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título: vendaval
data de publicação: 31/12/2021
quadro: ano novo de novo
hashtag: #vendaval
personagens: ana júlia e cíntia

TRANSCRIÇÃO

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para nossa última história de Ano Novo do ano. Ano Novo de Novo. E, assim, é uma história fofinha, tá? Que eu não podia encerrar aí o ano de outra forma, que não fosse com uma história fofinha. Então, a história que a gente vai ouvir hoje é a história da Ana Júlia. Ô, Ana Júlia… [cantando] [risos] E da Cíntia. Bom, então vamos lá, vamos de história. 

A Ana Júlia e a Cíntia elas se conheceram numa festa e foi de um jeito assim, [risos] bem engraçado, porque a Júlia mó grossa. A Ana Júlia estava nessa festa, né? E estava ali indo buscar uma bebida, e ela usa uma cadeira de rodas motorizada e a cadeira enroscou ali num desnível do piso, e ela começou a reclamar… E reclamar do piso, né? Reclamar, enfim, que as pessoas não pensam nisso e nã nã nã. Enquanto isso, a Cíntia estava passando ali na festa e falou: “Ah, você quer que eu te ajudo?” e ela falou isso e já foi pegando na cadeira. E aí a Ana Júlia deu um esporro nela, [risos] mó grossa. 

E aí a Cíntia olhou pra ele e falou: “Nossa, mó grossa, hein?” e saiu andando. E, geralmente, a Júlia falou que quando acontece esse tipo de coisa, as pessoas elas ficam ainda mais se sentindo mal e mais querendo ajudar, e não foi o caso da Cintia. Ela, tipo, foi mó grossa assim: “Se vira aí sozinha então”, se fode aí, sabe? [risos] Adoro. E aí a Ana Júlia falou: “Nossa, né? Que moça bonita”. [risos] E aí ficou ali, se desenroscou sozinha ali e foi pegar a bebida que ela tinha que pegar, voltou, estava ali com os amigos e um desses amigos conhecia a Cíntia, né? E aí Ana Júlia perguntou e tal da Cíntia e aí esse cara falou: “Ah é minha amiga e tal, a gente estudou junto e nã nã nã”. 

E aí calhou de uma hora estar todo mundo na mesma roda, e a Cíntia sem olhar para ela, porque a Cíntia é rancorosa. [risos] Gente, eu adoro essas duas. E aí a Ana Júlia foi lá e pediu desculpas e tal… E aí a Cíntia falou: “Tá bom, uhum”. E aí, só que no dia seguinte, elas foram incluídas num grupo de WhatsApp do pessoal ali festa, né? Que criou um grupinho e tal. E aí a Ana Júlia criou coragem de chamar a Cíntia fora do grupo e elas começaram a conversar e tal, e essa conversa evoluiu para um encontro, e esse encontro evoluiu para outros encontros… E aí virou um namoro. 

E aí elas começaram a namorar, e elas têm uma vibe meio eu assim, elas são muito diretas e tal. E eu gosto de gente assim, sabe? [risos] E aí elas começaram a namorar… O namoro vingou, foi super para frente e aí elas decidiram casar. Como seria esse casamento? Este casamento teria que juntar as duas famílias. Como que elas juntariam essas duas famílias? O jeito mais fácil e mais econômico para fazer esse casamento? No final de ano, que é quando as famílias se juntavam. Não uma família… Tipo, a família da Cintia toda se juntava e a família toda da Ana Júlia se juntava, então, a ideia que elas tiveram é: vamos fazer uma festa no final do ano, casar no final do ano, porque a gente consegue juntar as duas famílias de todo mundo, entendeu? As duas famílias ali, todo mundo junto. 

E foi uma boa ideia, né? Porque para as férias, assim, todo mundo já se prepara. Então, se a família da Cintia ia alugar uma chácara para passar o final de ano, a família da Ana Júlia ia, sei lá, alugar umas duas ou três casas na praia para passar o final de ano, resolveram juntar todo mundo e alugar um lugar bacana, porque aí ficava já todo mundo dormindo, rolava o casamento, enfim… Perfeito, né? E isso ficou combinado de ser feito na véspera do Ano Novo, ou seja, hoje, dia 31. 

