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título: maria leci
data de publicação: 15/01/2022
quadro: alarme
hashtag: #leci
personagens: maria leci e mariana nunes

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Atenção, Alarme. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pro último episódio do quadro Alarme em parceria com o Fundo Brasil de Direitos Humanos. — Meu publi. — O Fundo Brasil, que em 2021 completou 15 anos, é uma fundação independente que financia e dá suporte a pequenos grupos e coletivos que defendem os direitos humanos de todo o Brasil. E eu estou aqui para contar a história de mais uma mulher preta incrível e contar um pouco sobre o seu papel aí na comunidade. Eu vou deixar o link do Fundo Brasil aqui na descrição, eu já contei a história da Lília, da Alexandra e da Alessandra. — Volta o feed aqui para ouvir. — Hoje eu vou contar para vocês a história da Maria Leci Vieira Vaqueiro, ela é uma das lideranças da Associação Remanescente de Quilombo Ibicuí da Armada, essa associação fica em Santana do Livramento no Rio Grande do Sul. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha] 

Quando a Leci era criança, seus pais trabalhavam numa fazenda na área rural de Livramento, bem na divisa ali com o Uruguai. Com sete anos de idade, os pais da Leci resolveram se mudar aí pra cidade para que ela tivesse a oportunidade de estudar. [efeito sonoro automóvel em movimento] E aí quando a Leci fez 9 anos, os pais resolveram que seria melhor ela morar com uma família que podia dar ali melhores condições de vida para ela, né? Então, dos 9 aos 15, ela morou com uma família de fazendeiros ricos e tal, e quando ela tinha ali seus 15 anos, ela voltou para a casa dos pais. — Pra poder trabalhar… E ela já estava maior. — Para poder trabalhar e ajudar nas despesas da casa. 

Quando a Leci fez 20 anos, ela se casou com o Nilton e foi morar na comunidade Quilombola Ibicuí da Armada. E essa comunidade fica a 50 quilômetros ali do município de Santana do Livramento. A Leci teve dois filhos com o Nilton e, ali na comunidade quilombola, ela percebeu que não existiam lideranças femininas. Ela percebeu que ali a maioria das ações e as decisões eram tomadas por homens. E aí a Leci ficou pensando assim: “Como que eu vou furar essa bolha e fazer parte aí dessas lideranças e das pessoas que realmente tomam as decisões, né? Aqui no quilombo”. E aí a Leci falou: “Não, eu tenho que colar no cara aqui que é o principal”, e aí ela foi lá e colou no seu Antônio Eduíno. — Que foi a pessoa que descobriu e organizou ai aquele quilombo. — 

E para estar por dentro de tudo, a Leci virou secretária do seu Antônio Eduíno, então ela ia em todas as reuniões, participava de tudo… — Das ATAS… Porque ela estava ali para auxiliar o seu Antônio. — E aí a Leci foi construindo ali o seu lugar, o seu espaço dentro do quilombo e começou a ser mais atuante, a dar umas sugestões e a fazer alguns movimentos para trazer algumas melhorias ali para a comunidade. E assim a Leci foi se fortalecendo ali, né? — Junto com seu Antônio Eduíno. — E dando ideias, se mostrando atuante no quilombo e as pessoas começaram a respeitar mais a Leci. — Existia sim muito machismo ainda, né? Uma resistência quanto a ter mulheres ali na liderança e tendo atitudes assim mais proativas. Só que ela tinha o apoio do seu Antônio… — 

E conquistando o espaço dela, a Leci conseguiu se tornar presidente da associação. — O seu Antônio foi presidente depois ela foi. E o seu Antônio ficou ali como secretário dela durante quatro anos. — E aí em 2019, depois de perder vários direitos em virtude do governo atual, eles tiveram a ideia de juntar os quilombos, né? — As comunidades ali da região. — Para fazer um grande encontro e assim se fortalecer, trocar ideias, enfim… Antes desse grande encontro de 2019, já rolava alguns encontros regionais, algo mais, assim, local, mas nunca eles tinham conseguido juntar tantas lideranças, de tantas comunidades como eles conseguiram em 2019. 

