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título: bolsa família
data de publicação: 14/09/2022
quadro: politícas públicas
hashtag: #bolsafamilia
personagens: daniela

TRANSCRIÇÃO

[vinheta: “Lula lá” no piano] 

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. E hoje eu cheguei pra contar pra vocês mais uma história de pessoas que foram impactadas positivamente e tiveram aí a sua vida completamente mudadas por políticas públicas. E hoje eu vou contar pra vocês a história da Daniela, que teve a sua vida alterada e saiu de um relacionamento abusivo com o apoio do programa Bolsa Família. Essa história contém alguns gatilhos de violência doméstica, então estejam avisados. Bom, então vamos lá, vamos de história. 

[trilha] 

A Daniela, filha de uma empregada doméstica e de um segurança, teve uma infância ok e, ali com 16 anos, ela engravidou. [efeito sonoro de bebê chorando] O pai do bebezinho disse que não ia assumir, deu no pé e a família da Daniela foi aí o suporte dela nesse início, né? Então ela estava ali no ensino médio, ela conseguiu estudar mais um pouco… Só que tinha aquela pressão em casa também, dela ser uma mãe solteira agora, né? Nada era fácil. E aí um dia, na família dela, ela foi apresentada aí pra um cara… E esse cara, gente, ele parecia um príncipe… Logo no primeiro encontro esse cara, depois que ele já tinha conhecido um pouco a Daniela, ele deu um celular pra ela. — Aí vocês vão falar: “Ai, nossa, que coisa fofa, né? Ela não tinha o celular… Uma família muito pobre e tal, ele queria falar com ela o tempo todo”. — Mas depois a gente vai saber que ele deu esse celular, que era para controlar todos os passos aí da Daniela. 

Mas até então ela não sabia que era isso… E ele era extremamente gentil, sempre estava elogiando a Daniela e paparicava ela então… E, assim, ela resolveu namorar esse cara. As primeiras semanas foram ótimas assim, ele era um cara super carinhoso, super atento assim as coisas que a Daniela queria, mas sabe quando você percebe, você tem um instinto que tem alguma coisa errada? Tinha alguma coisa errada naquele cara, mas ela não… Ela não sabia o que era… E esse cara ele tinha muita pressa de casar, ele queria muito casar com a Daniela. Então, em cinco meses de namoro, ele já pediu a Daniela em casamento. E detalhe, né? A família dela muito, assim, conservadora e tal, né? Esperava que o cara fosse lá pedir a mão da Daniela e tal, mas não… Ele pediu a Daniela, assim, num dia que estava só os dois e tal, não teve nenhuma formalidade e a família achou meio esquisito, mas falou: “Bom, é isso, né?”. 

E a família botava um pouco de pressão, porque assim: “Nossa, o cara te quis, você é uma mulher mãe solteira”, então tinha toda aquela questão de “ah, você é mãe solo, você vai estar lascada, então pega esse aí que é só esse aí que vai aparecer pra você”, né? E aí, logo no começo, depois que eles se casaram, que eles se casaram ali quando ela tinha 17 anos, ele começou com algumas crises de ciúme. Então, ele tinha um pouco de ciúme dela e tal, mas ela achava que era ok, mas aí ele foi ficando mais estressado… Até que um dia esse cara deu um beliscão muito forte na Daniela. Ela ficou chocada e, logo que ele deu o beliscão, ele já pediu desculpas e já começou a fazer carinho nela. A gente já sabe, né? Já conhece aí esse esquema. 

