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título: lilia
data de publicação: 11/12/2021
quadro: alarme
hashtag: #lilia
personagens: lilia

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Atenção, Alarme. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. E hoje eu cheguei finalmente para o nosso quadro novo, o quadro Alarme. [efeito sonoro de crianças comemorando]. E hoje eu não estou aqui sozinha, eu estou junto com o Fundo Brasil de Direitos Humanos. [palmas] — Olha que honra… — O Fundo Brasil é uma fundação que financia projetos de defesa de direitos humanos, é uma fundação independente que foi criada ali no meio dos anos 2000. — Por ativistas. — E foi criada para buscar formas de dar suporte aí a pequenos grupos e coletivos que defendem os direitos humanos aí pelo Brasil a fora. — Em geral, eles dão apoio a grupos e coletivos que não têm acesso aí a aquelas grandes doações internacionais e tal. —

O Fundo o Brasil trabalha em várias causas… Eu vou deixar aqui o link na descrição do episódio. Em comemoração aos 15 anos completados agora em 2021, eu selecionei, junto com o fundo, quatro histórias de mulheres incríveis pra contar aqui pra vocês. Histórias de mulheres que têm o apoio do Fundo Brasil aí nos seus projetos. Eu estou muito feliz de estrear o quadro aí contando histórias de mulheres maravilhosas e feliz demais com essa parceria com o Fundo Brasil. — Melhor publi. — O quadro Alarme tem mais ou menos o mesmo formato ali do quadro Patada, então depois da história a gente traz alguns profissionais para comentar e eu espero que vocês gostem. 

Aqui no quadro Alarme, a gente vai trabalhar alguns temas mais delicados, então muitas histórias têm gatilho, eu vou estar sempre avisando para vocês antes… Esta é uma história que tem gatilhos de violência. Hoje eu vou contar para vocês a história da professora Lília Melo. Ela está à frente do Cineclube Terra Firme, o Projeto Juventude Periférica, do extermínio ao protagonismo. Esse projeto é implementado no bairro Terra Firme em Belém do Pará, onde a Lília também é moradora. Bom, então vamos lá, vamos de história. 

[trilha]

A Lília foi uma criança que brincou muito na rua, muito de pega-pega, muito de esconde-esconde, muita criança junta brincando na rua e, assim, eles eram ribeirinhos, então não tinha muito acesso, né? — A muita coisa, a brinquedos assim… Era mais mesmo a criançada e a imaginação ali solta. — Então a Lília tem uma a uma lembrança muito boa da infância dela assim, uma infância muito livre… E aí chegou o período escolar, Lília filha da servente da escola com o flanelinha, e outras questões surgiram… — Porque assim… — A Lília tinha um incômodo muito grande da mãe dela ser a pessoa que varria a escola que ela estudava, então ela tinha muita vergonha… Às vezes ela estava saindo daquela sala de aula e a mãe dela estava entrando para varrer. — E você sabe como é criança, né? A criança fica encabulada assim e tal. — 

E ela ficava muito, assim, tímida e com muita vergonha por causa disso. Aí a mãe dela foi promovida a merendeira… — Os pais da Lília ainda não tinham acesso a muito estudo assim, né? — E ali da merenda, a mãe dela foi estudar e se tornou professora. — Olha que bacana. — E o pai dela que era flanelinha, também voltou, retomou os estudos e virou aí um repórter fotográfico. — Ele é repórter fotográfico até hoje. — E, na época, a Lília lembra que o pai dela era flanelinha na frente de um cinema e, às vezes, ele ganhava ingressos, então a família toda ia, por exemplo, assistir Trapalhões… Então, o acesso da Lília ao cinema, ali as artes, começou aí na infância, com esses ingressos que o pai dela ganhava. 

