título: zelador
data de publicação: 05/06/2025
quadro: luz acesa
hashtag: #zelador
personagens: mirian, dona vanda, seu otávio, dona cleide e dona neide
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para um Luz Acesa. E hoje vou contar para vocês a história da Mirian. Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]Mirian começou a procurar aí um apartamento novo — o aluguel dela venceu — e Mirian achou um prédio antigo, mas que tinha sido modernizado. Então tiraram o porteiro e colocaram uma portaria eletrônica. — Eu acho péssimo, eu sou a favor de ter o porteiro… — O pessoal da limpeza também não era do próprio prédio mais, era uma empresa terceirizada que vinha parece que três vezes na semana fazer a limpeza do prédio ali e tinha um apartamento para alugar no primeiro andar. Era um prédio que não tinha piscina, condomínio não era alto e a Mirian gostou. Mirian curtiu a ideia, gostou do apartamento, o apartamento antigo, então assim, maior e mais arejado… Alugou e se mudou.
Ela já conheceu alguns vizinhos, cumprimentou, mas assim só conversa bem superficial e conheceu a síndica — que a gente, obviamente, vai chamar de “Dona Vanda”, porque quando tem um prédio aqui no podcast [risos], tem uma Dona Vanda —, Dona Vanda era uma senhora já quase na casa dos 70 ali, muito acolhedora, enfim… Mirian não tinha quase nenhuma reclamação desse apartamento, a não ser o apartamento do térreo, porque no térreo ali — embaixo do dela — tinha um apartamento que era do zelador do prédio e ela escutava muitos barulhos e às vezes escutava choro. Falou: “Bom, a pessoa que está morando ali no apartamento tá com algum problema, quando eu encontrar a Dona Vanda eu vou falar com ela”.
O tempo passou, Mirian esqueceu, mas vira e mexe algum barulho incomodava a Mirian, mas ela ia deixando… — Você acabou de mudar também, você não vai ficar reclamando, né, gente? Vamos também colaborar, né? Tentar ser um vizinho mais amigável. — Um dia, Mirian que não usava o elevador — porque ela estava ali no primeiro andar, então era só descer a escada —, era umas sete horas da noite, Mirian ia até o mercado, que era uns dois quarteirões dali, então ela estava ali com a sua ecobag descendo a escada… — Uma escada que meio que tem um lance, aí vira um pouco, tem outro lance. — Conforme ela virou para descer o outro lance, lá embaixo, perto da entrada, tinha um senhor… Esse senhor estava com uma roupa cinza, como se fosse uma roupa de trabalho.— Sabe roupa de pessoas que fazem manutenção, enfim, das coisas? — E ela viu esse senhor e ele estava muito abatido.
Tinha a porta de vidro para sair nesse corredor, né? E ele estava olhando para a parede lateral da porta de vidro, então a Mirian só conseguia ver o lado esquerdo dele e, conforme Mirian foi descendo a escada, ele percebeu Mirian e ele virou de frente. De frente este senhor tinha o lado esquerdo ok e o lado direito algumas partes com pedaços de carne descolando… Ela via os ossos da face desse senhor e a roupa muito suja de um lado, meio pingando, meio com líquido, enfim… — Na hora que você vê uma coisa dessas, sete horas da noite, gente, você não acredita, né? — Ela falou para mim: “Andréia, eu não sei o que eu pensei, eu continuei andando e, conforme eu continuei andando, eu não diminui o meu passo olhando para aquilo, porque assim, eu queria chegar mais perto pra ver se de repente era uma fantasia, sei lá o que era aquilo”.