E aí o Fundo Brasil de Direitos Humanos entrou nessa hora que eles estavam se organizando para realizar esse encontro e eles participaram de um edital e ganharam. E o Fundo Brasil conseguiu dar aí esse apoio financeiro para que as coisas corressem melhor. E aí nesse encontro, né? Além das comunidades quilombolas, estava presente ali a universidade, a Conac que também estava ali articulando — E Conac significa Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos. — A Emater também estava presente… E o papel da Emater é promover o desenvolvimento rural sustentável através da prestação de serviços de Assistência Técnica, Extensão Rural e Social, classificação e certificação em benefício da sociedade. — Nesse caso a Emater-RS, né? Do Rio Grande do Sul. —

E aí uma coisa muito legal que acabou acontecendo também nesses encontros, é que as comunidades quilombolas elas passaram a trocar as sementes crioulas. — E aí você vai perguntar assim pra mim: “Déia, o que é uma semente crioula? E aí eu vou te responder:” puxa, eu não sabia também”. [risos] Mas agora eu sei. — Uma semente crioula, pensa assim, é uma semente que ela passa de geração para geração, então é uma variedade ali de sementes que são produzidas e adaptadas por agricultores familiares assim, então indígenas, quilombolas, assentados de reforma agrária… Então, assim, tem variedades, tem milho, tem batata, tem um monte de coisa… Tem cenoura, tem abóbora… E aí pelas sementes, você tem as características daquele milho, daquela batata. — Muito legal, né? — 

E as comunidades quilombolas do Sul elas são guardiãs das sementes crioulas. — E, gente, isso é muito louco… — E essas sementes elas são um patrimônio genético mesmo, né? — Genético cultural de vários povos aí tradicionais, indígenas, quilombolas e, assim, eles ajudam a conservar, né? — Aquele recurso e tal… — E aí eles conseguem, por exemplo, melhorar a produção de um determinado milho… — Então, assim, gente, estou falando aqui na orelhada do que eu entendi, mas se você jogar aí “guardião de semente crioula” no Google, você vai achar bastante coisa. — E aí por que eu escolhi a história da Leci, que difere um pouco das outras histórias que eu trouxe aqui? — Nesse mini especial do Fundo Brasil de Direitos Humanos. — 

Porque duas coisas me chamaram bastante atenção na história dela. — Na verdade, três coisas. — Primeiro, essa questão do machismo, né? Dentro das comunidades quilombolas. Então é uma luta que está sendo vencida, hoje já tem muitas mulheres aí atuando e participando da liderança de vários quilombos. Isso eu achei muito bacana, esse papel da Leci abrindo esse caminho no Sul. Outra coisa que me chamou muita atenção é uma luta — Que eles travam lá nesses quilombos, né? Eles são vários ali juntos… — contra os agrotóxicos. — Porque, gente, tá uma coisa insana… — 

O governo, que a gente já sabe, liberou vários tipos de agrotóxicos e isso colocou em risco várias plantações ali, né? Familiares, a área dos quilombos… E como diz a Leci, é uma luta dos grandes querendo que os pequenos, que são os quilombos, saiam dessas terras. E aí um jeito de tentar vencer é pelo veneno… — Pelos agrotóxicos. — Isso já é uma luta que vem de tempos, mas neste evento que durou dois dias em 2019, a Leci conseguiu juntar ali 16 comunidades quilombolas, — Mais de 300 pessoas. — ali no Rio Grande do Sul, para tratar desse assunto, né? Para se organizar melhor para combater esses grandes, né? — Que a Leci diz que invadem a área e, enfim, a gente já sabe… —

Outra questão que eu fiquei muito interessada, é que a Leci estava me falando que os quilombos eles estão envelhecendo, e os jovens que nascem nos quilombos, eles saem para estudar e não voltam… Então, agora eles estão com projetos e planos para que esse jovem volte a morar nos quilombos depois que ele foi, estudou, fez o que queria fazer aí em relação à sua vida acadêmica e volte para o quilombo, para também que a comunidade se beneficie do que ele aprendeu e que ele possa deixar esse quilombo mais jovem. — Eu, particularmente, não tinha a menor ideia em relação a essa questão tão séria dos agrotóxicos, né? E de como eles tentam expulsar os quilombolas dessas terras envenenando.. Literalmente, envenenando essas terras e essas pessoas. E essa questão do jovem não voltar para o quilombo… Então, quando você pensou isso? Eu nunca parei para pensar sobre isso, sabe? Das pessoas que saem, os indígenas eles já fazem um movimento para os jovens retornarem ali para as aldeias e super funciona, e agora os quilombos estão fazendo também esse mesmo movimento para que os jovens voltem depois que eles estudam e tal para habitar ali os quilombos e deixar a coisa mais jovem. — 