Quando a Lília chegou na adolescência, ela ficou muito curiosa assim com essas questões da espiritualidade. Então, ela foi experimentar aí várias religiões e se encontrou um pouco em uma, um pouco em outra e foi aí experimentando. Depois de um tempo, a Lília se interessou por outras coisas, e aí ela se interessou pela capoeira angola, e ela conseguiu se graduar aí em Capoeira Angola, chegou a dar aula em projetos sociais e tal… — E, nesses projetos dela, foi o primeiro contato que ela teve ali com o bairro Terra Firme. — Era um projeto chamado Riacho Doce, que acolhia pessoas ali no entorno da Universidade Federal do Pará, e essas crianças eram lá do bairro Terra Firme. 

Mas a Lívia não morava lá ainda, a Lília morava num bairro chamado Cremação. E aí o tempo foi passando, a Lília ali na sua caminhada descobriu que ela ia ser professora também, como a mãe dela, que ela curtia ensinar e ela começou a se envolver nos projetos sociais ali do bairro dela, que era o bairro Cremação. O tempo foi passando e a Lília se mudou para o bairro Terra Firme. — E antes disso ela já tinha filhos, já dava aula no Cremação, enfim… Já era uma professora aí com uma carreira e também com uma família, com filhos… E ela se mudou ali para o Terra Firme. — E foi dar aulas no Terra Firme, só que ela continuava participando dos projetos, né? A maioria dos projetos lá do bairro Cremação. — E aí chegamos no dia 4 de novembro de 2014… — [música de tensão]

No dia 4 de novembro de 2014 ali, bem à noite, quase entrando madrugada do dia 5 de novembro, a Lília voltava com os filhos no carro para o bairro dela, para o Terra Firme… Ela não conhecia tanta gente ali do bairro, então ela não teve acesso aos áudios que circularam durante aquele dia, ela estava o dia todo lá no bairro Cremação e, quando ela chegou na entrada do Terra Firme, ela viu uma movimentação, muitos carros de polícia, ela queria atravessar para chegar na casa dela… Só que não deixaram ela passar e ela insistiu, disse: “eu sou moradora, eu preciso passar e tal”. E quando deixaram a Lília passar com o carro, ela passou no meio do que tinha acabado de acontecer, que era uma chacina. [música triste no piano]

Então, ela passou e viu vários corpos ali no chão, alguns que ela reconheceu como alunos, alguns ali que eram pais de alunos ou conhecidos até… E os filhos dela — Que estavam no carro. — também presenciaram aquela cena. E aquilo chocou muito a Lília. — E antes de eu entrar aqui em como foi isso para a Lília, no que repercutiu isso na vida da Lília, eu queria falar um pouquinho de como foi essa noite da chacina. — De acordo com algumas matérias que eu pesquisei, no próprio dia 4 mais cedo, um cabo da Polícia Militar, — Que estava afastado. — foi assassinado por três homens no bairro do Guamá. E aí naquele mesmo dia, — Que foi o dia da chacina, depois que esse policial foi morto. — começou a correr ali pelos bairros, dentre terra firme, Guamá e mais alguns bairros, alguns áudios dizendo que não era para sair ninguém de casa… Um toque de recolher. Que eles iam fazer uma limpa nos bairros. — Eles? Quem são eles? —

Nas matérias que eu li, fala-se de grupos de extermínio que estariam ali para vingar a morte desse policial. Em determinado momento da noite, as luzes de vários bairros ali do Terra Firme e entorno, se apagaram… — Os bairros ficaram num breu. — Já tinha rolado esses áudios de toque de recolher, mas muita gente ainda voltava do trabalho, voltava da escola… Era uma terça-feira. E as luzes todas se apagaram, o bairro ficou no escuro e depois disso as pessoas começaram a ouvir tiros. [efeito sonoro de tiros ao fundo]. 

No final da noite do dia 4 de novembro de 2014 e na madrugada do dia 5 de novembro, foram mortas nove pessoas. — E depois mais uma veio a falecer. — Mas uma ali do Terra Firme veio a falecer no dia 6 de novembro também. — Vítima dos disparos da chacina. — Nessa chacina, morreram cinco pessoas do bairro Terra Firme, uma pessoa do bairro Marco, uma no Guamá, uma no bairro Jurunas, uma no bairro Sideral e uma no bairro Tapanã. Não se provou o envolvimento de nenhuma dessas pessoas assassinadas na morte do policial, e muito menos essas pessoas eram envolvidas com o crime, com nada… Eram alunos, pessoas ali do bairro. 