Quando ela chegou mais perto, esse homem [efeito sonoro de grito] emitiu um grito, como se fosse um grito dele ter se assustado também e atravessou a Mirian. Conforme aquilo passou por dentro do corpo dela — e provavelmente saiu atrás, porque ela nem olhou para trás, ela ficou tão apavorada que ela destrancou a porta de vidro e saiu correndo, tinha mais um espaço lá, uns cinco metros até chegar no portão de ferro para sair —, ela sentiu uma angústia, uma coisa muito ruim assim e foi para o mercado pensando nisso que tinha acontecido, mas botando meio que na conta de uma alucinação, uma loucura… Enfim, Mirian foi ao mercado… Ela comprou as coisas que ela tinha que comprar, tava meio aérea, assim, com a cabeça meio ruim, né? E voltou já pensando no que ela ia encontrar no caminho ali, dentro daquele saguão ali do prédio.
Ela entrou, não encontrou nada e nem ninguém e subiu as escadas para o seu apartamento. Mirian entrou no seu apartamento, colocou a sacola, com as compras em cima da mesa e foi ali lavar a mão, enfim, fazer qualquer outra coisa, tirar o tênis, aquela coisa que você faz quando você chega em casa. Ela tirou o tênis ali na sala mesmo e foi para o quarto para pegar o chinelo que ela gostava de ficar em casa. Quando Mirian entrou no seu quarto, aquele senhor que tinha metade do corpo em decomposição estava no quarto de Mirian. E aí a Mirian gritou, esse seu espírito desapareceu e a vizinha do andar ali veio, né? Ouviu o grito e veio. A Mirian muito assustada contou pra essa vizinha — que a gente pode chamar aqui de “Dona Cleide” — e a vizinha falou: “Ah, minha filha, eu tenho que te contar coisa sobre esse prédio. Posso entrar?”, “Claro, pode entrar, tô com medo”, enfim… Dona Cleide, contou para Miriam que o prédio tinha um zelador — que a gente vai chamar aqui de “Seu Otávio” e o Seu Otávio trabalhou por muitos anos no prédio, muitos anos mesmo e ele morava nesse apartamento que era do térreo, um apartamento menor, enfim, mas que ficava ali do lado da recepção, do balcão onde ele ficava, né?
Aquele apartamento ali do zelador, era do condomínio, não era de ninguém ali do prédio, enfim… E o Seu Otávio já era um senhor e tal e muita gente do prédio ali queria que ele se aposentasse e que ele saísse daquele apartamento para transformar aquilo, sei lá, num salãozinho de festa, qualquer coisa nesse sentido, queriam dispensar o Seu Otávio e Dona Vanda, Dona Cleide, enfim, as moradoras mais antigas eram contra porque o Seu Otávio sempre trabalhou lá, né? E o Seu Otávio também estava muito triste com isso, de ter que sair dali ele não tinha nem para onde ir, enfim… — Aí a gente percebe realmente a precarização do trabalho, de uma pessoa que trabalhou a vida toda num prédio e quando ele sai, ele não tem onde morar, porque ele morava ali no prédio, enfim. — Algumas reuniões de condomínio foram feitas e, na última reunião, a Dona Cleide, Dona Vanda e mais meia dúzia ali foram voto vencido e ficou combinado de que eles iam demitir o Seu Otávio, pagar todos os direitos… — Provavelmente o argumento que eles falavam ali era que com os direitos ele ia conseguir comprar uma casinha, alguma coisa assim, né? —
Seu Otávio não participou da reunião, mas ficou sabendo por Dona Vanda ali o que tinha sido combinado e Dona Vanda ficou de dar esse apoio para ele, falou: “Olha, você pode ficar na minha casa o tempo que você precisar até você achar um lugar para você comprar, enfim, não vai pegar esse dinheiro, gastar, enfim, compra uma coisinha para você morar”, enfim, esse papo. Isso era uma quinta—feira… Na sexta—feira o Seu Otávio trabalhou normal e foi para o apartamento dele ali. — Porque ainda eles iam fazer os papéis, iam esperar virar o mês para demitir o seu Otávio. — Dona Vanda, que era quem conversava mais com Seu Otávio, estava muito envergonhada da decisão que as pessoas tinham tomado e ela tinha tomado a decisão também de dar uma evitada no Seu Otávio aquela semana que ia começar, né? E ninguém procurou por Seu Otávio e era ele que varria, era ele que limpava, mas as pessoas viram que, sei lá, as coisas não estavam varridas ou a correspondência não estava separada, a galera começou a botar na conta de que Seu Otávio está aborrecido com todo mundo e ninguém foi bater na porta do Seu Otávio até quinta—feira, quando Dona Vanda falou: “Bom, não dá também para o Seu Otavio ficar assim, né? Ele tem que pelo menos esses dias que ele ainda trabalha aqui, ele tem que trabalhar”.
