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título: raros
data de publicação: 26/02/2022
quadro: alarme
hashtag: #raros
personagens: elaine, moisés e felipe

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Atenção, Alarme. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um episódio do nosso quadro Alarme. — E hoje eu não tô sozinha, meu publi. — [efeito sonoro de crianças contentes] Quem está aqui comigo é o Laboratório Mendelics. O mês de fevereiro é considerado, mundialmente, o mês das doenças raras, apesar de serem raras, são mais de 300 milhões de pessoas que vivem com alguma condição rara. Por isso, a Mendelics criou um movimento #OsRarosSãoMuitos, mostrando a pluralidade da comunidade de pessoas com doenças raras, e trazendo para o centro da discussão experiências que reforçam a importância dos exames de diagnóstico genético. Hoje eu vou contar para vocês a história da Eliane Lourenço e seus lindos bebês Moisés e Filipe. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha] 

O Moisés ele nasceu de parto normal, a gestação da Eliane foi perfeita e sem nenhuma intercorrência, né? O parto dela foi tranquilo, Moisés chorou logo que nasceu e, dali uns dias, o casal foi para casa com o seu bebezinho tão amado aí, o pequeno Moisés. E ele foi crescendo bem, assim, Moisés andou no tempo certo, falou no tempo certo… A única coisa que chamava um pouco a atenção ali dos pais é que o Moisés ele vomitava se ele comia muita proteína ou se ele comia, assim, bastante coisa. — Sabe aquele dia que o bebê está mais esfomeado? — Aí ele vomitava… Aí os pais fizeram o teste ali de intolerância a lactose, não deu nada, tudo normal… Quando Moisés estava com, ali, um aninho e três meses mais ou menos, a Eliane engravidou de novo. — Foi um susto, né? Porque eles não estavam esperando e tal. — 

E aí eles foram assimilando a chegada aí de um novo bebê, porque, afinal, o Moisés estava ali muito pequeno ainda, né? Mas também foi dando tudo certo. A gestação e o nascimento do Felipe, o segundo bebezinho, foi também tudo dentro do esperado, assim, né? Aí o casal de novo foi para casa com mais um bebezinho. Então, agora era o Moisés aí um pouco mais velho que o Filipinho. — E aí o Filipe, o bebezinho mais novo. — Quando o Filipe estava ali com uns seis meses, a Eliane começou a perceber que, assim, o desenvolvimento motor dele não estava tão legal, não estava adequado, né? — E ele apresentava ali um leve atraso motor. — E Eliane como ela é fonoaudióloga, ela está mais esperta nas coisas e tal, tem um olhar de profissional da saúde que outras mães talvez não teriam. 

E a Eliane conversou com o marido, falou sobre isso, que achava que o Filipe estava um pouco mais lento no desenvolvimento e o marido da Eliane falou: “Não, acho que é bobagem. Não… É um bebezinho, cada bebezinho vai evoluindo de um jeito e nã nã nã” e ficou por isso mesmo. Mas indo ali na consulta da pediatra, ela percebeu também que o Filipe estava com um leve atraso e encaminhou o bebezinho para a fisioterapia. Aí após dois meses ali de atendimento, de fisioterapia, o Filipe continuava com atrasos… — E, assim, eram atrasos pequenos assim… — A Eliane com aquele olhar de fono já, — e ela atua na área de neuro. — ela falou: “Poxa, ele não está desenvolvendo legal”. — E ficou em cima. — 

E aí a pediatra falou: “Então vamos fazer uma tomografia pra gente entender melhor aí o que está acontecendo, porque esse atraso não faz o menor sentido”. Porque o Felipe era espertinho, ele interagia muito bem, ele balbuciava, ele sorria… Estava tudo, assim, meio que caminhando, né? Ou quase tudo… Uma coisa ou outra que a Eliane notava que ele não estava desenvolvendo bem e a pediatra concordava, era isso mesmo, ele não estava em algumas coisas desenvolvendo tão legal. E, assim, pra surpresa de todo mundo, na tomografia apareceu uma lesão nos gânglios da base, indicando que o Felipe tinha uma doença rara metabólica chamada “Acidúria Glutárica tipo I”. 