E aí a população se revoltou, fizeram vários protestos. — Mas é aquela coisa, né? — Na época, o bairro Terra Firme era sim um dos bairros mais violentos ali de Belém e, a partir desse evento trágico, a Lília resolveu se envolver nos coletivos ali do bairro Terra Firme e articular algumas produções culturais e tentar — O que a gente fala, né? De derrubar os muros da escola, deixar os portões abertos aí de uma maneira figurativa, mas… — inserir a comunidade dentro da escola, levar a escola ali para a comunidade por meio de várias ações ali que ela montou, culturais. 

E as pessoas estavam muito machucadas, né? E com muita raiva, querendo respostas, querendo justiça. E, mesmo assim, as pessoas se envolveram demais nos projetos e a Lília conseguiu montar ali grupo de teatro, de poesia preta, grupo de tambor, um grupo de dança… E aí ela formou um grupo de MCs e, assim, a coisa cresceu demais… Um grupo de grafite… E a ideia era que as intervenções todas artísticas acontecessem pelos bairros ali, principalmente no Terra Firme. — Pelo bairro. — Um exemplo: a Lília pegou o que a gente chama de um ponto de acesso… — Sabe aquele lugar no seu bairro que todo mundo fala: “meu, não passa por ali que você vai ser assaltado ou que vão te estuprar”, aquele ponto que você evita, muda de quarteirão? —

A Lília pegou um ponto desse e transformou… Ela transformou esse ponto aí que era proibido ali, com intervenções artísticas e fez várias coisas… E tornou um local de socialização e de produção cultural dos jovens ali do bairro mesmo. E ela fez isso em vários pontos. E esse movimento foi crescendo, eles iam nas escolas, nas instituições privadas, federais e estaduais… E acabou gerando um documentário chamado “Nós por Nós”, está no YouTube. E esse documentário foi o vencedor de um edital e que fez que os meninos fossem até o cinema para assistir a obra deles. E, antes disso, a Lília já tinha feito uma ação que levou 400 jovens ao cinema. — Jovens que nunca tinham ido ao cinema. — E depois eles voltaram naquele mesmo cinema para assistir uma produção que eles tinham feito… — Pensa que coisa maravilhosa. — E foi aí que nasceu o Cineclube Terra Firme. 

Então, esse documentário Nós por Nós, que formou ali roteiristas, cineastas, atrizes, artistas ali do bairro Terra Firme, desmembrou para outras ações culturais e chamou a atenção da mídia, uma mídia que até então só noticiava crimes. — Ali do Terra Firme, né? — Que era um bairro considerado, realmente, um dos mais violentos e era só esse tipo de notícia que saía de lá. Hoje, se você jogar no google “Terra Firme” vem, infelizmente, algumas notícias da chacina, — E que também a gente não pode esquecer, né? Que aconteceu… Que inocentes foram mortos ali. — mas vem também muita produção cultural. 

Se você jogar no google “Terra Firme”, “Cineclube Terra Firme” então, se você jogar, é uma imensidão de projetos que você consegue acessar. O jovem ali do Terra Firme que era retratado, principalmente na mídia, como um alvo de extermínio, hoje é um agente transformador, né? Um jovem que promove cultura, que é uma referência positiva e produtiva ali dentro do bairro e outras periferias da região. E a coisa ganhou o mundo, saiu do bairro, né? Repercutiu ali no estado do Pará inteiro, no Brasil também e fora do Brasil… Em 2020, a Lília foi uma das 50 finalistas do Global Teacher Prize, uma premiação internacional considerada o Nobel da Educação. — É isso, gente, a Lília estava me falando assim, né? —