A Associação Remanescentes de Quilombos Ibicuí da Armada tem uns 12 anos de fundação. Foi o seu Antônio Eduíno que formou ali a primeira associação. A gente não precisa nem falar que também a Associação e os quilombos ali todos estão aí na luta contra o racismo também, né? Principalmente ali no Sul. Então, tem essa questão também, por isso que eu escolhi um quilombo lá do Sul para a gente ver como eles atuam… E eu pensei que eu fosse descobrir um pouco mais sobre como é essa questão do racismo lá, mas a gente focou mais em falar um pouco sobre as questões que afligiam mais a Leci, né? Que, no caso agora, é essa questão dos agrotóxicos e também esse projeto bacana. — Que eu vou querer saber mais depois, e se eu souber mais, eu trago para vocês… — De como rejuvenescer os quilombos, como trazer a garotada aí de volta. Isso é muito legal, né? 

Eu quis trazer aí um pouco dessa informação pra vocês. E trazer a Leci, que é uma luta diária, uma luta quase silenciosa, né? Porque pouca gente conhece, eu também não tinha a menor ideia… E de um trabalho tão grande que ela desenvolve com tantos quilombos que ela conseguiu juntar e agora eles estão mais organizados… A Leci é uma mulher e tanto. 

[trilha] 

Déia Freitas: E agora a gente vai ouvir a Mariana Nunes, Assessora de Projetos do Fundo Brasil e, na sequência, a gente ouve a Maria Leci, maravilhosa, contando aí um pouco para a gente do projeto dela. 

[trilha] 

Mariana Nunes: Eu sou Mariana Nunes, Assessora de Projetos do Fundo Brasil de Direitos Humanos, onde acompanho organizações, grupos e coletivos que estão em luta pela defesa dos direitos humanos a partir do enfrentamento ao racismo e a defesa e proteção de ativistas e militantes de direitos. E foi assim que eu conheci a história da Maria Leci Vieira, que é uma liderança e ex-presidente da Associação Remanescente de Quilombo Ibicuí da armada, do Rio Grande do Sul, e que foi apoiada pelo Fundo Brasil no edital geral 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 

Mais de 6 mil territórios quilombolas em todo o Brasil protegem ecossistemas críticos, como a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, o Cerrado e o Pantanal. Eles desempenham um papel essencial e contribuem com a sociedade por meio da sua cultura, do uso coletivo da terra, do respeito à natureza e da gestão ambiental sustentável. A região denominada Bioma Pampa, que é onde se localiza o quilombo onde a Maria Leci vive, no estado do Rio Grande do Sul, abriga diversas comunidades remanescentes de quilombolas, que se originaram a partir da população negra que trabalhavam como mão de obra escravizada nas grandes [inaudível] de gado e nas charqueadas. 

É fundamental apoiar lideranças como a Maria Leci Vieira, que além de uma história de luta pela reafirmação da sua identidade quilombola, de luta contra o racismo e também contra o machismo, já que ela é uma das primeiras lideranças mulheres quilombolas da sua comunidade, também ajuda a questionar o predomínio de um discurso de exaltação à presença branca europeia nos estados do sul do Brasil. Apoiar grupos como o quilombo Ibicuí da Armada no Rio Grande do Sul e lideranças como a Maria Leci, é fortalecer a luta antirracista e demarcar que a ancestralidade negra está presente em todos os estados do Brasil. 

Maria Leci: Para assumir o papel de liderança da comunidade, enquanto presidente, eu antes andei muito junto com seu Antônio Eduíno, que é a pessoa que descobriu, que organizou tudo para que hoje essa comunidade existisse. E aí eu era secretária dele na época, né? A nossa comunidade ela tem uns 12 anos, 12 anos de associação formada e foi o seu Eduíno que constituiu a primeira associação. E eu era a secretária dele, então a gente andou muito junto, nas reuniões, saímos para fora da cidade aqui na área rural… Fomos em Bagé, Alegrete, Quaraí, São Gabriel… Aqui essas comunidades da Volta a gente conhece a maioria, né? E então a gente foi se aperfeiçoando nos assuntos, vendo o que a gente podia trazer para dentro da comunidade.