E aí quando ela bateu ali na porta, ele não abriu… Ela achou estranho, ela tinha uma chave e Dona Vanda abriu e encontrou Seu Otávio caído no chão da sala. — Seu Otávio provavelmente teve um mal súbito e caiu ali na sala. — Com metade já do corpo, a metade que estava no chão tava mais decomposta, assim… — Dona Vanda não soube explicar, mas tinha já bastante larva, enfim… — E aí foi um choque para o prédio todo. Enfim, Seu Otávio tinha falecido na sexta—feira mesmo depois do expediente… — Ainda morreu depois de trabalhar… Que ódio, né? Para o trabalhador. — E foi uma comoção lá no prédio, enfim, aí rolou briga, né? Culparam as pessoas que quiseram demitir o Seu Otávio. No final, ele não foi demitido, então foi feita as contas dele, tudo e foi pago ali para a irmã dele, que era a única parente que ele tinha. Foi feita essa rescisão e o dinheiro foi para essa irmã, mas demorou porque ela teve que fazer inventário, enfim…
E a partir do momento que tiraram o corpo do Seu Otávio de lá, ninguém mais quis fazer salão de festa, ninguém mais quis fazer nada e o apartamento ficou trancado… E, desde então, eles ouvem e algumas pessoas também conseguem ver o Seu Otávio no prédio. A Mirian escutava ele chorando, ele batendo coisa dentro do apartamento… — Então, quer dizer, ele está em sofrimento, né? — E muitos moradores já tinham visto, aquele apartamento do primeiro andar que a Mirian morava estava sempre vago, porque as pessoas não aguentavam ficar muito lá, porque era o único apartamento que o Seu Otávio, aparentemente, conseguia entrar. Como ele fazia? Ninguém sabe, mas nos outros apartamentos ele não entrava… As pessoas viam ele no corredor, no elevador, no jardim ali da frente, mas nunca dentro do apartamento. E o apartamento do primeiro andar era o apartamento que ele, ninguém sabe como, ele tinha acesso.
As pessoas lá já tinham tentado de tudo para tirar o Seu Otávio, mas ele não ia embora e que ele estava realmente perturbado… E o morador que mais fez para que ele saísse do prédio, fosse demitido, este morador, passado, sei lá, uns oito meses do que aconteceu com seu Otávio, ele infartou e morreu também lá no prédio. Todo mundo fala que ele morreu de susto por causa do Seu Otavio, que Seu Otávio deve ter dado um susto nele. — Bom, vou reclamar, assim? O cara queria demitir o Seu Otávio, Seu Otavio estava no direito de tirar uma satisfaçãozinha. Tava morto, tava em decomposição? Sim, mas podia ainda questionar sim os seus direitos trabalhistas, né? — Aí a mulher do oitavo andar, a viúva, vendeu o apartamento, mas também nunca aconteceu nada de sobrenatural dentro daquele apartamento do oitavo andar… Mas o Seu Otávio ficava pelo prédio.