Naquela hora, quando a Eliane recebeu o diagnóstico, o chão se abriu pra ela, né? E a vida do casal parou… E agora era começar a pesquisar sobre o que seria essa doença e agir. Só que a Eliane foi pesquisar sobre a doença e ficou mais apavorada, porque essa alteração metabólica é genética, e ela e o esposo têm a mesma alteração… Só que é uma alteração que, assim, se manifesta ou não… E neles não foi manifestada. O Filipe herdou essa alteração, que é uma alteração autossômica recessiva. — Gente, eu estou falando aqui uns termos e tal médicos, mas no final a gente tem aí um médico geneticista pediatra que vai explicar direitinho para vocês, né? Então eu vou focar aqui na história da Eliane, as questões médicas e as informações mais precisas a gente vai ter aí no final do episódio. — 

Mas dando, assim, uma resumida, a própria comida que o Felipe comia, podia matar os neurônios dele… Então ele corria um sério risco, assim, um risco enorme de ter uma encefalopatia, um AVC, de perder todos os movimentos, de ter que usar uma sonda gástrica, nunca mais poder andar, falar, enfim… O que ele estava pesquisando ali e lendo deixou ela apavorada. E aí a primeira coisa a se fazer era cortar a proteína animal… Então isso foi feito já de imediato e, qualquer coisa que tinha proteína, ele tinha que comer muito pouquinho, assim, e tudo tinha que ser pesado. — Até mesmo uma banana o Filipe não podia comer assim de maneira livremente. — E até os 3 anos é o momento mais crítico, onde tem que ser feito esse controle bem rigoroso, pra ele não ter uma crise que pode ser aí devastadora. — E que, assim, pode acontecer a qualquer momento. — 

Só que o Felipe tinha uma chance, eles começaram ali o tratamento, — e pensa: tudo isso agora na pandemia, né? — então tudo tinha que ser feito pra que o Filipe não manifestasse essa doença ali até os 3 anos e tal. Hoje o Felipe tem 2 anos e 6 meses, ele não teve crise e graças a equipe médica, ao fato de ter sido descoberto cedo e tal… — A Eliane também atribui isso a muita fé que ela tem em Deus e tal, tem essa questão também religiosa pra Eliane. — E aí durante todo esse tempo que os pais ficaram mais focados ali no Filipe, o Moisezinho, o bebezinho ali que nasceu primeiro, ele foi deixado meio de lado… E a Eliane até diz isso, né? — Que ela fala isso com muita dor no peito — mas ela precisou doar todo o tempo e esforço que ela tinha para salvar o Filipe dessa crise. — Que ele ainda não tem os três anos, mas que agora tem muito menos chances de acontecer. — 

E aí voltadas ali agora com pouco menos de pânico porque o Filipe está saindo dessa fase que seria mais crítica se ele manifestasse a doença, o marido da Eliane conversando ali com uma outra pediatra e contando do caso do Felipe, a pediatra falou pra ele assim: “Poxa, por que que vocês não fazem um teste genético chamado “Teste da bochechinha?”” — E ela falou: “Olha, faz os dois meninos, né?”. “Faz nos dois”. E aí eles foram lá, coletaram a saliva — da bochecha — dos bebês e em 20 dias e saíram os resultados… — E, gente, o Moisés tinha a mesma doença do irmão… — Na hora a Eliane ficou em choque, porque o Moisés tem a mesma doença e, assim, ele não teve tratamento nenhum. — Ele não teve o tratamento adequado, nada… — 

