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título: paquera
data de publicação: 22/10/2020
quadro: mico meu
hashtag: #paquera
personagens: déia

TRANSCRIÇÃO

Déia Freitas: Oi, gente… Como se não bastasse tudo que eu já faço nessa vida, eu resolvi criar mais um quadro para o canal. Eu estava esses dias aí contando alguns desfechos de história e, nossa, um baixo astral, que às vezes eu recebo umas coisas, né? E aí eu resolvi contar um mico que tinha acontecido na minha vida pra gente dar um pouco de risada, assim, rir da humilhação alheia, da minha no caso, né? Postei lá no Twitter, algumas pessoas contaram micos que tinham acontecido também com elas e eu resolvi criar o quadro Mico Meu. Então, se você já pagou algum mico e você se sente bem com ele, assim já superou e que você já ri disso, porque o importante é a gente já rir, então você pode me escrever que a gente vai rir com você do seu mico.

E aí nesse quadro eu não troco nomes, não troco lugares, não troco datas, igual eu faço nos outros quadros que é pra preservar o anonimato, nesse não, nesse você vai dar a cara a tapa, você vai assumir o seu mico. Então, se você tem um amigo pra contar, qualquer mico, de qualquer tipo, eu já selecionei alguns aqui pra contar pra vocês, me escreve que no final do episódio tem o e-mail, e aí vocês podem mandar aí os micos de vocês. E a gente vai começar com um mico meu, né? Um mico que eu paguei aí de uma maneira bem ridícula. Então vamos lá, vamos de história.

[vinheta] Ops… Mico Meu, haha! [vinheta]

Então eu vou contar pra vocês a história do dia que eu fui assaltada e, que, nossa, [risos] fiquei mal, mas enfim. Eu não vou mudar nada.

[trilha]

Eu trabalhava no Shopping Ibirapuera, eu era gerente de uma rede de lojas, então eu não ficava só lá, eu ficava em várias lojas do Brasil todo, então era uma época que eu viajava muito, eu ainda além disso fazia uns freelas na São Paulo Fashion Week, às vezes, Fashion Rio. Então, gente, era uma época que eu me vestia assim arrasando, sabe, quando você vai linda? Estava sempre impecável. E eu estava namorando, apaixonadíssima, já namorava há anos com o Beto e estava muito feliz, então eu era assim, metida, metida mesmo, não ficava olhando pra ninguém porque eu não tinha porque paquerar, eu estava muito apaixonada. Só que, apesar de todo esse glamour, eu era pobre. — Eu era pobre… — Nunca saí da Classe C, então eu fazia tudo de ônibus, era uma época que não tinha Uber, não tinha nada. 

Então eu moro em Santo André, Shopping Ibirapuera, Zona Sul, longe, assim, linda de salto, eu pegava uma condução aqui do lado da minha casa até o Sacomã, então era uma hora. E do Sacomã saía um ônibus… — Que ainda tem esse ônibus. — Que passa atrás do Shopping Ibirapuera e era mais uma hora e vinte mais ou menos, então assim, era praticamente três horas dentro do ônibus pra chegar no trabalho, ficar lá dez horas e depois mais três horas pra voltar, chegava de madrugada, [efeito sonoro de porta sendo aberta] e era uma época que eu trabalhava muito e me vestia muito bem, sempre gostei muito de me vestir bem, e eu estava bem com a minha autoestima, sabe quando você tá se achando assim bonita e tal? Então o cenário é este, tá? Este é o cenário da minha história.

E eu estava no ônibus, e eu tinha dois celulares, o meu celular Classe C que era o meu celular e o celular da firma que era um puta celular, que assim, tinha que me atender em tudo, e o meu celular era o mais básico. E eu estava no ônibus e eu pegava no ponto final no Sacomã e descia no ponto final, porque o ponto final dele era no Shopping Ibirapuera, então ele passava atrás do Shopping Ibirapuera e eu descia ali atrás, ele já fazia a curva e já voltava pro Sacomã, então eu descia no ponto final mesmo. E eu estava conversando com uma amiga minha que é estilista, a Sarita Dal Pozzo, e a gente estava conversando sobre uma coleção, sobre uma coisa que a gente ia fazer muito legal e eu me achando ali, porque, né? Eu ia participar, isso e aquilo, e eu vim conversando com a Sarita lá do Sacomã no ônibus, então assim, dando mole com o celular, até quase chegar atrás do Shopping Ibirapuera.