Em termos de seleção, é muito difícil você ver o Norte tendo esse destaque, né? É sempre o eixo ali Sul-Sudeste… — E ela tem toda razão em relação a isso, né? — Hoje, além de documentários e curtas, o Cineclube tem outros braços assim, eles fazem outras coisas, eles têm um coletivo de grafite muito bacana, esse coletivo faz intervenções ali no bairro. Tem batalha de passinho, tem o reconhecimento ali dos MCs, batalha de rimas… E numas das ações mais recentes, eles coloriram as ruas do bairro, pintaram várias ruas, vários muros… Retrataram nas ruas, pintaram os rostos de personalidades do bairro, que são importantes ali no bairro, que foram importantes no bairro. 

Então, eles pintaram essas pessoas, e o objetivo é incentivar e permitir que o jovem ele se reconheça como um artista. — Como um agente de cultura. — E a Lília gosta de lembrar que os meninos que são esses agentes de cultura hoje, transformando de maneira positiva ali o entorno e o bairro, eles eram aqueles alunos que nenhum professor gostava, eram alunos que não entravam em sala de aula, que a família já estava, assim, desesperada, que não sabia mais o que fazer, pensando em desistir mesmo daquele jovem. E aí foi a arte, né? Foi ali potencializando o dom artístico desse jovem que fez com que ele saísse desse mundo aí, criminalizante e criminalizado, e conhecesse esse novo mundo das artes, da cultura e isso, gente, transforma. 

É um projeto lindo da Lília, eu li aqui, conversei com ela e tal, depois fazendo o roteiro chorei demais assim, tem muita coisa que eu queria falar, mas vai ficar muito grande… Várias histórias de pessoas do bairro, sabe? A história do seu Cotó, do Padre Bruno, talvez sejam histórias que eu conte aí mais para frente, com detalhes, mas olha, o trabalho da Lília é assim, de tirar o chapéu… Ela realmente está mudando o mundo. Eu fico muito feliz de ter podido trazer a história dela aqui para vocês. 

[trilha] 

Déia Freitas: Agora a gente vai ouvir a Adriana Guimarães, ela é assessora de projetos do Fundo Brasil e ela é responsável pelo edital 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que foi o edital que a Lília recebeu apoio. E depois da fala da Adriana, a gente vai ouvir um pouco a própria Lília falando do projeto. 

[trilha]

Adriana Guimarães: Eu vou falar um pouco sobre a Lília de Melo, que é a liderança de um grupo de jovens pretos periféricos, que atuam na periferia de Belém, do Pará, no norte do país. Eles enviaram um projeto para o edital 70 anos da Declaração de Direitos Humanos do Fundo Brasil que chamou muita atenção da gente, do comitê de seleção… Foi o fato de esse projeto lidar com essa temática de juventude preta, periférica justamente no norte do país. A gente recebe projetos dessa natureza normalmente do sudeste do país e isso chamou bastante a atenção do comitê de seleção. A Lília é uma liderança muito especial para esse grupo, o projeto deles chama “Cineclube TF, Juventude negra periférica, do extermínio ao protagonismo”, e eles conseguiram realizar uma série de ações previstas no projeto, todas usando ferramentas de produção audiovisual, né? Muito do que foi feito foi fruto de oficinas de teatro, dança, poesia preta… 

E eles organizaram um sarau, que era realizado em áreas da cidade chamada como “lugares proibidos”, que eram regiões muito perigosas da periferia de Belém e eles tiveram um público cativo muito grande, né? No meio do projeto eles foram surpreendidos com dois desafios grandes, o primeiro foi um acidente que a Lília teve com a mão, muito sério e, logo em seguida, a chegada da pandemia de Covid-19, que pegou todo mundo de surpresa… Muitas atividades tiveram que ser ajustadas às necessidades daquele momento, né? Então, o grupo ainda usou os recursos do projeto para ajudar o povo da periferia, foram distribuídas cestas básicas… Porque era justamente isso que eles entendiam como necessário naquele momento, mas do que qualquer outra ação que eles tivessem planejado e o Fundo Brasil, certamente, apoiou essa visão da Lília e do grupo que executaram esse projeto de maneira tão bacana. 