E foi descoberto agora, de forma tardia, por causa do teste da bochechinha. De alguma forma, o corpo do Moisés protegeu — o bebezinho — as vezes que ele comeu a proteína, sei lá, de maneira livre ou proteína demais, o corpo dele deu um jeito ali de se proteger e não deixar a doença se manifestar. A Eliane faz parte de um grupo de mães com a mesma doença dos filhos dela e uma coisa muito triste é que 90% das crianças ali daquelas mães do grupo, tiveram a crise, né? — A tão temida crise. — E as mães não tiveram essa oportunidade de descobrir de forma precoce e de ter orientação sobre esse exame que é tão importante e que, poxa, salva vidas, que é o teste da bochechinha. — Eu mesma nunca… Eu não tenho filhos e tal… — Mas eu nunca ouvi falar nem por cima sobre teste da bochechinha. — Vocês ouviram? Eu nunca ouvi… — 

Hoje os bebês da Eliane estão bem, né? O Felipe que foi o mais afetado — pela doença — ele hoje já anda, já pula, corre… Ele come pela boca, já está soltando algumas palavrinhas aí e o Moisés tem uma vida normal, já toma medicação, foi cortada toda a proteína e ele segue aí saudável e com todos os cuidados… — Com o alerta lá no alto, da Eliane e tal. — E, assim, essa história é um alerta… A Eliane mesmo diz que, se ela soubesse desse teste da bochechinha, lógico que ela teria feito assim que eles nasceram… E você não precisa esperar o seu filho ter qualquer sintoma para você realizar o teste. E, no caso dos filhos da Eliane, eles nasceram ali sem nenhum sinal de algo grave. Então, poxa, se alguém tivesse falado: “Vamos fazer esse teste aqui da bochechinha só pra aí, desencargo e tal..”. Enfim, né? Se outras mães, por exemplo, nesse grupo de Eliane tivessem feito esse teste… 

Então eu fiquei muito apavorada, porque pensa, eu estou com os meus 46 anos, sou uma pessoa que estou na internet aí o tempo todo e nunca ouvi falar do teste da bochechinha. Poxa, essa é uma prestação de serviço, né? Então fiquem ligados, falem sobre isso… — Você encontra alguém na rua e você fala: “Ô, você conhece o teste da bochechinha e tal?”, sabe? [risos] É bem por aí mesmo, vamos espalhar essa palavra. — E agora a gente vai ouvir um pouco da Eliane, saber como estão os meninos agora e depois a gente vai ouvir aí o doutor Rodrigo Arantes, que é médico geneticista e pediatra, e vai falar um pouco pra gente sobre Acidúria Glutárica do tipo I e tirar aí umas dúvidas que eu passei para ele e tal… Gente, eu fiquei chocada, sério mesmo. E nem, assim, chocada com a doença, porque apesar de ser uma doença rara, a gente viu, tem tratamento e tem teste para ser diagnosticada… Eu fiquei chocada da gente não ter essa informação do teste da bochechinha e que, poxa, faz toda diferença na vida de um bebê… Devia ser assim junto com o teste do pézinho ter o teste da bochechinha, vocês não acham? — Eu falando aqui como pessoa leiga. — 

Ainda bem que tem o teste, que tem diagnóstico, que se vive sim com uma doença rara como é Acidúria Glutárica do tipo I. E agora a gente vai ouvir a Eliane e o Dr. Rodrigo e depois eu volto aqui para falar com vocês de novo. 

[trilha] 

Eliane Lourenço: Olá, meu nome é Eliane Lourenço, eu sou a mãe do Moisés e do Filipe. Eu sempre me emociono muito quando eu falo dos meus filhos, porque o filho da gente é tudo… E a gente almeja o melhor pros nossos, uma saúde perfeita, né? E quando a gente se depara com algumas situações inusitadas, principalmente quando são situações que a gente poderia ter evitado outros agravos, realmente mexe muito com a gente. Além de mãe, eu sou fonoaudióloga e eu trabalho com crianças com alterações no seu desenvolvimento, a níveis de fala, linguagem, crianças com dificuldades cognitivas, crianças com limitações motoras graves, né? Então eu tenho conhecimento de desenvolvimento infantil, então isso também foi uma bênção, sabe? Eu poder ter esse conhecimento e enxergar alguns sinais sutis, mas sinais, assim, de alerta. 

