título: pinduca
data de publicação: 18/06/2021
quadro: picolé de limão
hashtag: #pinduca
personagens: amanda e reginaldo
TRANSCRIÇÃO
Déia Freitas: Oi, gente, cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão, mas antes da história eu queria contar uma coisa pra vocês. Vocês lembram que eu comentei que eu estava fazendo uns roteiros de dramatização num projeto e que era algo punk assim, intenso, que foi um trampo foda e tal. Então, eu sou a roteirista da primeira temporada do podcast “Aliados Pelo Respeito” que é um projeto do Bradesco e o objetivo do projeto é promover a diversidade, e ali a gente vai abordar temas de cuidar de gênero, universo LGBTQIA+, puts, várias coisas, questões importantes ali pra pessoas com deficiência, diversidade étnica, enfim. E eu venho nessa primeira temporada roteirizando a história de quatro mulheres, quatro mulheres, assim, incríveis, e são mulheres que sofreram assédio, — São depoimentos assim, gente, fortes pra caramba — e, sabe, muito corajosos, assim, são dramatizações que tem bastante gatilho e tal.
E aí tem toda a minha experiência também, minha nova experiência de passar texto com uma atriz bacana, que foi a Naruna Costa e, nossa, foi incrível trocar com ela assim, além de passar o texto a gente conversou sobre, né? As histórias de assédio, e como que acontece, muita coisa que a gente viu ali nas dramatizações são coisas que a gente até passou, uma coisa ou outra, e a gente nem se toca, “Puts, isso é assédio”, sabe? Eu vou deixar aqui na descrição o link do primeiro episódio e eu espero que vocês ouçam, né? Eu acho que é uma bola aí que a gente tem que levantar. Bom, [suspiro] é isso, melhor turma de roteiro, melhor publi, obrigada Bradesco aí pelo convite. Então agora sim, gente, vamos de história.
E a história que eu vou contar hoje, ela não tem nada nojento, ela não tem nada de sexo. — Aí vocês vão me dizer assim: “Ah, então meus filhos podem ouvir e tal”, é melhor não. — É uma história um pouco perturbadora, quem me conta é Amanda, a Amanda pediu pra eu frisar que o final é feliz, mas é uma história perturbadora, então é melhor não deixar a criança ouvir. Ouve primeiro e faz seu julgamento aí, e depois você vê se você libera, né, Nenê? — Coentro Nenê aqui também concorda comigo. — Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]A Amanda namora o Reginaldo tem mais ou menos dois anos e meio, quase um ano antes da pandemia eles começaram a namorar. E, na época, ela tinha um cachorrinho de dezesseis anos. — Não é uma história de maus-tratos, tá, gente? Fica tranquilo porque eu nem contaria aqui. — A Amanda tinha um cachorrinho de dezesseis anos chamado Pinduca, e o Pinduca ele tinha já problema do coração, já estava velhinho e ela começou a namorar, e ali cuidando do Pinduca e tal. Quando ela estava namorando há uns sete, oito meses, o Pinduquinha faleceu, Pinduquinha levou uma vida ótima, Pinduquinha fez tudo que tinha que fazer como cãozinho, foi muito bem tratado e faleceu. Só que a gente que tem bicho sabe, é um baque, né? — É um baque, eu já passei por isso várias vezes, é sempre uma dor enorme, é sempre horrível, mas eu não sou o tipo de pessoa que faz funeral pra cachorro, respeito quem faz, quem acha que tem que fazer, mas eu não sou, eu não faço. —
E a Amanda ela queria cremar o Pinduquinha e ficar com as cinzas, e o serviço todo dava aí uns quatro mil reais. — Talvez um pouquinho mais até. — Pra cremar Pinduquinha e ela ficar com as cinzas. Só que ela não estava com cabeça, não estava com estrutura, o Pinduca realmente era um ser muito importante pra ela, e ela deu esta função de levar o Pinduquinha até o lugar que crema e depois de um tempo buscar as cinzas do Pinduquinha para o namorado dela, o Reginaldo. E beleza, o Reginaldo, né? Viu que a Amanda não estava bem e falou: “Bom, eu faço, claro”, e aí levou o Pinduca pra cremar e depois ali de uns quinze dias, vinte dias, ele apareceu com uma urna, com o Pinduquinha, as cinzas, os restos mortais de Pinduquinha e entregou pra Amanda. E a Amanda pôs o Pinduquinha ali num lugar no quarto dela, as cinzas do Pinduca e ficou lá no móvel dela, e mais um tempo se passou. E aí agora a história vai ficar bizarra.