No fim, a Mirian não aguentou porque o Seu Otávio aparecia dentro do apartamento dela e ela falava: “Andréia, ele não era agressivo, nada, mas ele estava triste, assim… Você percebia… E aquela tristeza, aquela angústia dele começou a passar para mim”. A Mirian realmente resolveu se mudar quando ela adotou um gato e a hora que o gato entrou no apartamento, ela já viu que o gato começou a ficar mal e tal, ela falou: “Não…”, e aí ela arrumou rápido um outro apartamento, já levou o gato, o gato ficou ótimo — longe dali — e aí ela fez a mudança dela, enfim, pagou multa, essas coisas todas e nunca mais soube de nada ali daquele prédio… E isso já tinham alguns anos, né? Mas eles não conseguiam tirar o Seu Otávio dali. Tinha uma vizinha lá — que morava acho que no décimo, eram doze andares, enfim — que ela era uma senhora também… — A gente já usou “Cleide”? Vamos usar “Neide”? Dona Neide… — E que Dona Neide chegava no prédio e falava: “Bom dia, Seu Otavio”, “boa tarde, Seu Otávio” e conversava com Seu Otávio e que às vezes você podia ver pela câmera que a porta ali de vidro abria pra ela, pra Dona Neide. Dona Neide falava: “Ah, obrigada, Seu Otávio, bom dia” e tratava o Seu Otávio como se ele estivesse vivo.
E aí a Dona Vanda perguntou pra ela: “Mas Neide, todo mundo vê ele aqui com a aparência de quando ele tava morto, de quando ele foi encontrado morto, você vê ele como?”, ela falou: “eu vejo ele assim também, mas a mim não importa, se ele tá aqui, é porque ele quer estar aqui ou precisa estar aqui e ele tá fazendo o trabalho dele na portaria e eu falo bom dia, boa tarde, boa noite e converso com Seu Otávio normal”. — Eu hein… — E Mirian não aguentou, Mirian realmente depois que adotou o gatinho resolveu mudar. O que vocês acham?
[trilha]Assinante 1: Oi, nãoinviabilizers, aqui é a Nicole, da Santa Maria, no Rio Grande do Sul. E eu fiquei com muita pena do seu Otávio nessa história Zelador… Pelas coisas que a Miriam conta, pelos relatos, dá pra perceber que ele realmente faleceu muito triste por tudo que tava acontecendo com ele, né? Perdeu o emprego, tava perdendo a moradia, então assim, é uma história muito triste mesmo. Eu também achei uma graça, assim, no meio dessa tristeza, a simpatia da Dona Neide, né? Continuou dando “bom dia”, “boa tarde” e, apesar ali de estar vendo a assombração, continuou sendo educada com o seu Otávio. Uma coisa que me intriga nas histórias do Luz Acesa é quando a pessoa relata que essa foi a única experiência sobrenatural que ela teve… Eu não entendo isso. Alguém saberia explicar? Por exemplo, nunca teve sensibilidade, nunca viu nenhum outro espírito só nessa única ocasião. Por que que isso acontece? Fica aí o questionamento. Um beijo.
Assinante 2: Oi, nãoinviabilizers, aqui é Ana Paula, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Eu sou filha de um Zelador e meu pai faleceu há dois meses, mais ou menos, no prédio onde ele trabalhava… O que me irrita nessa história é o descaso, assim, dos moradores, né? Apesar de ele ter algumas pessoas com quem ele contava, mas se eu visse alguém rondando o prédio, alguém que trabalhou tantos anos, né? Meu pai também trabalhou mais de 35 anos no prédio e eu não ia fazer nada? Eu ia atrás, eu ia dar um jeito, né? Eu vou rezar pela alma do Seu Otávio e espero que todos tratem muito bem os trabalhadores, especialmente esses de longa data, né? Porque muitas vezes é apenas uma forma de reduzir um custo que nem é tanto, né? Que as pessoas querem tirar zeladores, porteiros, pessoal da limpeza, enfim… Um beijo e fiquem bem.
[trilha]Déia Freitas: Comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis com a Mirian. — Ela nunca viu nada assim sobrenatural, a não ser esse zelador e é isso… Nada depois também de sobrenatural aconteceu mais na vida da Mirian, então eu acho que a coisa estava lá no prédio… Deve estar até hoje. — Ela falou pra mim: “Andréia, a Dona Vanda, Dona Neide e Dona Cleide já eram bem idosas, assim, então sei lá, será que ainda estão vivas? Como será que a galera está lidando com isso do prédio?”, ela nunca mais soube. Então é isso — Deus me livre —, um beijo e eu volto em breve.
[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]