Quando eu já estava chegando, eu guardei o celular e eu estava, como eu falei pra vocês, uma fase muito boa, então eu percebia que eu era muito paquerada, mas eu não estava nem aí, eu não ligava e até olhava feio, sabe, marrentinha? [risos] — Ai, gente, olha, me achando… — E aí eu estava no ônibus, eu tinha notado que tinha um cara me olhando muito assim, me olhando muito, e o cara estava bem arrumado e tal, mas eu fiz aquela cara, sabe quando você vira o olho assim? Tipo “Ai, mais alguém me paquerando”. [risos] — Que dó, que dó de mim… — E algumas vezes assim, eu estava no celular, eu passava o olho ele estava me olhando e eu me achando. E aí chegou meu ponto e eu desci, um pouco antes eu desliguei, coloquei o celular no bolso, que eu estava falando com ela no meu celular e desci. Desci plena, e eu estava assim, eu estava com salto alto, um salto dez assim, scarpin, salto alto, estava com uma calça jeans muito justa e estava com uma camiseta cinza mescla assim, mas que tinha um pato na frente de lantejoula, que era uma camiseta que eu ganhei num desfile lá da Fashion Week. E, assim, eu estava bonita mesmo, estava bem, não tinha porque falar que não, mas estava.

E a minha sorte é, eu estava com aquele salto por quê? Porque eu pegava o ônibus muito perto da minha casa, descia praticamente dentro do shopping, aí ficava lá na loja e tal, às vezes ficava descalça se quisesse, escondido ali atrás do balcão, então eu não tinha que andar muito. Então eu desci do ônibus plena, eu tinha feito escova no cabelo, eu estava impecável e o cara me segurou pelo braço, [risos] o cara que estava me olhando e falou assim pra mim, gente: “Me dá seu telefone”, [risos] eu me achando a última bolachinha do pacote… — De bolacha maizena, né? Classe C, mas a última bolacha. — Olhei pra ele assim com a cara mais de, assim, de desprezo do mundo, soltei o meu braço e falei: “Eu tenho namorado”, o cara pegou no meu braço de novo e falou: “Me dá o seu telefone”, eu dei uma risada na cara dele e falei: “Ah, só faltava essa agora. Eu tô falando pra você, você não tá entendendo, eu tenho namorado”, quando eu estava terminando a palavra namorado, ele levantou a camisa e tirou um revólver, [risos] eu completamente fora da casinha, completamente, pensei: — Gente, juro por Deus… — “Gente, ele quer muito mesmo meu telefone, ele tá me ameaçando com uma arma porque ele quer sair comigo”. [risos] — Eu achando que ele queria o meu número de telefone com uma arma, armado. —

E aí ele falou de novo, mas aí ele falou de um jeito que aí só eu entendi, que ele estava querendo meu aparelho celular e, conforme eu entendi a minha cara provavelmente mudou muito, além de todo o choque. Porque até então a arma não tinha me assustado… — Engraçado, né, porque eu achei que o propósito da arma, não sei explicar, gente, eu fui muito idiota. É… Eu achei que o propósito da arma, sei lá, era pra conseguir meu telefone, meu número de telefone. — Quando eu saquei que era um assalto e devo ter feito a pior cara do mundo, além da cara de assustada do assalto, eu devo ter feito uma cara de “Nossa, ele não queria meu telefone”, a cara do assaltante, juro por Deus pra vocês, ele fez uma cara de pena. 

E aí eu reparei que ele não estava sozinho, ele estava com mais um cara e o cara estava do lado com uma cara chocada assim, muito de dó, meio querendo rir de mim… — Porque eu fui muito ridícula… — Ele teve que ficar um tempo pedindo meu telefone até eu entender, ele podia ter me dado um tiro na cabeça, entendeu? E não deu. Ele não deu porque ele falou: “Meu Deus, essa menina já não tem nada na cabeça, não vou por uma bala na cabeça dela”. — [falando e rindo ao mesmo tempo] E aí eu entendi. — Toda a minha miséria humana, porque se ele levasse o telefone do meu chefe, o telefone da firma, eu ia ter que pagar e aí eu lembrei que, assim, não importava que eu estava bem arrumada, que eu estava bonita — Eu era pobre, entendeu? — E aí eu comecei a chorar e a pedir pra ele não levar o celular da firma, levar o meu celular de pobre, eu comecei a falar: “Moço, eu não tenho dinheiro pra pagar”, [risos] e ele ficou tão constrangido, eu acho que eu constrangi o ladrão… — [risos] Sabe? Ele ficou constrangido. —  Com pena de mim, ele ficou com pena de mim… Ele pegou o celular que era o meu celular pobre que aí já estava na minha mão pra ele levar mesmo e foi embora. E eles foram embora rindo assim… — Eles foram embora rindo de mim. —