Foi quando o Felipe, o mais novo, ele começou a dar sinais para mim de atraso motor. Ele ficava com a mãozinha mais fechada, ele tinha uma postura de tronco mais desabada, a cervical dele, ele não sustentava de uma forma adequada e ele tinha uns leves, assim, movimentos tipo uns tiques, sabe? Que quase ninguém percebia. Em contato com a pediatra, juntas a gente foi conversando e tentando entender todo esse atraso. Nesse processo de descoberta do Filipe, o Moisés continuava em pleno desenvolvimento, né? Então a gente acabou deixando ele um período de lado, porque todo a atenção era focada para o Filipe, porque ele estava dando sinais de atraso sutis, né? Então o Moisés ele estava, até então, tudo dentro do esperado… A única coisa que chamava a atenção ali do Moisés é que ele vomitava, ele era uma criança comentadora, mas também não era intenso. 

Fora isso, falou, andou no tempo certo… Estava em pleno desenvolvimento. Então o foco nosso foi para o Filipe. A pedido da pediatra, a gente realizou nele então uma tomografia, um exame de imagem e esse exame, para nossa surpresa, mostrou uma alteração estrutural numa parte específica importante do cérebro, que é os gânglios da base… Que é um órgão responsável pelo planejamento motor. Então, logo, a gente conseguiu entender por que ele estava com dificuldade também, um atraso no rolar, o engatinhar é um puro planejamento motor… Tudo envolve planejamento motor. A fala, o abrir as mãos, pegar as coisas, passar de uma mão para outra… E as coisas começaram a fazer sentido, mas como assim, né? Eu fiquei apavorado, falei: “Meu Deus, meu filho tem uma lesão no cérebro… O que quer dizer isso?” 

Então, o próprio médico que laudou esse exame ele já levantou uma hipótese diagnóstica, que quando ele levantou essa hipótese diagnóstica de Acidúria Glutárica tipo I, no primeiro momento, eu fiquei com raiva do médico… A gente fica: “Não, nada a ver”, eu fiquei: “Não, não pode ser… Não é isso…”. Eu entrei na internet e falei: “Não, meu filho não se parece com esses sintomas”, porque tudo o que eu lia era de crianças que tinham a doença, mas que, infelizmente, tinham tido uma encefalopatia, que é o pior momento da doença. Por isso que não batia as informações, mas mesmo assim a gente buscou os exames específicos da doença e, infelizmente, realmente constatou que o Filipe ele tem uma doença rara metabólica. É um erro inato do metabolismo chamado então “Acidúria Glutárica tipo I”. 

Foi um momento muito delicado da minha família. Meu marido ficou muito chateado, ficou, assim, numa angústia profunda e ele teve sim o momento dele de luto, de choro e a gente… Eu respeitei, eu também tive os meus momentos, a gente se reergueu e foi em busca do tratamento. Comecei a estudar sobre a doença, entrei nos grupos de mães, e aí eu entendi a gravidade da doença… Porque essas crianças com esse erro inato do metabolismo, eles precisam de uma adequação na alimentação e a alimentação do meu filho deveria ser praticamente isenta de proteína, lisina e triptofano. Então a alimentação era à base de frutas, legumes, verduras e uma quantidade mínima de proteína do ovo, do leite, mas que iam ser liberadas aos poucos. Então, eu tinha que pesar uma uva, pesar uma banana e o meu filho ele corria um risco até três anos de idade de ter essa tão temida encefalopatia, que é um AVC onde a criança ela perde tudo o que conquistou. 

