: “Não, não, vê direito, de repente é outra conta então”, mas não, não tinha conta, o Jacinto só abriu a conta poupança no nome dos dois, mas não tinha dinheiro nenhum na conta. 

Gente, a Neide sem chão, né? Não tinha como parar pra pensar nisso agora também porque ela tinha que arrumar o dinheiro pra pelo menos pagar as taxas, as coisas lá do funeral do seu Jacinto, e aí ela falou com a encarregada dela lá na fábrica, tanto ela quanto o Jacinto eles trabalhavam no mesmo lugar ainda, ela falou com a encarregada, a encarregada falou: “Não, com certeza o RH te ajuda, te arruma, e depois vê como desconta”. Assim foi feito, a moça do RH falou: “Olha, eu não vou descontar nada de você, a gente vai fazer tudo no nome do Jacinto e depois a gente senta e conversa” e foi como se fosse de um dinheiro que… O Jacinto morreu, mas ele estava lá doze, treze anos na mesma empresa, né? — Acho que até um pouco mais, não sei… — E aí tinha o que receber, né? E aí depois ia ver isso, então a firma se encarregou de fazer tudo, ainda bem e aí liberaram o corpo do seu Jacinto pra passar a noite no velório e ser enterrado no outro dia nove horas da manhã.

Aí tá ela lá no velório e, assim, tia Dirce só pensando lá naquele endereço que ela tinha visto lá no hospital, no papel da assistente social e pensando no papel que ela viu na mão do cara lá do IML que ela não chegou a falar, a comentar com a Neide, mas tinha um nome de mulher lá no papel, né? E aí estão lá no velório, deu tempo do pai e da mãe dela vir, as crianças também lá no velório porque nessa época não tinha essa de não levar a criança no velório… — Eu sou dessa época também, fui muito criança de velório [risos] — E aí as crianças lá, todo mundo lá, todo mundo ia passar a noite, e um vizinho leva a garrafa térmica de café, outro leva bolacha, aquela coisa de velório mais “pop”, [risos] e aí estava todo mundo lá, de repente chega uma mulher com três crianças aos berros, quem era essa mulher? — Gente, para tudo. — Esta mulher com três crianças era Geralda. — Quem é Geralda? — Geralda, lembra da namoradinha que o Jacinto teve que também trabalhava na fábrica? Gente, Geralda foi amante do Seu Jacinto esse tempo todo, o tempo todo Geralda se relacionou com Seu Jacinto e teve três filhos com ele, três filhos… — Tô bege. —

E aí no meio do velório aquele silêncio, velório a noite, né? A Dona Geralda começou a gritar “Você me roubou o Jacinto, mas ele sempre me amou, o futebol que ele ia era eu, eu que passava a roupa dele no barro pra ele ir embora. [risos] — Gente… — Ela passava a roupa dele na grama, no barro, pra simular um futebol e ele nunca jogou futebol, [risos] porque ele estava com a amante que era a Dona Geralda, que era também lá da firma e o pior, depois a Neide foi saber que o pessoal do RH sabia, porque lá eles tinham convênio médico e aí na certidão que ela levava lá, tinha o nome da mãe e tinha o nome do pai, e o nome do pai era o Jacinto que era funcionário lá também. — Pensa nisso… — O Jacinto tinha também [risos] cadastrado lá na firma as três crianças da Geralda, e o RH não podia falar nada pra Neide, não podia chamar a Neide pra falar isso, resolveu não se meter, não sei nem se podia ou não podia naquela época ainda, não sei, mas ninguém falou nada. E vai saber mais quem também, né? Por que será que Geralda mantinha segredo? Só sei que Neide jamais desconfiou. 

Então ali no velório ela descobria que ele tinha uma amante, três filhos, não tinha poupança, provavelmente tinha dado o dinheiro pra Geralda pra cuidar das crianças, né? E meu, a vida da Neide que ela achava que era um mar de rosas, que ele era o marido perfeito, era uma mentira. Aí tinha um pessoal da firma no velório e aí aquilo se espalhou, né? Queriam expulsar a Geralda de lá, mas ela estava com as três crianças e, detalhe: a idade das crianças da Geralda meio que era parecida com a idade das crianças da Neide, então assim, elas ficaram até grávidas na mesma época… — Não é louco isso? — Então eram seis crianças pequenas e as crianças também começaram a chorar, [som de crianças chorando] e aí a Geralda com raiva, e aí a Neide ficou com raiva também, aí conseguiram acalmar as duas. — E assim, eu tô rindo porque eu conversei com a Dona Neide e ela agora, né? Depois de tantos anos ela dá risada então, por isso que eu tô rindo. —