Lília Melo: O que o projeto fez e faz pela comunidade é servir de vitrine para divulgar a arte periférica de jovens da periferia, da comunidade… Mas, ao mesmo tempo, que ele serve de vitrine para mostrar essa arte, ele desconstrói essa iniciativa criminalizante que é estruturada, que é estrutural. Tudo o que o menino faz na periferia é criminalizado… O funk é música escrota, o rap não presta, é música de bandido, a dança, se a menina dança é vulgar… As batalhas de MCs só dá maconheiro, o grafite e o picho é coisa de vagabundo… E por aí vai. Então, nós conseguimos, através do projeto, um reconhecimento e valorização das produções artísticas periféricas. Então, por exemplo, hoje, a escola Brigadeiro Fontenelle, embora tenha se tornado uma escola cívico militar, ela é a única em Belém que tem um muro grafitado pela comunidade e quem gerenciou esse grafite foi o projeto Cineclube TF. 

Esses meninos, que hoje coordenam o PERIFÉART, que é um grupo de grafite do Cineclube TF, entregou, durante a pandemia, um corredor cultural grafitado, feito como intervenção com personagens da comunidade, criando um mapa que constrói um itinerário de turismo de base comunitária. Então, por exemplo, nós perdemos o Padre Bruno, que é uma referência grande de juventude aqui. Não só no estado do Pará, mas em todo o Brasil, porque ele contribuiu para a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente. E, quando nós perdemos o Padre Bruno, nós ficamos muito tocados, chocados e perdidos, e aí eles resolveram grafitar a imagem do Padre Bruno em uma rua principal do bairro, onde todo mundo passa. E ali fazer um sarau em homenagem à vida de Padre Bruno. 

Quando eles estavam gravando, eles descobriram a história do Seu Cotó… Seu Cotó estava adoecido por conta da Covid-19, ele estava passando por uma depressão por conta de várias coisas que ele tinha passado, e aí ele fez um investimento em plantas… Não só ornamentais, mas medicinais, na frente da casa dele… E aí ele construiu um canteiro, que hoje é uma esquina bonita na rua assim, no meio do asfalto… Uma intervenção verde. E aquilo o salvou da depressão. E aí nós fizemos, os meninos do grafite, do projeto, fizeram a imagem… Assim como fizeram a imagem do Padre Bruno, fizeram a imagem do Seu Cotó. Fizeram uma grande homenagem… Isso fez o Seu Cotó levantar da cama, ir lá ver, participar… E aí ele participou do sarau, foi para mídia, foi televisionado isso… E várias outras intervenções que eles fizeram no bairro inteiro, existe um caminho, que tem até um mapa desse corredor cultural através do grafite… 

Isso eu estou falando de grafite, mas existem também os outros grupos de trabalho que atuam com a poesia a preta, por exemplo, as meninas que trabalham com a literatura afro-indígena, elas estão oferecendo, dentro de territórios mapeados pelo governo, os territórios da Paz, elas estão oferecendo oficinas de literatura afro-indígena-ribeirinha e produção poética, escrita criativa. 

Agora, na Feira Pan-Amazônica do Livro, que é uma das maiores feiras da América Latina, elas vão estar lançando um livro virtual e vão estar fazendo e apresentando o bate papo cabeça. Elas já publicaram um livro, a poesia delas já estão disponibilizadas em livros, elas fazem intervenções em saraus, em escolas públicas, privadas, agora pelo âmbito da consciência preta elas estão por aí dando palestra, abrindo shows, enfim… Elas são artistas. E aí são meninas que, predominantemente, lá no início, elas se juntaram por conta de uma experiência em comum, que era o abuso sexual. Então, meninas que tiveram uma dor absurda, conseguiram ressignificar a vida a partir da poesia. Eu já acho isso revolucionário. 