E o casamento dela tinha sido muito simples, mas como ele quis tudo rápido, então ela teve um vestido de noiva que foi doado… Tudo foi feito, como a Daniela diz, de fachada, porque a família meio que queria empurrar ela pro cara porque, “poxa, ela era uma mãe solo e tal e pega mal”, e o cara queria muito ter a Daniela ali debaixo dos olhos dele o tempo todo. E aí, gente, logo no começo desse relacionamento do beliscão, passou para os tapas… Dos tapas para tentativas de enforcamentos… E, a maioria das vezes… Nada, absolutamente nada justifica, mas eram por coisas assim, qualquer coisa, tipo, ah, deixou água no fogo, sabe? Qualquer coisa, gente… E também tinha a questão que ela não não trabalhava, né? Então ela dependia totalmente desse cara. Até que depois de muita briga, ela resolveu arrumar um emprego, né? A Daniela falou: “Não, eu tenho que arrumar um emprego”. 

E aí quem cuidava do bebezinho era a irmã dela… A irmã dela ia até a casa dela para cuidar desse bebê. Só que esse cara começou a assediar a irmã da Daniela e a fazer um inferno na vida dela. E aí ela saiu do emprego e voltou a ficar em casa. Então, assim, ele não queria realmente que ela trabalhasse. E, aos olhos das outras pessoas, esse cara era maravilhoso… Sabe aquele cara amigão? Aquele cara bacana, sorridente? Era esse o cara… A Daniela mais sem saber o que fazer, sabendo já de toda a violência que ela passava, aquilo só ia piorar, ela entrou na internet num grupo ali que falava sobre relacionamento abusivo… E ela foi vendo as postagens e vendo os sinais. E foi ali que caiu a ficha do que ela realmente estava vivendo, do que aquilo podia escalar para uma coisa bem maior… E do que esse cara podia ser capaz no futuro ela não sabia. 

E aí, depois que ela entrou nesse grupo, ela começou a tentar a sair desse relacionamento, né? Durante os seis meses seguintes, ela tentou formas de sair. Então, primeiro ela tentou voltar para a casa dela, só que a família achava ele maravilhoso e achava que ela que não estava tentando. Sabe aquela coisa? “Ah, você que não está tentando, não está se esforçando no seu relacionamento”. Então, ela viu ali que a família não seria um caminho, né? Ela não tinha grana nenhuma, ela dependia dele pra tudo… E aí, quando ela falava de ir embora, ele ameaçava ou fazer algo como o bebezinho dela, ou falava que ela era burra, que ela era incapaz, que ela não ia conseguir se sustentar… E ela realmente não via muita perspectiva, né? Como é que ela ia fazer com o bebezinho pra sair e começar, né?? Porque a questão era essa, por onde começar? 

Até que um dia, esse cara chegou uma noite em casa e, sem a Daniela ter feito absolutamente nada, e nada justificaria, ele já chegou batendo na Daniela… E aí foi a gota d’água, ela ligou para o pai e, o pai, muito a contragosto, resolveu ajudar a tirar ela ali de casa. O pai e a mãe ali de comum acordo disseram pra Daniela que ela não poderia voltar pra casa, porque seria uma vergonha para a família… Que ela tinha abandonado o casamento e voltado, já era mãe solteira, enfim, né? Ela resolveu ali alugar uma casa, teve ajuda dos pais sim nesse começo, né? A mãe ajudava com leite e tal… Mas a coisa foi afunilando e ela não tinha pra onde ir… Ia vencer aquele aluguel e ela não tinha como pagar outro, né? Foi quando uma amiga dela mandou um link pra ela do Bolsa Família. 

Ela foi até um CRAS, se inscreveu e ficou ali esperando, porque era a única… Seria a única solução para ela. A Daniela foi aprovada por ser aí uma mãe solo em situação de vulnerabilidade, ela foi atendida por uma assistente social e começou a receber o benefício. E esse benefício inicial deu um gás na Daniela pra ela correr atrás das coisas. Então, ela começou a estudar aí pra um vestibular social… Ela ganhou bolsa pra cursar uma faculdade, ela usava o dinheiro do Bolsa Família pra comida e ia para a faculdade a pé. Levava o filhinho dela para a faculdade… E lá na faculdade ela teve muito apoio, os professores super apoiavam que ela levasse o bebê porque ela não tinha realmente com quem deixar, né? E aí ela conseguiu um emprego de atendente de telemarketing de meio período, que daria pra ela conciliar ali com a faculdade. E a vida da Daniela deslanchou… 

