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título: benedita
data de publicação: 24/12/2021
quadro: feliz natal pra quem?
hashtag: #benedita
personagens: dona benedita, fátima, vera, eunice e rosangela

TRANSCRIÇÃO

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para a última história do nosso Especial de Natal – Feliz Natal Para Quem? Lembrando que semana que vem começam as histórias de Ano Novo, são cinco histórias de firma. Eu amo a história de firma. Então hoje a gente vai aí para a última história de Natal, e eu espero que vocês tenham gostado [risos] desse formato, que é o que eu faço lá na assinatura, né? Só microfone e voz. E hoje eu vou contar para vocês a história da dona Benedita e quem me escreve é a Rosângela, neta dela. Então vamos lá, vamos de história. 

A dona Benedita, uma mulher negra da periferia de Salvador, criou as três filhas: a Fátima, a Vera e a Eunice sozinha. Então, sempre foi ali às quatro juntinhas, e aí a Fátima foi a primeira a casar, depois a Vera e, por último, a Eunice. E aí elas moravam todas perto, né? sempre ali ao redor de dona Benedita. E quando a Rosângela que foi a pessoa que me escreveu, que é filha da Eunice, quando a Rosângela estava com 7 anos, a Eunice se separou e voltou a morar com a mãe. Então, ali na casa moravam dona Benedita, Eunice filha dela e Rosângela, neta. Então essa família sempre foi ali comandada e rodeada por muitas mulheres, né? 

E dona Benedita amava o Natal, Amava. Ela gostava de fazer decoração na casa, fazia várias comidinhas… E uma comida em especial, um doce, uma torta de banana, ela tinha que fazer… Assim, todo mundo amava, e aí Dona Benedita fazia três tortas, uma para comer ali no dia, uma para Vera levar e outra para Fátima levar, porque a Eunice estava ali com ela, então podia comer torta praticamente o dia todo, e Vera e Fátima não. Então, o Natal já era tradição que ela fazia três tortas, né? uma para cada filha. E ninguém sabia direito essa receita de torta de banana, porque Dona Benedita não dava e ela fazia de cabeça. Então era um carinho ali que ela fazia para as filhas. Desde pequenas, quando elas eram pequenas, né? A dona Benedita já fazia essa torta e, sempre que alguém pedia a receita, ela falava: “Ah, não sei, sempre faço de cabeça” e nunca dava, né? Coisinha dela, receita dela… Não queria dar. 

E aí o tempo foi passando, vários natais… E a gente chegou ao Natal de 2020. Logo depois do Natal, entre ali a semana do Natal e Ano Novo, a dona Benedita passou muito mal. E aí foi para o médico, não tinha como fazer exames ainda naquela semana, agendou os exames para janeiro, para janeiro de 2021, esse ano agora. E aí ela fez todos os exames que foram pedidos e descobriu-se ali um câncer em dona Benedita. E era um câncer muito agressivo, e ela já estava com uma certa idade, né? Já tinha passado ali dos 75 anos e vendo o que dava para se fazer de tratamento e como ia avançar ali o prognóstico, enfim, da doença, resolveu-se fazer um tratamento paliativo… E a notícia não era boa, dona Benedita tinha pouquíssimo tempo de vida. 

E aí a família toda se desesperou, né? Dona Benedita sempre foi muito alegre, muito, assim, para cima, uma pessoa muito risonha. E aí aquela choradeira, todo mundo mal e a dona Benedita falou: “Gente, Deus me deu a oportunidade de saber quando eu vou partir, né? Me deu a chance de poder ajeitar as coisas aqui, arrumar a minha vida antes de ir embora”. E aí foi isso que ela fez… Eu sou meio que como a dona Benedita, né? Com isso. Acho que a gente tem que deixar as coisas preparadas também para a hora que a gente for embora. E aí com todo mundo chorando, abalado, ela começou a fazer o tratamento ali que foi prescrito para ela, mas era uma coisa que já se sabia que não tinha um diagnóstico de alta e tal, né? 

E ela, a primeira coisa que ela fez, foi ajeitar a casinha ali, né? Que elas… Que a Eunice mora até hoje, então, assim, uma casa muito simples. E aí ela fez tudo certinho para passar essa casa, em comum acordo com as outras duas filhas que já tinham casa própria, para a Eunice e um terreno que dona Benedita tinha ficou para Vera e para a Fátima. Então, ela fez tudo em vida, né? Para não ter que fazer inventário. Deixou tudo preparado assim, né? Sim fizeram um inventário, mas estava tudo já determinado, tudo certinho. E aí ela marcou encontro com as amigas, né? Também ela tinha muitas amigas, todas da idade dela… E aí o povo vinha meio pra baixo e ela falava: “Não, gente, alegria. Eu quero aproveitar que ainda não estou sentindo dor, né? Eu quero viver esse tempo que eu tenho para viver ainda”. 