Mas aí uma hora conseguiram acalmar, a Geralda falou: “Eu não vou embora, eu também tenho o direito de velar ele, meus filhos também tem esse direito”, e aí ficou ali, pensa: o caixão no meio, de um lado lá do banco a Neide com a tia Dirce, a mãe, o pai e uns amigos e do lado de cá Geralda com as crianças e mais também umas pessoas pra meio que conter ali a coisa. E a Neide quieta, com ódio, mas quieta e assim, ela estava com ódio já do Jacinto, [riso] por ela, se não fosse pelos filhos ela ia embora, falar: “Fica aí então com ele”, e ela com aquele ódio, com aquele ódio e olhando, e a Geralda chorando “Porque ele me amava…”, de repente, uma garrafa térmica passou voando por cima do caixão, [rindo muito] a Neide tacou a garrafa térmica na cabeça da Geralda, abriu uma fenda na cabeça da Geralda, aquele sangue no velório, Geralda avançando com a cara toda ensanguentada. [risos] 

Olha, deu polícia, Geralda porque abriu a cabeça teve que ir para o hospital, a polícia não prendeu nem fez nada com a Neide porque, sei lá, acharam que ela era esposa e outra amante? Não sei também, né? Neide não respondeu por nada, não teve nem B.O. nem nada e alguém lá que nem foi a polícia também levou a Geralda para o hospital e Geralda não voltou. E aí o enterro que ia ser às nove da manhã foi antecipado pra seis da manhã, Neide falou: “A hora que chegar o primeiro coveiro aí que começar a trabalhar nós vamos enterrar esse homem”, e aí seis e pouco da manhã, que também era o tempo sei lá, se a Geralda ia voltar, então já correram com aquilo pra não dar tempo da Geralda voltar. [risos] E aí enterraram o Seu Jacinto, e a Dona Neide falou que, nossa, o ódio que ela estava ela não lembrava nem de como rezava o Pai Nosso, que aí na hora de fechar lá alguém também antecipou o padre que veio e falou umas palavras lá, ela não lembra de nada de tanta raiva que ela estava.

E aí depois disso ela ainda teve que conviver com a Geralda juridicamente, né? Porque os filhos da Geralda tinham direito a metade da indenização lá do fundo de garantia, essas coisas, metade de tudo ficou pra Neide e a outra metade foi dividida entre os seis filhinhos do Jacinto. [risos] E… Meu, a história é surreal, né? A Dona Neide nunca mais casou, não fez missa de sétimo dia para o Jacinto, quem fez foi tia Dirce porque tia Dirce pensou: “Já deve estar lá queimando esse homem, [risos] melhor fazer bastante missa que é pra dar uma ajudada”. Então sempre assim, tia Dirce, até quando tia Dirce faleceu sempre fazia missa para o Jacinto, mas Dona Neide nunca mais fez nada. Criou os filhos sozinha, continuou trabalhando lá na fábrica de linhas, acabou se aposentando na fábrica de linhas e deu tudo certo, porque a sorte dela é que ela não parou de trabalhar, então aí a única coisa que ela teve que fazer foi parar de mandar dinheiro para o pai e para mãe, mas o quê que ela fez? Ela trouxe o pai e a mãe pra morar com ela. 

Então meio que ficou bom, o pai dela arrumou ali uns bicos por São Paulo também, ficou bom, nunca passou necessidade e tal, mas [risos] nunca perdoou o Jacinto. E os filhos, os menores, os dois menores não lembram, a maior de dez anos que é a mãe dessa moça que me escreveu que lembra de tudo e, assim, mas também não conseguiu ficar com raiva do pai, porque é pai também, né? E [risos] só Dona Neide que nunca quis fazer um tributo, uma missa, nada para o Seu Jacinto, nada. Falou que até as fotos de casal, álbum de casamento, ela ia jogar tudo no lixo, mas aí tia Dirce pegou e falou: “Não, deixa que eu guardo aqui”, e aí depois quando uma das filhas lá cresceu e casou pegou as coisas e guardou, aí Dona Neide ainda falou: “Deve estar em algum baú por aí das minhas filhas, porque eu não tenho interesse”.

E aí foi isso, história de Jacinto, Neide e Geralda. E um detalhe mais legal, no velório a filha mais velha da Neide conhecia a filha mais velha da Geralda, porque elas estudavam na mesma escola e aí elas ficaram sabendo que eram irmãs e elas amaram, [risos] olha como a perspectiva da criança é totalmente diferente. E aí enquanto Geralda e Neide nunca mais falaram, na firma depois a Geralda acabou saindo também, elas estudavam na mesma escola pública, todas as crianças e elas cresceram amigas e, assim, sabendo que eram irmãs, então até hoje os filhos convivem e agora a Neide gosta das crianças também, Geralda já morreu. E detalhe que a Neide foi no velório da Geralda e rezou pela Geralda, e olha que virada, né? E até pediu perdão lá no caixão da Geralda pela garrafa térmica que [falando e rindo ao mesmo tempo] ela tacou na cabeça.

E o bacana é isso, que tipo, os seis filhos do Jacinto eles convivem, e tem aquela sobrinhada, tudo, a Dona Neide fala: “Eu nem sei mais quem é meu neto, quem não é meu neto, é tudo neto, vem um monte de criança aí”, e [risos] pelo menos teve essa parte de boa, né? Da história deles três. E aí agora eu acho que é isso, acho que eu não esqueci de contar nada, mas eu achei muito legal essa história porque, meu, dá um filminho, né? Um filminho bem legalzinho. Bom, essa foi a história de hoje e um beijo, e é isso, até a próxima.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.