Então não ia ser à noite, né? Ia ser um casamento no final de tarde, que aí dava pra todo mundo curtir ali a cerimônia e depois ter a festa ali, né? Sei lá, meia noite estoura era uma bebidinha ali que pisca e nã nã nã e fica todo mundo ali. O pessoal já tinha chegado nessa chácara desde o começo da semana, então desde ali uns dias, antes do dia 31, a chácara já estava liberada para as famílias e era um lugar muito grande, né? E os jovens levaram barraca… Deus me livre dormir numa barraca. [risos] Se eu sou jovem eu quero dormir na casa, não vem falar que sou jovem. [risos]. 

E aí, assim, todo mundo se divertiu, porque as crianças queriam ficar nas barracas também e nã nã nã, enfim… Estava tudo muito bom, muito gostoso, até que chegamos à manhã do dia 31 de dezembro. Na manhã do dia 31 o tempo estava instável, estava estranho assim, né? A Ana Júlia sempre acorda cedo, então era umas seis e meia da manhã ela já estava acordada, a Cíntia ainda estava dormindo, e ela olhou para o tempo e falou: “Nossa, mas tá estranho”, porque assim, tava com uma cara de chuva, mas era diferente… Ela não sabe explicar assim, era uma coisa diferente. Quando deu umas dez e pouco da manhã, começou uma chuva, mas não era uma chuva só uma chuva… Era uma chuva com um vendaval e, na parte externa, além das barracas, né? Já tinha a tenda onde ia acontecer o casamento e outras duas tendas onde ia rolar a festa assim, né? Ali coberto, tendas brancas, sabe? Aquelas de casamento mesmo, né? Bonitas assim… 

Gente, a chuva com o vento… Passou uma moto, ó… Esperar a moto passar. Passou? A chuva com o vento destruiu tudo… Tudo o que estava preparado para a cerimônia naquele final de tarde, que já estava adiantado, foi destruído. E as pessoas que iam trabalhar naquele casamento, né? Que foram contratadas junto com o pacote lá de casamento que você compra, enfim, com as coisinhas… Coisinhas de casamento. Eles estavam na cidade. Então, pensa: Tem a chácara, uma cidade muito pequena e essas pessoas foram hospedadas na cidade, né? Na chácara mesmo só ficaram as famílias, porque aí também as pessoas que iam trabalhar tinham mais privacidade, enfim, tinha uma pousada lá na cidade e eles ficaram lá na cidade. 

E aí aquela correria de avisar o pessoal do cerimonial ali que tinha tido um vendaval e que tinha sido levado tudo, e as taças já estavam arrumadas, mas não assim organizadas… Estavam em caixas já naquele espaço da tenda para serem arrumadas um pouco antes de começar a festa e as caixas viraram, enfim, gente… Uma, assim, uma loucura… E a Ana Júlia e a Cíntia em prantos, porque não tinha muito o que fazer, né? Aquela parte de fora tinha virado uma lama. Eles tinham providenciado o que era tipo uma… Como se fosse uma passarelazinha até ali onde ia ter cerimônia, mini altar, enfim, para a cadeira de rodas da Ana Júlia conseguir passar, né? Porque, enfim… Isso tudo estava destruído, não ia ter como fazer lá, porque a cadeira ia atolar, enfim… Não tinha nada. 

A tenda voou, as barracas das crianças ali, dos jovens, também tinham tudo voado, tudo cheio de lama, enfim, um caos no dia do casamento. Aí isso foi avisado, né? Pro pessoal da equipe lá na cidade, né? E acho que um bom cerimonial, uma boa equipe de casamento sempre tem um plano B, então eles começaram a pensar num plano B. Só que isso, gente, espalhou na cidade… Uma cidade pequena, né? Então, que muita coisa tinha sido destruída ali e que ia ter uma festa e nã nã nã. E esse cerimonial vendo o que dava para fazer, para que a cerimônia continuasse agora de uma outra forma, enfim, né? As pessoas pensando em mil jeitos. 

Cíntia e Ana Júlia, assim, inconsoláveis, porque estava tudo perfeito, as famílias unidas, ia dar tudo certo e aí vem esse vendaval e estraga tudo. E isso virou um burburinho na cidade… Tipo, as moças que iam casar e que deu tudo errado. E Ana Júlia e a Cíntia elas têm, bem justificável isso, um medo das pessoas que são homofóbicas e tal, né? E cidade pequena, era um casamento que estava feito super ali na chácara, meio que discreto e tal e agora a cidade toda estava sabendo que duas moças iam casar e que esse casamento tinha sido destruído aí pelo vendaval que afetou pouco a cidade. Assim, um telhado… Um telhadinho ou outro voou, mas nada muito grave assim. Parece que o telhado da escola… 