E aí tem o audiovisual também, que produz um produto para as plataformas virtuais, que é gerado a partir do produto de cada grupo de trabalho. Então, o PERIFÉART faz a intervenção com grafite, na hora que faz o sarau o audiovisual vai lá, faz a cobertura, depois edita um vídeo, faz um documentário e esse documentário é exibido na rua, num telão, promovendo um cine a céu aberto. Então, a gente tem muito essa intervenção coletiva… A galera da poesia vem e recita, são poesias autorais, a galera do grafite faz uma intervenção no muro com o grafite, a galera da dança, dança, a do teatro, apresenta e o audiovisual capta a imagem de tudo isso, faz a edição, gera um produto e, depois, em um próximo sarau, a gente junta todas essas intervenções e mostra o vídeo pra dizer pra comunidade: “Olha aqui o que a juventude da periferia faz”. 

Então, de certa forma, nós estamos conseguindo desconstruir uma imagem criminalizante das produções culturais de jovens de periferia, trazendo o protagonismo juvenil para esses jovens e gerando renda… Porque esses meninos já estão sendo contratados no Centro, tem muitos deles, tipo: “olha, quem foi que fez o grafite da escola Brigadeiro Fontenelle?”, “Ah, foi fulano” “Então pronto, bora contratar para fazer uma intervenção numa biblioteca que a gente está abrindo aqui”, “num bar que a gente está abrindo ali”, em algum empreendimento. Então, eles já são conhecidos e reconhecidos e hoje são contratados também. É claro que não é uma contratação assim que a gente possa dizer: “Nossa, olha, não falta trabalho”, não, ainda falta muita coisa, mas aquele produto da arte dele já gera uma renda que faz com que o pai e a mãe olhem e digam: “Meu filho não é vagabundo, ele está estudando e isso aí é conhecimento, é conhecimento científico que precisa ser valorizado”. 

E as intervenções dentro das escolas também, porque o curta metragem, o documentário, tudo o que eles fazem, eles levam para as escolas públicas para exibir e debater, exibir e debater… Então, eles fazem roda de conversa, que é o Cineclube, né? A partir dessas produções… E aí eles que eles passam a desconstruir essa imagem criminalizante da arte deles, né? Muitas obras deles já foram material didático dentro de escolas públicas e isso é muito bacana, isso é muito interessante. Então, nós temos, inclusive, um GT que é só de responsáveis desses meninos, que é o “amor preto, minha cria”, aí a gente faz um lanche no final da tarde, no final de semana… Porque dia de semana, predominantemente, as mães e pais trabalham. E aí a gente mostra pra esses pais: “Olha aqui o que o teu filho faz, olha que bacana”. É bom lembrar que os meninos do projeto, eles são meninos que, inicialmente, eram uma liderança negativa dentro da comunidade e da escola. Era aquele tipo de aluno que nenhum professor gostava, que não entrava em sala de aula, que a escola queria se livrar e que a família já estava em desespero, de desistir dele. Então foi a arte, foi o dom artístico, foi potencializar esse dom que fez com que ele saísse desse mundo criminalizante e criminalizado.

Dentro desse território que a gente está, que é o bairro da Terra Firme, é um palco de disputa de poder entre policiais milicianos, entre interesses partidários, de igrejas, de escola… Entre ação do governo e o tráfico. Então, a juventude, ela um objeto dentro desse terreno que é palco de conflito. Quando a gente entra com o Cineclube TF atuando com essa juventude, eles passam a ser sujeitos ativos de transformação positiva da sociedade. Então é isso que a gente tem feito para a comunidade. 

Déia Freitas: Então é isso, gente, um beijo, obrigada… [miado de gato ao fundo] — Coentro Nenê também está aqui agradecendo. — Eu tenho mais três histórias incríveis para contar desse projeto e vamos que vamos, vamos juntos. Eu vou deixar todas as infos aqui do Fundo Brasil na descrição do episódio. Um beijo e até breve. 

[vinheta] Alarme é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta] 

Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.