E, nossa, foi pior que ter levado meu celular, foi o jeito que eles riram de mim, porque teve uma hora que ele me olhou com uma cara de, tipo: “Ô, minha linda, sabe, não é isso que eu quero”, você não tá com essa bola, sabe? E aí eles foram embora rindo, eu chocada cheguei lá no Shopping chorando, e tinha um menino que trabalhava na administração da loja, que era o William, e aí o William veio me ajudar, e a gente foi até a delegacia… Então, pensa assim… — Eu estava toda, eu estava… [risos] — O cara quebrou meu espírito, sabe? Eu estava me sentindo agora, sei lá, o farelo do biscoito no chão. E aí eu tive que ir até a delegacia e a delegacia mais próxima fica no Campo Belo, e se você já foi no Shopping Ibirapuera, você sabe que, pra chegar na delegacia do Campo Belo, você tem que atravessar aquela ponte, não a ponte, um viaduto até o outro lado, até a delegacia, eu estava com salto imenso e estava um Sol. 

E aí o William falou: “Não, eu vou com você”, e a gente não tinha dinheiro pra pegar um táxi, não tinha ônibus que passava pra lá… — Enfim, a pobreza chegou. Sabe quando a sua realidade chega e fala “Ó, você é isso aqui”. [risos] Aí eu tive que andar até lá me sentindo já ridícula, aí tive que falar pro escrivão tudo que o aconteceu e conforme eu ia falando, eu percebia o ridículo da situação porque eu podia ter mentido, falado: “Ó, dois caras levaram meu celular na rua de trás”, mas eu tive a necessidade de desabafar. [risos] E aí o William estava constrangidíssimo, e o William era um menino assim, se ele tinha dezoito anos era muito, menino muito bacana e ele foi comigo, sabe? E aí o William constrangidíssimo sentado lá no meu lado e o escrivão chamou mais um cara, quando eu vi tinha umas três pessoas ouvindo a história e todo mundo, assim, vermelho, querendo rir. 

Enfim, eu tenho esse boletim de ocorrência até hoje e tá até escrito lá que eu achei que o cara estava me paquerando, mas o cara estava… [rindo muito] E, gente, até hoje eu não consigo, assim, eu estava muito fora de mim, né? E assim, eu nunca usei drogas, eu não estava bêbada, nada, eu estava lúcida. [risos] — Eu estava só num momento de autoestima tão elevada que eu achei que o cara estava com uma arma querendo o número do meu telefone, [risos] pra me chamar pra sair, ele queria me assaltar. [risos] — Enfim, essa história é boa porque, assim, às vezes quando eu tô me achando um pouco eu penso nisso e falo: “Poxa, desce daí, né?”, porque eu não sei, gente, eu não sei como eu cheguei nesse pedestal e eu fui arremessada de lá na minha realidade. Eu implorando pra ele não levar o telefone do meu chefe e ele não levou, pra você ver, porque o bandido não tem compaixão, ele podia ter levado os dois celulares e ainda ter me dado um soco na cara. — Eu merecia um soco na cara… — Mas ele levou só o meu celular pobrinho, tipo, sei lá, pra me dar uma lição, sabe?

Teve uma hora que acho que ele não ia levar nada, que ele ia só falar: “Meu Deus, você é louca”, [risos] mas ele deixou o celular bom e levou o meu celularzinho, sabe, da TIM? Daquela que era um azulzinho da promoção? E é isso, gente, é isso. Eu gosto de lembrar essa história de tempos em tempos porque ela me traz a realidade que é essa, entendeu? Você pode tá se sentindo a mais gata de todas, mas a sua realidade é a sua realidade, minha realidade era aquela. Chorei, implorei, vi minha pobreza toda… — [risos] Diante dos meus olhos — Depois ainda fui contar na delegacia, podia ter mentido, podia ter sido sucinta: “Olha, fui assaltada”, não, aí contei que o cara estava me olhando, eu achei que ele estava me paquerando, quer dizer, fiz à tarde ali [risos] da delegacia, todo mundo deve ter rido muito, e é isso, gente.

Pior que eu tenho muitas histórias horríveis assim, de humilhação pra contar, mas essa eu acho que é uma boa, que dá pra vocês darem um pouco de risada aí, e pensarem na condição humana mesmo, né? Às vezes a gente acha que tá abafando e o cara só queria te roubar. [risos] Então, um beijo, e eu não nunca esqueci a cara do assaltante, acho que se eu encontrar com ele hoje eu sei que é ele, e ele deve também, se ele encontrar comigo falar: “Gente, aquela menina que se achava”. [risos] E eu imagino ele contando para os amigos bandidos “Nossa, fui assaltar uma mina, ela achou, sabe, que eu estava querendo ela”, que dó de mim, gente, que dó. Então um beijo e esse foi um extra, só pra gente sair da vibe do desfecho de Missões, um beijo para o Davi e até semana que vem. E não esquece que amanhã ainda tem história de amor, hein? Essa homenagem ao podcast Afetos. Um beijo e até amanhã.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Mico Meu é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.