Assim, as pessoas não foram muito afetadas com essa chuva, foi mais mesmo essa questão do vento… E que pegou mais lá porque era tenda, né? Tenda branca, essas coisas mais leves, enfim… E aí esse burburinho espalhou na cidade, Cíntia e Ana Júlia não tão sabendo de nada, só estão ali pensando o que elas vão fazer… As mães das noivas correndo atrás das coisas, né? Junto ali com o cerimonial. E as duas arrasadas. Quando a mãe da Ana Júlia falou: “Olha, então, vai acontecer o casamento. Não vai acontecer aqui, a gente vai fazer na cidade e vocês não se preocupem com nada. Vamos seguir com a programação”. Que elas tinham ali, né? Elas iam fazer o cabelo, né? E separadas… Porque uma não ia ver o vestido da outra e nã nã nã. 

E aí foi… O dia foi assim. Elas ficaram mais calmas porque, enfim, ia acontecer o casamento e todo mundo tomou banho, se arrumou ali a família e conseguiram um ônibus na cidade para vir buscar as pessoas, né? Para o pessoal não se amassar nos carros ali e tal. E um carro veio buscar a Ana Júlia e outro carro veio buscar a Cíntia. Elas não se viram, elas não sabiam onde ia ser o casamento. E, gente, o casamento foi na Associação de Aposentados da cidade ali, que tinha uma quadra. E foi nessa quadra. E quando as pessoas ficaram sabendo que, tipo, estava tudo destruído, tudo com lama aquelas cadeirinhas brancas que ia ser do casamento, estava tudo zoado, as pessoas da cidade começaram a oferecer as próprias cadeiras e mesas das casas deles para a cerimônia. 

E eu fiquei muito emocionada com isso, porque, assim, é uma cidade que ninguém conhecia elas, né? E todo mundo ofereceu cadeira, mesa… Teve gente que fez bolo, porque achou, assim, a comida não tinha sido afetada, né? Não estava nas tendas, nada… Mas como as pessoas não sabiam, elas começaram a levar pratinhos de coisas e bolos pensando na festa, né? E aí o casamento da Ana Júlia e da Cíntia, que era uma cerimônia íntima, só de família, virou um evento na cidade. E aquela quadra da Associação de Aposentados ficou lotada de gente… 

E aí um casamento que ia ser super discreto, intimista e tal, virou um evento na cidade… Com toda a cidade ali apoiando, participando e levando comida, levando bebida, levando copos descartáveis, copos de vidro, as suas próprias cadeiras das suas casas para acomodar as pessoas ali que eles nem conheciam… E aí a Cíntia e Ana Júlia, porque a festa ainda assim, ia acontecer só para eles, né? Resolveu abrir os portões da Associação para quem quisesse participar da festa, tipo, durasse a comida o tempo que durasse, a bebida o tempo que durasse e, por incrível que pareça, comida e bebida duraram até a virada do Ano Novo, todo mundo passou a virada nessa Associação. 

Então, quem é dessa cidade pequena, conhece essa história, né? E que, no meio de um caos, quando elas achavam que estava tudo, tudo ferrado, tudo destruído, pessoas que elas nem conheciam, cada uma fazendo um pouquinho, pouquinho mesmo, as pessoas conseguiram reerguer essa festa e fazer com que as coisas acontecessem. Eu achei que essa história era uma história perfeita para a gente fechar esse ano péssimo. [voz de choro] Onde o mundo passa por uma grave crise sanitária, não é só aqui, é no mundo todo… Onde o Brasil voltou para o mapa da fome, onde muita gente morreu de uma doença que tem vacina. Onde uma parte da Bahia se encontra agora embaixo d’água… 

E são coisas que a gente tem que enfrentar e que a gente só vai conseguir enfrentar se a gente se juntar e cada um fizer um pouquinho, porque é assim que tem que ser. Então, se a gente chegou junto até aqui, vamos juntos, aos trancos e barrancos, do jeito que der em mais um ano. Vamos aí um dia de cada vez, que é assim que tem que ser… Tomando muito cuidado para não deixar se contaminar com a indiferença, que eu acho que é o que mais envenena a gente, é a indiferença. Então, um dia de cada vez, prestando atenção ao seu redor, ao que a gente pode fazer ali naquele momento, um pouquinho que seja… Pelo próximo, pelo planeta, pela nossa própria vida. Então, vamos nessa, amanhã ano novo, mesma vida… Respira. Um dia de cada vez e eu vou ficar aqui pensando que amanhã você vai ter sorte. 

Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.