O benefício da Bolsa Família ajudou ali a Daniela, como tantas outras pessoas, a dar aquele primeiro impulso, a ter por onde começar, né? E ela diz que esse foi um grande marco na vida dela, porque ela estava ali com um aluguel vencendo, tinha o leite do filho que os pais davam, mas com pouca comida… E, enfim, situação precária… E aquele dinheiro que entrou do Bolsa Família pra ela foi o que deu o pontapé inicial para uma vida mais digna. E aí a Daniela me disse que ela estava escrevendo pra falar que ela participou desse programa do Bolsa Família e também pra deixar um recado para as mulheres que às vezes não saem de relacionamentos como o dela, violentos, abusivos, com medo de não sobreviver financeiramente. Que realmente é muito difícil e que uma política pública, uma assistência que você receba ali inicialmente pode realmente fazer a diferença na vida de uma mulher. 

Eu estou muito feliz de trazer essa história, essas histórias aqui pra vocês… Essa é a segunda história da nossa série. Agora a gente vai ouvir uma mulher incrível, mulher preta, maravilhosa, Daniela e, na sequência, o cara mais gente boa de todos, o Suplicy. 

[trilha] 

Daniela: Oi, Déia, Oi, Não Inviabilizers, é com muito prazer que venho aqui. Com muito orgulho, na verdade, venho aqui contar como que o benefício Bolsa Família impactou brutalmente do lado positivo a minha vida. Só quem já viveu um relacionamento abusivo sabe o quanto é difícil sair dele. E foi nessa transição da minha vida, foi super importante receber o auxílio… Eu não sabia que eu estava vivendo um relacionamento abusivo e foi graças a um grupo que eu vi milhares de mulheres passando pela mesma situação que eu, que eu percebi que não era normal o que estava acontecendo comigo. A ficha foi caindo… Era muita coincidência, um monte de pessoas passando pelo mesmo que eu estava passando. E aí a gente sabe que o relacionamento abusivo prende a gente de várias formas, uma delas foi financeiramente. Eu dependia muito do meu parceiro financeiramente e eu não conseguia me desvincular. 

A gente sabe que quando a pessoa abusiva percebe que a gente está tentando desvincular, é aí que ela faz mais força pra ficar… Então foi muito difícil dar um basta. E o auxílio me ajudou, o Bolsa Família me ajuda nessa transição, porque eu estava sem nenhum suporte, principalmente o financeiro… Foi uma amiga minha que mandou um link pra mim sobre o benefício. Eu não estava botando muita fé, eu fui lá porque eu realmente não tinha opção nenhuma de suporte, minha família não me dava o tipo de suporte que eu precisava. E aí eu fui… Não demorou muito, a assistente social foi muito carinhosa comigo, muito solícita… Me deram cesta básica, conversaram comigo sobre essa questão da vulnerabilidade… Eu fui muito bem amparada. E aí com dois meses, por pouco tempo, eu comecei a receber… Recebi o cartão e, com esse benefício, eu comecei a comprar umas coisinhas pra dentro de casa e o que sobrava eu usava de passagem para ir nas entrevistas de emprego, imprimir currículo… Sabe? 

Então, foi totalmente uma transformação quando eu consegui o emprego… Depois eu consegui fazer o vestibular social, eu ia para a faculdade andando, a pé… Eu levava meu filho comigo, mas eu ia. Então, quem conhece a minha história, pessoalmente, viu que foi uma transformação eu antes desse casamento e eu depois. Mas eu bato no peito e falo com muito orgulho que foi graças ao benefício Bolsa Família, que conseguiu me dar esse aporte financeiramente. Então, eu vim aqui contar essa história, dividir, porque tem muitas pessoas desamparadas que vivem a mesma situação que a minha, que tem medo, receio, “Mas, ah, como que eu vou me sustentar? Como vou sustentar meu filho?”. Eu ouvi bastante… Pessoas jogavam bastante na minha cara que eu não ia conseguir um emprego, quem ia cuidar do meu filho, como que eu ia me virar… E isso me fazia ficar muito presa ao que eu vivia e eu fiquei muito feliz, muito grata de terem apresentado o Bolsa Família. 