Então isso me deixou bem forte para que eu pudesse quando teve que… Porque são quatro anos, o Estatuto garante quatro anos de diretoria, dois anos e mais dois, e aí quando venceu o seu Eduíno eu entrei como sendo a presidente e ele virou meu vice-presidente. Então o pessoal aceitou bem, porque eu estava bem por dentro dos assuntos, e a gente dentro desses quatro anos conseguimos muitas coisas, né? Nos primeiros quatro anos adquirimos muitas coisas para a comunidade e, através disso, foi o que me fortaleceu para eu ser uma liderança dentro da comunidade… 

A nossa cidade ela é uma cidade machista, racista também, né? Mas como aqui as pessoas da comunidade são negras, fazem muitos anos que moram aqui, e a maioria família, então, o machismo existe sim… Quantas coisas a gente tem que passar por cima disso, né? Muitas vezes… Mas eu me senti bem pronta para ser líder dessa comunidade sim.  Para nós fazermos o encontro que juntou as comunidades, essas 16 comunidades com 300 pessoas, até mais, né? Nós começamos a pensar um tempo atrás que a gente tinha que fazer uma… A gente já fazia encontros, mas era regional, nunca com tantas comunidades, tantas lideranças, quanto dessa última vez em 2019. 

A gente já tinha mais ou menos uma ideia de como fazer, mas aí quando a gente pensou numa coisa maior, porque a gente também participa junto com a Conac, com a Federação, de outras atividades, então, a gente achou que poderia ser um encontro estadual, né? Era um momento em que a gente estava precisando muito de unir as forças, era um momento que nós tínhamos perdido a eleição, entrou o Bolsonaro e está como está agora… A gente começou a viver isso, como é que a gente ia fazer, a quantidade de direitos que a gente estava perdendo e achamos que a gente tinha que se organizar para fazer esse encontro.

 Foi quando a gente conseguiu entrar no edital do Fundo Brasil… Aí quando a gente conseguiu o valor, a gente se organizou, porque a Emater sempre trabalha com gente, né? E aí a gente se uniu com as universidades, a Emater, a universidade, a Conac, a Federação e todos esses órgãos fizeram parte junto com a gente. Foi a maneira que a gente conseguiu de poder trazer essa quantidade de pessoas para dentro da nossa comunidade e mostrar o que a gente tinha de melhor, mostrar a distância que a gente percorre para a gente poder chegar até o centro da cidade. Então foi bem interessante, uma troca de experiência muito boa. Esses encontros foram dois dias e foi muito interessante, muito bom… Levantaram muitas demandas das comunidades. 

A gente está junto sempre quando tem atividades nas trocas de sementes crioulas e a gente também está junto nessa luta contra o racismo, contra o preconceito… Isso é mais que normal da gente estar junto, mas também a gente está junto na luta contra os agrotóxicos que estão tomando conta das comunidades, estão vindo para cima com tudo, querendo que o pequeno saia das terras e é isso aí… E também a gente está junto numa demanda, uma demanda que é das comunidades… A maioria das comunidades aqui do Estado está ficando envelhecida, né? A gente não tem muitos jovens, então a gente está junto nessa parte, de que maneira a gente vai fazer para que o jovem ele continue dentro das comunidades.

É uma luta… E são coisas que a gente está tentando, de alguma maneira, não se sabe ainda como fazer para que o jovem, quando ele for estudar, ele volte de novo para dentro das comunidades. Acredito que seja nessas atividades que nós estamos juntos, né? E também junto com a Conac, que é onde une as comunidades quilombolas, a Federação também, do Rio Grande do Sul aqui.

[trilha] 

Déia Freitas: Este foi o meu último episódio com o Fundo Brasil, eu amei a parceria, tamo junto Fundo Brasil, espero que em breve eu volte contando mais histórias aí dos projetos do Fundo. Um beijo e eu volto em breve. 

[vinheta] Alarme é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta] 

Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.