E aí Dona Benedita ajeitou ali as caixinhas de fotos, as coisinhas dela, dividiu os enfeites de Natal que era uma coisa que ela gostava muito, então ela dividiu ali entre as filhas, né? E, nessa caixinha de foto, ela deixou várias coisinhas que ela gostava e tal e deixou ali no guarda roupa a caixinha. Deixou tudo preparado e foi seguindo com o tratamento. Final de março dona Benedita foi internada e, na metade de abril, dona Benedita faleceu, foi embora. E ela tratou como uma viagem mesmo, ela fez tudo, se preparou… Como ela dizia: “Pra ir para um outro lugar”. E aí foi aquele baque, né? Que a gente já sabe… Quem já perdeu alguém sabe. E aí as filhas demoraram para mexer nas coisas da dona Benedita, né? Esperaram um bom tempo. 

E aí quando chegou agosto agora, desse ano, a Eunice foi mexer, falou: “Bom, agora já está na hora, vamos desfazer o quarto da mamãe”. Eunice e Rosângela dormiam no mesmo quarto, então a ideia foi que Eunice passasse para o quarto da dona Benedita e a Rosângela ficasse no quarto que já está. E aí arrumando ali as coisas, ela tirou essa caixinha que tinha as fotos, né? E aí deu vontade de ver umas fotos ali da mãe e curtir, enfim… Elas não tinham olhado nada ainda. E quando a dona Eunice abriu a caixa, gente, vocês não vão acreditar… A dona Benedita tinha arrancado três folhas de um caderno e, com a letrinha dela, tinha deixado os ingredientes e passo a passo como fazer a torta que só ela fazia no Natal. [chorando]

Eu já estou aqui e acabada, vocês já sabem, né? E aí ela escreveu a receita nesses três… Nessas três folhas de caderno e, em cima tinha lá, uma estava “Para Fátima”, a outra “Para Vera” e a outra “Para Eunice”, e ela não escreveu mais nada assim, não deixou um bilhete, uma carta… Mas ela deixou a receita, passo a passo. Até, assim, “Ah, precisa passar farinha na peneira”, várias dicazinhas assim, né? E ela fez igualzinho… Então, pensa o tempo que ela levou para escrever cada receita e copiar e deixar ali naquela caixinha para que elas tivessem a torta da mãe em todos os Natais, né? E isso vai acontecer agora, né? Provavelmente vocês estão escutando essa história e essa torta já vai estar sendo feita. Que elas começam… Sempre começaram a tradição de começar a fazer as coisas de Natal na manhã do dia 24. 

Então, elas vão fazer as 3 tortas, e a Rosângela me disse, junto com a Eunice, que as netas também vão participar. [voz de choro] Então, é a herança de família, a tradição que dona Benedita deixou para essa família de mulheres pretas. Elas vão poder fazer a torta e eternizar aí dona Benedita e o seu sorrisão em todos os Natais. Eu acho que o Natal é uma data, assim, que carrega muito afeto e eu não vejo uma atitude mais afetuosa do que essa de dona Benedita, de deixar a receita explicadinho a passo a passo para a torta ficar igual à dela para as filhas e pras netas… E esse Natal vai ter um gostinho de saudade pra essa família, né? Eu acho que Natal também é isso. Nem sempre a gente pode estar com quem a gente gostaria de estar e é isso que eu desejo pra vocês essa noite, uma noite de afeto, né? Seja compartilhando esse afeto com outras pessoas, sendo esse afeto só seu, você comemorando aí sem essas pessoas que você gostaria de comemorar junto… 

Lembrando que a gente, mesmo sozinho, a gente pode ser a fonte de afeto de uma outra pessoa, né? Então, se essa noite vai ser difícil, impossível, você ter o afeto aí das pessoas que você gostaria, das pessoas que você ama, lembre que você pode ser a fonte de afeto para alguém, para qualquer pessoa. Às vezes uma mensagem, um telefonema, um sorriso que você dá para alguém na rua. Então, eu espero que essa noite você receba afeto, mas que acima de tudo, você seja uma fonte de afeto no mundo. Um Feliz Natal para quem é de Natal é uma noite de amor para quem aí não é de Natal. E eu volto segunda-feira com o nosso Especial de Ano Novo. Um beijo e eu tô aqui cheia de afeto para vocês. 

Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.