Não existe eu contar essa parte da minha história, da transição… Que foi uma verdadeira transição, foi o levante. Tudo que eu tenho hoje e tudo o que eu sou hoje foi graças a essa transição, essa libertação. Não tem como eu falar dessa fase sem mencionar o Bolsa Família, porque foi muito, muito importante mesmo, de verdade. Obrigada, Déia, por contar minha história, obrigada, Não Inviabilizers. E é isso, pessoal. 

[trilha] 

Eduardo Suplicy: Olá, Déia, oi, Não Inviabilizers. Ouvi com muita atenção o relato que você fez a respeito da Daniela, que foi uma pessoa beneficiada com o Bolsa Família e que mudou bastante a sua vida graças às oportunidades que a acabaram sendo concedidas pelo programa Bolsa Família, que resultou da decisão importante feita pelo presidente Lula desde outubro de 2003, quando ele resolveu unificar e nacionalizar os programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e o Fome Zero e o cartão alimentação. Sim, tem sido muito significativo o Bolsa Família, que contribuiu muito para reduzir a desigualdade e a pobreza extrema, especialmente durante os governos de Lula e Dilma Rousseff. E é importante que você saiba bem que o Bolsa Família constituiu um estágio na direção da renda básica de cidadania, que vai significar o direito de toda e qualquer pessoa, não importa a sua origem, raça, sexo, idade e condição civil ou socioeconômica de participar da riqueza comum de nossa nação. 

Eu gostaria de lhe contar uma experiência muito significativa da renda básica que está acontecendo nas vilas rurais do Quênia, onde eu, com a Mônica Dallari, fomos visitar e perguntamos às famílias: “Quando vocês começaram a receber 22 dólares, uma modesta renda básica por mês para os adultos com 18 anos ou mais, homens e mulheres, o que aconteceu? Passaram a trabalhar mais ou menos?”. “Muito mais, passamos a plantar muito mais, legumes, frutas e todo tipo de produto agrícola aqui perto da nossa casa”. O outro casal que diz que tinha adquirido novos aparelhos de pesca para produzir muito mais na pesca, outro que comprou uma motocicleta para transportar pessoas e coisas… “E que mudanças houve?”. “Ah, quando chega a renda básica nós nos reunimos, marido e mulher, para decidir quais as prioridades, quais atender… Primeiro, a educação para nossas crianças e filhos, depois algum móvel ou alguma mudança na casa que se torne tão importante… Por exemplo, mudar o telhado de sapé para o telhado de madeira e assim por diante”. 

“Que mudanças houve mais”. “Ah, nós, dez mulheres aqui da Vila, nos reunimos para a cada mês que chega à renda básica, a gente consegue para uma delas, para poder comprar um objeto de maior valor e assim todas são beneficiadas ao longo de dez meses”. “Que outras mudanças houveram desde quando começou?”. “Gradualmente, houve uma diminuição muito significativa, pois a violência doméstica contra as mulheres diminuiu em 51% após dois anos de aplicação da renda básica. E a violência sexual contra as mulheres diminuiu 66%, porque houve muito maior grau de autonomia para todas as mulheres que recebem a renda básica de cidadania”. Então, este é um depoimento, um testemunho que eu achei muito relevante para a história que você me contou, querida Andréia Freitas. 

[trilha] 

Déia Freitas: Bom, gente, é isso… Segunda história contada, vamo que vamo. Falta pouco… [risos] E, ai, nossa, amanhã tem mais. Um beijo e até amanhã. 

[vinheta: “Lula lá” no piano]