título: sigilo
data de publicação: 28/07/2021
quadro: picolé de limão
hashtag: #sigilo
personagens: rafaela e lauro
TRANSCRIÇÃO
Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão e hoje eu vou contar pra vocês a história da Rafaela. Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]A Rafaela conheceu o Lauro num aplicativo, desses de namoro, e eles começaram a conversar e contaram coisas da vida, ela contou da vida dela, ele contou da vida dele, eles marcaram de se conhecer, se conheceram e começaram a ficar. Foi tudo ótimo, Rafaela super empolgada, ele também parecia super empolgado. Só que esse cara, ele tinha umas questões. Ele trabalhava de casa, ele sempre trabalhou de casa, mesmo antes da pandemia e ele não saía de casa pra nada, ele não gostava de sair de casa. — Essa história tem início antes da pandemia, né? — E ele não sai de casa pra nada, então nem pra encontrar os amigos, nem pra festa, nem pra passeios, nada, ele só ficava em casa. Então aí a Rafaela entrou nessa vibe — O cara morando sozinho, né? — de só ficar com ele na casa dele, então às vezes ela sentia falta de um passeio, de um cinema, nã nã nã, alguma coisa, né? E o cara nada. E um detalhe importante é que esse cara, ele estava no aplicativo de namoro, mas ele não tinha nenhuma rede social. — Aí vocês vão me falar: “Ai, Déia, mas tem gente que não tem mesmo, que não gosta, que não liga”, eu, Andréia, acho suspeito. Sempre. Uma pessoa que não tem uma rede social, que não… Sabe? Que não tá por aí… Sei lá, conectado a nada, sabe? Eu acho suspeito, mas… — Tem gente que não tem rede social nenhuma? Tem, né? Mas nós estamos falando aqui de duas pessoas jovens, né? A Rafaela com vinte e três e esse cara com vinte e seis.
O relacionamento deles se resumia ali a ficar em casa, assistir uma série, ficar junto em casa. E o tempo foi passando. E deu ali um ano de namoro e tal, só que ele tinha muitos amigos, às vezes ele conversava com os amigos ali quando ela estava junto e tal, e ela sugeriu dele fazer então alguma coisa na casa dele, pra que ela conhecesse os amigos dele, né? Sei lá, tipo a turma dele… — Sei lá, né? — Ou a família dele, porque ele tem família. E ele sempre falando que: “Ai, não gosto de encontrar muita gente”, que ele tem as fobias dele, que não sei o quê… — Palavras dele. — Beleza. Mais um tempo ali se passou e a Rafaela começou a insistir então pra que ela trouxesse as amigas dela pra conhecer ele, porque parecia uma coisa assim, tipo, a Rafaela tá namorando mais de ano, mas ninguém conhece o cara, ninguém nunca viu o cara? E aí ele não queria, não queria, não queria… Até que um dia ela levou uma amiga dela sem avisar mesmo, fingindo que, sei lá, ela precisava pegar uma coisa da Rafaela que estava na casa desse cara, e essa amiga conheceu, — Essa pessoa — o namorado da Rafaela.
A amiga conheceu, foi embora e tal, e depois conversou com a Rafaela, falou: “Amiga, eu achei o seu namorado muito estranho, você viu como ele me tratou? Ele mal me olhou, achei ele esquisito, sei lá”. E aí Rafaela ficou chateada, porque assim, ela tinha feito uma coisa pra mostrar pra amiga dela que ela realmente estava namorando alguém, e essa amiga já botou defeito no cara. E aí Rafaela realmente percebeu que o namorado dela estava certo, que as pessoas, sei lá, ele não gosta das pessoas, ele tem a razão dele, nã nã nã. Mais um tempinho passado, Rafaela dando uma ajeitada ali no apartamento dele, encontrou um convite, era um convite de formatura que já tinha passado, e o convite… — Sabe quando você vai em formatura que você tem que levar o convite, assim? Você tem que levar… — E o convite estava junto com uma pulseira. — Que deve ser essas pulseiras, sei lá, de… Essas coloridas que tipo, você usa quando você é VIP, ou quando você é convidado, sei lá… — E aí a pulseira estava cortada. E por que ele teria um convite, uma pulseira cortada, se ele não sai? Ele cortou a pulseira por cortar e… Estava tudo meio esgarçado, meio sujo, então assim, parecia que ele tinha ido naquela formatura com aquela pulseira, mas ele não saía pra nada, né? Quando que ele foi, que não chamou ela, enfim… Mas ela não ficava lá todo dia, ela não morava lá, ela namorava com ele, ia duas, três vezes na semana lá.
E aí aquilo, do nada, acendeu uma luz ali na Rafaela. E aí a Rafaela resolveu fuçar nas coisas do namorado. — Não vou contar aqui como, porque a Rafaela pediu pra não contar. — Ela acabou descobrindo que sim, ele tinha redes sociais, ele tinha amigos e ele saía com os amigos. Ele ia pra balada, ele bebia… — Coisa que ele falava pra ela que ele não bebia, ele bebia. — Tinha foto dele com copo de cerveja na mão, tinha foto dele recente na casa da família, e aí ela ficou em choque, porque era uma pessoa totalmente diferente da pessoa introvertida que tinha medo de gente, que tinha medo de sair de casa, que ele falava pra ela. E mais: ela acabou descobrindo que ele conversava com outras garotas em outro aplicativo, porque quando eles começaram a namorar os dois saíram do aplicativo que eles se conheceram, e aí ele conversava com outras garotas num outro aplicativo, e aí ela foi confrontar — Esta pessoa — e ele falou pra ela o seguinte: que ele gostava muito dela, que eles se davam muito bem, mas que como ele ia sair com ela na rua? — E aí é que eu explico. —
A Rafaela, no próprio perfil dela lá no aplicativo de relacionamento, ela já colocava: “pessoa com deficiência”, porque a Rafaela tem uma deficiência na perna, e isso nunca foi um problema pra ela, ela já teve outros namorados tal, e ele acabou contando aí que criou esse perfil de pessoa que não sai, porque ele não se sente à vontade de sair com a Rafaela em público. E aí Rafaela ficou muito triste, né? Ficou mal, obviamente, mas o cara começou a falar, falar, falar os argumentos dele… — Que pra mim, né? Vocês já sabem. — E ela acabou convencida por esse cara que ele tinha os pontos dele de não querer sair com ela na rua e virar um foco de atenção. — Palavras dele. — E aí é essa a discussão que a Rafaela queria trazer pra vocês.