Então, eu lembro, assim, de eu colocar no berço, beijar ele e na minha cabeça eu pensar assim: “Deus, eu quero ver o meu filho no outro dia desse jeito que eu estou deixando, cuida dele para mim”. Eu dormia e, no outro dia, sabe quando você abre a porta pensando: “Meu Deus o que eu vou ver?”, quando abria e via ele se mexendo, tentando se erguer no bercinho, parece que no ar, assim, eu soltava… Conseguia respirar novamente. Então, o Felipe após o diagnóstico ele começou as intervenções com oito meses de vida e eu só percebi porque eu tenho conhecimento, se não, se ele nascesse uma outra família, infelizmente ele teria tido a crise… Por isso a importância desse exame, a importância da gente estar buscando realmente conhecer a saúde dos nossos filhos de uma forma mais ampla e completa possível. 

Com uma equipe forte que estava ao meu lado, eu consegui junto com meu marido evitar essa tão temida crise. Eu tenho contato com várias mães que os filhos não tiveram essa chance e com oito meses, nove meses, um ano tiveram uma encefalopatia e hoje eles estão com muitas limitações motoras, algumas crianças usam gastro, outras cadeiras de rodas… Então é muito triste ver que essas crianças tinham chances e, infelizmente, por falta de conhecimento, de orientação não tiveram essa oportunidade de ter acesso a esse desenvolvimento adequado, essa independência, né? São crianças incríveis, mas que sofrem… Já tinha um tempo que o meu esposo ele falava: “Vamos fazer um exame no Moisés para ver se está tudo bem com ele”, e teve um episódio que o Moisés ele apresentou, assim, um estofamento na barriga e ele estava muito, como se estivesse com hipoglicemia, sem reação no sofá e não conseguia me responder… 

E foi quando o meu esposo, ele trabalhou no hospital, ele se aproximou de uma pediatra que hoje, inclusive, nós fomos bem próximas… E contou a história do Felipe e ela falou: “Por que você não fazem o teste na bochechinha no Moisés também?”, aí o Celso não conhecia sobre o teste da bochechinha e nem eu, ela explicou da facilidade, da rapidez do exame e que tinha a doença dos meus filhos incluída no teste, né? E na hora a gente decidiu fazer e, para nossa surpresa, o Moisés veio também com um diagnóstico de Acidúria Glutárica tipo I. E eu questionei até o médico o por que o Moisés não apresentou o AVC ou outros sintomas, porque ele tinha uma alimentação livre, não pesava nada… Apesar que lá em casa a gente não tem uma alimentação muito à base de carnes, né? Mas ele comia ovo, carne e proteína à vontade… 

E aí o médico falou que ele estava numa percentagem mínima de que o corpo dele o protegeu desse excesso de proteína, mas que ele precisava urgente iniciar a [carnitina], que é uma medicação que os dois tomam e vão precisar tomar a vida inteira. Hoje os meninos estão incríveis, assim, os meus filhos são um milagre na minha vida. A gente primeiro quer esconder, né? Não quer que ninguém saiba que nossos filhos têm alguma coisa, mas isso, assim, eu confesso que durou pouco tempo, sabe? Porque, na verdade, a história dos meus filhos é uma história de superação e, se eu posso usar a história dos meus filhos para evitar outras situações ruins, eu vou fazer isso. Vale a pena você lutar. Invista na prevenção, não espere sinais, sintomas aparentes, faça o que tem que ser feito. Pergunte, questione… Esse teste da bochechinha, gente, é tão simples e é um valor acessível, não achei um valor exorbitante. Vale a pena, pelos nossos filhos qualquer centavo vale a pena… 