Reginaldo tem uma mãe que vende, — Eu vou falar qualquer coisa aqui de comer, mas enfim, não vou falar o que é real — empadas congeladas. Então ela tem dois freezers assim, enormes, e ela estava procurando um negócio no freezer… — E, gente, eu não vou fazer suspense dessa parte, porque assim, eu fiquei muito chocada. — E ela achou o Pinduca no freezer. — Sim. — O Reginaldo tinha guardado o Pinduca no freezer. — Eu fico sem palavras. — Ela ficou tão em choque que ela pegou o telefone e, em vez de ligar para o Reginaldo, ela ligou pra Amanda, porque o que ela pensou? Que foi a Amanda que pediu para o Reginaldo guardar o Pinduca no freezer. — [risos] Ai, gente, eu tô rindo porque é muito surreal, entendeu? — E ela ligou brava pra Amanda “Quem você pensa que é pra guardar o seu cachorro no meu freezer?”, e Amanda, gente, ela quase desmaiou. — Ela passou mal real. — Porque ela estava com uma urna no quarto dela, [riso] se o Pinduca estava no freezer, quem que estava na urna? — E aí, [risos] eu não devia estar rindo, sei lá, mas é tão perturbador que eu fico nervosa, se fosse comigo isso ia dar polícia, sem brincadeira, ia dar polícia, porque eu pedi pra cremar o Pinduca e o Pinduca estava no freezer, e ela tinha um negócio lá, uma urna pesada.
E aí ela começou a passar mal, não conseguiu falar direito no telefone, aí a mãe dela pegou o telefone, conversou com a mãe do Reginaldo e explicou, falou: “Não, Reginaldo cremou o Pinduca e as cinzas do Pinduca tá aqui, deve ser outro cachorro”, e a mãe do Reinaldo falou: “Não, é o Pinduca, o Pinduca está no meu freezer”. E aí aquela confusão, Reginaldo chegou e Reginaldo teve que se abrir. O Reginaldo estava precisando do dinheiro, estava encalacrado de dívida, e aí o quê que ele fez? Ele podia ter jogado o Pinduca no mato, — Diz ele — mas ele queria se estabilizar financeiramente pra poder realmente cremar o Pinduca e trocar a urna que ele tinha dado pra Amanda com cinza de churrasco. Ele queria ter um tempo pra se recuperar financeiramente pra poder cremar o Pinduca, levar pra cremar e pagar, porque ele usou o dinheiro.
E aí foi um auê, foi um choque pra todo mundo, até a mãe do Reginaldo passou mal porque ela não esperava isso dele, e aí a mãe do Reginaldo pagou a cremação do Pinduca. Ele tinha comprado a urna num site aí online e colocado cinzas de churrasco, carvão, pra ficar pesado e Amanda jogou a urna no lixo, né? E aí cremaram o Pinduca, ela pegou as cinzas do Pinduca e eles ficaram separados alguns meses e ele implorando pra ela perdoar, pra voltar, e aí ela perdoou e voltou com o Reginaldo, e eles estão juntos até hoje e ela perdoou real e tal. Porque ela entendeu que ele tinha a intenção futura de cremar o Pinduca… — Porque ele realmente podia ter jogado o Pinduca em qualquer lugar se ele fosse mais mau caráter, apesar que eu acho que o que ele fez assim, pra mim seria imperdoável. Pra mim seria imperdoável, sabe? É uma coisa que jamais a gente pensou aqui nesse podcast, que até o cadáver do nosso cachorro, a gente tem que a gente mesmo se… Como é que se diz? Se certificar de que realmente ele foi levado pra cremar e que você não tá com uma urna cheia de carvão de churrasqueira, porque seu namorado estava precisando do dinheiro. —
Então pelo menos ele não jogou o Pinduca em lugar nenhum… Ele pôs no freezer, mas é tão bizarro isso, no freezer de empadinha da mãe dele, sabe? Eu falei pra Amanda, falei: “Amanda, eu não tenho como suavizar muito, eu sei que você perdoou, que hoje em dia vocês conseguem até rir, né? Porque o Pinduca já tinha falecido, mas o mínimo de respeito ali com o cadáver do Pinduca, era o mínimo”, e ele não devia ter feito isso, óbvio, né? Mas ela perdoou e ficou tudo bem entre eles. E quando eu li eu fiquei muito chocada. — Muito chocada… — Aí conversando com a Amanda eu vi que eles já conseguem rir um pouco dessa situação… — O que é bizarro. — Mas contando pra vocês eu acabei rindo também, porque, gente, é tão bizarro que a pessoa guardou o Pinduca no freezer, sabe? Se fosse… Eu fico pensando, se fosse um bicho meu, mas como eu disse, eu não sou apegada a depois que já faleceu, sanitariamente o correto é você entregar no seu veterinário, tem veterinário que cobra taxa, tem outros que não, e a prefeitura recolhe e depois eles cremam, parece que todos os animais juntos e tal, e tem gente que enterra no quintal, mas também sanitariamente não é ok, mas sei lá, eu conheço gente que faz isso, que enterra no quintal.