Porque ela acha que este cara realmente gosta dela, só que ele não quer sair com ela em público e que, talvez, isso seja um direito dele. E aí eu escolhi essa história porque eu acho que a gente tá passando por um período aí nas redes sociais que as pessoas acham, — Elas acham, ok? — porque não, elas não têm esse direito… Elas acham que elas podem ter aí opiniões homofóbicas, racistas, machistas e que isso é o jeito da pessoa… Que isso é opinião que vale, e não é, né? Não é assim que a banda toca.
E, nesse caso da Rafaela, o cara acha também que ele tem o direito de não querer sair com ela em público e continuar namorando a Rafaela. E a Rafaela traz o questionamento que é um cara que ela gosta, que ela se dá bem, que eles se dão bem sexualmente, amorosamente, nã nã nã, e que o único detalhe é esse. Só que, né? — A minha opinião, tá, gente? Já que é pra opinião… Não é opinião? Então vou dar a minha. — Esse cara falou na sua cara que ele tem vergonha de você, — Com essas palavras, foi o que você me disse… — como que você acha que ele gosta realmente de você? Se ele não vai te apresentar pra ninguém? Não vai… Ele não te incluiu nessa vida que ele… Ele tem redes sociais, ele mentiu pra você que ele não tinha, sabe? Eu acho que essa história não tem nada a ver com o cara ter direitos, o cara não tem direito a nada, esse cara é um… — Bom, não posso falar aqui o que eu acho, sabe? — Mas eu entendo que você… que você goste dele, que você queira aí achar uma maneira de ficar com esse cara, mas a troco de quê, sabe? A que custo? — Melhor dizendo, né? — Que custo emocional? Então não sei, eu fico muito aborrecida com esse tipo de história porque eu entendo que, quando a Rafaela fala pra mim assim: “Ai Déia, mas eu sou uma mulher independente, eu sei das minhas coisas, eu tô sabendo lidar com isso”, mas, sabe? Poxa, o cara não quer te apresentar pra família dele, pros amigos dele, você não existe para o meio social dele ali e por quê? Porque você é uma pessoa que tem uma deficiência. Isso não me entra, sabe?
Então, eu não posso agregar muito porquê… — Eu já teria dado um soco na cara desse cara, então… — Eu não quero ser a pessoa que traz a violência, né? — [risos] Vai ser complicado. — E também acho que a gente não tem que estar no papel de ensinar marmanjo, não. Ele sabe muito bem que o que ele tá fazendo não é certo, né? Mesmo agora que você descobriu as redes sociais dele, ele não te adicionou nas redes sociais dele, sabe? Ainda assim, quer dizer, não é que o cara quer melhorar, o cara vai continuar assim, ele acha que você tem que entender que ele é um… [efeito sonoro para silenciar palavrão] que ele é um cretino, pronto, vou mudar porquê… Então não dá, gente, pra mim não dá.
Mas é isso, gente, eu fico aborrecida, eu entendo sabe, que em certos momentos da vida a gente precisa de afeto, a gente precisa de um carinho, mas isso é afeto, né? Um cara que te esconde, um cara que… — A gente já teve outras histórias assim aqui, né? — Você falou que: “Ah, mas ele não tem outro relacionamento, sou só eu”, mas mesmo assim, sabe? Você já sabe a minha opinião, né?
[trilha]Assinante 1: Oi, Déia, oi, Rafaela. Meu nome é Sica e, atualmente, eu moro em Rondônia. Bom, Rafaela, meu coração tá super pesado com a sua história, eu também sou uma pessoa com deficiência, eu não consigo sequer me imaginar numa relação aí onde eu não possa viver de forma plena com essa pessoa. Eu acredito que talvez você tenha criado uma dependência emocional muito forte e você não tá conseguindo enxergar que não é você que não cabe na vida do Lauro, é o Lauro que não cabe na sua vida. E é isso que eu tenho pra te falar, pra você não se diminuir pra caber na vida de ninguém, você merece alguém que não só te mostre pro mundo, né? Mas que tenha orgulho de você, por você ser quem você é, porque você é muito além de qualquer característica física, você é simplesmente foda, Rafaela.
Assinante 2: Oi, Rafaela, tudo bem? Eu também tenho uma deficiência física, também tô num relacionamento uns dois anos, e meu namorado também é reservado, trabalha em casa, não tem muitos amigos, não gosta muito de sair, mas esse é um traço da personalidade dele, sabe? Mas isso não impede que a gente saia de vez em quando, que eu frequente a casa dele, ele frequente a minha, ele conheça meus familiares, eu conheço o dele… E então, isso aí que você acha que é um relacionamento, eu acho que não tá legal, né? Ele se sentir desconfortável de sair com você diz muito sobre ele e, talvez, você esteja depositando muita confiança em alguém que não merece essa sua confiança, então dá uma repensada aí se isso é amor mesmo, ou se vale a pena, tá bom?
Déia Freitas: E é isso, gente, um beijo.
[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]