Os dois não tiveram a crise, mas o Filipe ele tem algumas limitações motoras… Graças a Deus ele começou a andar com um ano e sete meses, ele anda com uma certa distonia, que são movimentos involuntários, ele já está com postura de mão aberta, a fisioterapia dele foi excelente e fundamental para o desenvolvimento dele. A terapeuta ocupacional também trabalhou muito as questões de motricidade fina… Agora o próximo marco importante para o Felipe é a fala, eu como mãe e fono, estou querendo muito ouvir o que ele tem a dizer. Tá um fofo, querido, come demais… Agora não preciso mais pesar a alimentação dele, mas não pode comer carne, né? Mais banana, uva, maçã e à vontade, ele é 24 horas comendo. Ama ir para a escola e eu só tenho excelentes expectativas e vislumbro um futuro muito lindo para o Filipe. 

O Moisés, o meu primogênito, é um menino carinhoso, amoroso… Ele fala 24 horas que eu sou a melhor mãe do mundo, que ele me ama demais, que não tem mãe melhor do que eu, que eu sou a princesa dele… Ele é tudo… Ele está incrível, muito inteligente, comunicativo, está, realmente, trazendo para mim, assim, só sentimentos de orgulho. Ele também estuda na mesma escola que o Filipe, os dois estão, assim, em pleno desenvolvimento, então só gratidão no meu coração por olhar para os meus filhos e saber que eles dois têm uma doença muito grave, uma doença traiçoeira, mas eles estão aí correndo, pulando, sorrindo… Só gratidão no meu coração. 

Rodrigo Arantes: Olá, meu nome é Rodrigo Arantes e sou médico geneticista e pediatra. Atualmente, trabalho no Hospital das Clínicas da UFMG, no serviço especial de genética e também trabalho no Laboratório Mendelics – Análise Genômica. Acidúria Glutárica tipo I é uma doença metabólica hereditária. Acidúria Glutárica tipo I ela é ocasionada pela deficiência de uma enzima específica, que vai metabolizar alguns aminoácidos, principalmente a lisina. Então, os pacientes que têm Acidúria Glutárica tipo I tem atividade enzimática relacionada a essa via metabólica muito baixa ou próxima de zero, então o organismo ele não consegue digerir ou metabolizar principalmente o aminoácido lisina, como se fosse uma tesourinha que iria cortar, quebrar esse aminoácido… Mas essa tesoura ela não funciona bem ou ela não funciona de jeito nenhum, então aumenta esse aminoácido lisina, ativa uma via metabólica que vai produzir o ácido glutárico e o ácido 3-hidroxidoglutárico. 

Esses ácidos eles são tóxicos, principalmente para o cérebro, pro sistema nervoso central… E aí o acúmulo desses ácidos que vai gerar toda sintomatologia. E, para que a gente possa suspeitar da Acidúria Glutárica tipo I, a gente tem dois cenários: o primeiro cenário seria então aquelas crianças que foram submetidas a uma triagem neonatal ou também conhecido como teste do pézinho. Então, seria no cenário em que as crianças estão sem sintomas, eles estão assintomáticos. Infelizmente, Acidúria Glutárica tipo I ainda não está no menu de exames do perfil de doenças que são triadas pelo Sistema Único de Saúde até o momento. Mas com esse novo projeto de lei aprovado em 2021, existe a proposta dela também ser incluída na triagem neonatal. 

Na triagem neonatal, ela pode ser detectada por um exame que se chama “espectrometria de massa” pelo perfil de acilcarnitina. E aí depois que a criança ou o recém-nascido tem uma triagem positiva, serão necessários testes confirmatórios, tanto em sangue, urina ou até mesmo análises análise do gene relacionado a Acidúria Glutárica tipo I, para que o tratamento seja instituído e reduzindo assim a presença de sintomas ou até mesmo que a criança evolua de forma assintomática. 