Então eu não tenho esse apego, mas eu jamais acharia ok a pessoa guardar o corpo do meu cachorro, idoso… — Que faleceu naturalmente, ele não fez nada para o cachorro, tá, gente? Que fique claro isso aqui. — Ele não fez nada, ela não fez nada, o cachorro faleceu porque ele tinha problemas cardíacos e estava bem idoso. Mas poxa, você embrulhar o cachorro num plástico e botar no freezer da sua mãe, vamos combinar que, né? É quase um filme de terror. Mas no final deu certo, cremaram o Pinduca, o Pinduca está lá no quarto da Amanda e tá tudo certo. Mas eu achei bizarro, porque assim, é uma história… Falei “Poxa, eu não posso pôr no “Patada” porque a gente não vai tá falando de funeral de cachorro em si, a gente tá falando uma sacanagem que um cara fez pra usar o dinheiro, que diz a Amanda que o Reginaldo já devolveu pra mãe dele, então ele mesmo que acabou devolvendo, né? O dinheiro da Amanda, porque quem pagou pra cremar o Pinduca, quem deu o dinheiro inicialmente foi a Amanda, né?
E, assim, o que é de gosto é de gosto, tem gente que vai falar: “Ah, mas é muito caro pra cremar, pra fazer”, gente, o cachorro era dela, ela amava o cachorro e tudo bem. Mas eu não sei se eu perdoaria… — Pela bizarrice, pelo combo em si, né? — Mas se a Amanda perdoou, tá tudo certo, eu coloquei no Picolé de Limão porque não tem como entrar no Amor nas Redes uma história de cachorro no freezer, né? Então foi mais essa questão. Mas então é isso, gente, deixem seus recados pra Amanda lá no grupo, sejam gentis, está tudo resolvido e ninguém machucou o Pinduca. O Pinduca faleceu de causas naturais, e é isso. Um beijo.
Assinante 1: Meu nome é Nicole, eu sou de São Paulo, e eu só queria dizer que esse episódio desalinhou todos os meus chakras, sabe? Porque eu tenho um bichinho que é o amor da minha vida e se isso acontece comigo, eu juro que eu arrastava a cara dessa pessoa no asfalto até eu me sentir um pouco mais aliviada, até os meus chakras realinharem de novo, entendeu? Porque, Amanda, super entendo que você resolveu perdoar, você tá tranquila com essa história agora, mas se uma pessoa que eu confio me dá um golpe desse por causa de dinheiro, ao invés de me pedir ajuda, sabe? E mexe com algo que é tão valioso pra mim, né? Com uma relação que é tão valiosa pra mim e interfere no meu luto, né? Me enganando, fazendo eu achar que eu estava ali com o meu bichinho e estava na verdade com cinza de churrasco? Olha, coisa demais, viu? Sei nem o que dizer, só quero dizer que Reginaldo te odeio.
Assinante 2: Oi, Amanda, aqui é a Vanessa de São Paulo. O que eu posso te dizer é que você é um espírito muito, muito evoluído, porque eu gastaria o meu réu primário com esse seu namorado, porque é tudo tão surreal, além dele não respeitar sua dor, o seu amor pelo seu cachorrinho, ele conseguiu colocar o cachorro no freezer onde a mãe dele colocava a comida pra vender. Olha, tipo, que absurdo isso… E se alguém fica contaminado, alguma coisa… E, sabe, tipo, a situação é muito surreal. Nossa, ainda bem que você perdoou, você é muito iluminada, mas olha, eu não daria conta disso não, eu ia presa porque eu ia gastar meu réu primário. Boa sorte aí na sua relação e nunca mais pede para o seu namorado fazer algum serviço para os seus animaizinhos por favor. Um beijo.
Déia Freitas: Beijo para o finado Pinduca também.
[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]