O segundo cenário então, para que possamos diagnosticar a Acidúria Glutárica tipo I seria então naquelas crianças que têm sintomas. Um dos sinais mais associados a Acidúria Glutárica tipo I é a macrocefalia, que é o perímetro cefálico, o tamanho da cabeça, acima de mais dois desvios padrão para a idade. Além disso, os pacientes podem apresentar atraso do desenvolvimento como hipotonia ou até mesmo perda de habilidades motoras, dificuldades de alimentação e, em algumas situações, crises convulsivas, que é um ataque epiléptico. E, muitas vezes, os sintomas podem ser desencadeado por algum gatilho como alguma infecção decorrente comum da infância como uma gripe, um resfriado, uma gastroenterite ou até mesmo um jejum prolongado devido a uma cirurgia que a criança vai ser submetida e aí, então, a criança apresenta uma hipotonia que ela não apresentava antes e pode até, nesse momento de crise, desenvolver a perda de algumas habilidades. 

Quando essa crise é mais proeminente e lesa uma área específica do sistema nervoso central do cérebro, os núcleos da base, então a gente pode apresentar alguns sintomas que são irreversíveis, que são os movimentos anormais. Para se ter o diagnóstico de certeza, a gente solicita então o perfil de acilcarnitina no sangue, que é um exame específico que é colhido no sangue e também há uma análise de ácidos orgânicos na urina. E, muitas das vezes, é importante que a gente confirme esses achados com análise específica do gene da Acidúria Glutárica tipo I, que é o GCDH. Na maioria das vezes, as crianças, os recém nascidos, nascem sadios sem nenhum sintoma, poucas vezes o recém-nascido já pode nascer com a macrocefalia, que é o tamanho da cabeça, o perímetro cefálico aumentado para a idade da criança. 

O tratamento da Acidúria Glutárica tipo I é baseado numa dieta com uma restrição de proteínas, então a gente restringe, a gente proíbe os alimentos que são ricos em proteínas, principalmente os alimentos de origem animal, como carnes, leites, derivados e ovos. Além disso, a gente faz uma suplementação com L-carnitina e, além do mais, caso o paciente tenha já sintomas, a gente encaminha e direciona o paciente e a família para a reabilitação, de acordo com a necessidade de cada criança, como fonoaudiologia, terapia ocupacional e fisioterapia. A [ACID] também pode ser detectada pelo teste da bochechinha, que é uma triagem genética molecular destinada para recém nascidos e crianças jovens que são assintomáticos. É um painel, ou seja, ela é constituída de uma análise de vários genes, inclusive o gene da Acidúria Glutárica tipo I. 

Então, caso um recém-nascido nasça sadio e tenha as variantes genéticas, as mutações que podem causar a Glutárica tipo 1, esse exame pode detectar e ele é extremamente útil, assim como o teste de triagem neonatal bioquímica no sangue em papel filtro para fazer esse diagnóstico e iniciarmos o tratamento dietético, porque é o tratamento dietético que vai prevenir o aparecimento dos sintomas e prevenir também as sequelas. Caso o paciente não tenha o diagnóstico, ele vai se alimentar com as proteínas, principalmente proteína nos primeiros meses de vida do leite materno, depois as proteínas da alimentação comum para a faixa etária e essas proteínas vai intoxicando o paciente com a formação aumentada do ácido glutárico e os pacientes vão ter os sintomas iniciais, que pode ser a macrocefalia, a hipotonia, o atraso no desenvolvimento, alguns movimentos anormais e até mesmo a epilepsia, que isso impacta negativamente a vida da pessoa, da criança e também, se não diagnosticada em alguns casos graves, pode infelizmente levar ao óbito. 

[trilha] 

Déia Freitas: A Mendelics é o laboratório pioneiro no sequenciamento de nova geração no Brasil, realizando testes genéticos para o diagnóstico de doenças raras e câncer utilizando as técnicas mais avançadas de bioinformática e computação. Mais informações sobre o teste da bochechinha e outros procedimentos no site: mendelics.com.br. Eu vou deixar o link aqui na descrição. Valeu, Mendelics, tamo junto.

[vinheta] Alarme é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta] 

Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.