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título: número 2
data de publicação: 07/02/2024
quadro: segredo
hashtag: #numero2
personagens: adriano

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Segredo… Não conta pra ninguém. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais uma história do quadro Segredo. — Eu fiquei muito feliz de ver o tanto de e—mail que chegou aí com segredos de vocês. Realmente esse espaço é um espaço pra desabafar e para que você conte aí o seu segredo. Tudo vai ficar entre mim e você. Ou entre mim, você e os ouvintes. [risos] — E hoje eu vou contar para vocês a história do Adriano. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha]


O Adriano ele tem um irmão — sempre foi ele, o pai, a mãe e o irmão — e o irmão dele é um ano mais velho que ele, então pouquíssima diferença… E ele sempre notou que os pais davam mais atenção e privilégios ao irmão. E o Adriano tem certeza absoluta — agora que ele é adulto — que isso foi em decorrência dele ser gay. E o Adriano disse que desde que ele tinha, sei lá, uns quatro, cinco anos de idade, ele já sabia que ele era gay. — Ele já era diferente, entre aspas, dos outros meninos. Ele já queria boneca, ele já queria botar uma roupa diferente, enfim… — E os pais, notando isso, sempre repreenderam muito aí o Adriano. E a vida seguiu… Adriano lembra de muitas humilhações na infância feitas por seus familiares e, principalmente, por seus pais e pelo seu próprio irmão.

A meta do Adriano sempre foi terminar a escola, entrar numa faculdade federal. — onde ele não dependesse dos pais, mesmo porque os pais já pagavam a faculdade do irmão dele e disseram que não iam pagar dele e não conseguiriam pagar. Na verdade, eles não teriam mesmo dinheiro para pagar as duas faculdades, né? Mas ainda assim, se eles tivessem, o Adriano não queria. Ele sempre estudou em escola pública. — E aí passou dois anos estudando, até que conseguiu entrar numa universidade federal pra fazer direito e a vida seguiu aí com o Adriano aí estudando e sempre passando muito perrengue, porque ele estudava muito, tinha pouco tempo pra trabalhar e nunca teve um suporte realmente dos pais, né? Nas festas de família Adriano ouvia: “O Fulano que que é homem, que é decente… O Adriano a gente não sabe o que ele é”, dizia aí o pai e a mãe do Adriano, enquanto os familiares riam, né?


E aí o irmão dele casou, Adriano não foi convidado para ser padrinho, pra ter um destaque no casamento, né? O pai fez um discurso dizendo que estava casando o único filho e depois falou: “Meu Deus, desculpa, eu às vezes esqueço do Adriano” e todo mundo riu. [efeito sonoro de público dando risada] Enfim, o tempo passou mais um pouco, Adriano se formou, começou a trabalhar num escritório grande e a vida prosperou. O pai e a mãe do Adriano sempre moraram de aluguel e sempre foi um perrengue pra conseguir pagar as contas, mas ainda assim eles se esforçaram muito para pagar a faculdade particular do irmão. O irmão se formou em administração, mas daquele jeito, numa faculdade particular que ele não tinha muito interesse e aí acabou nem trabalhando na área, se casou, não aguentou pagar o aluguel e voltou pra casa dos pais com a esposa.


A cunhada de Adriano é naquela mesma vibe da família… Um pouco mais ainda, porque ela se diz uma mulher religiosa, né? Então todo mundo meio que aceita, entre aspas, o Adriano, mas sempre está fazendo piadinhas, sempre tá colocando Adriano pra baixo. E a família sempre passou perrengue financeiro e sempre morou aí de aluguel. — Durante anos numa casa e agora, recentemente, numa casa um pouco menor, num bairro mais afastado, porque as coisas apertaram e, enfim, a vida… — Paralelo a isso, Adriano sempre muito bem sucedido e com muito dinheiro, pegando casos aí — um advogado tributário —, resolvendo pepinos de empresas grandes e ganhando uma boa comissão. Só que Adriano resolveu que ele não ia contar para a família que ele estava bem de vida. E qual foi o jeito dele fazer isso? Dizer que tudo o que ele tem, o apartamento próprio dele, as viagens internacionais que ele faz de duas a três por ano — pra se divertir —, o carro importado que ele tem, tudo é do escritório, tudo é da firma e que os advogados com destaque recebem tudo isso. 


E para vocês terem uma ideia, a família do Adriano é tão péssima que acha realmente que ele não teria capacidade para ter esse dinheiro, que ele só tem as coisas que ele tem porque ele está nessa boa firma, que se ele sair dessa boa firma, ele vai perder tudo… — Só que tudo é dele. — E aí as vezes quando a coisa aperta pra pagar o aluguel, o Adriano dá 200, 300 reais pra inteirar o aluguel… Já emprestou mil reais pro irmão e fez o irmão devolver 100 por mês. — Sendo que mil reais, como ele disse, se ele quiser ele gasta num jantar, numa balada, [efeito sonoro de caixa registradora] mas para a família dele ele não dá e ele não faz. — E, recentemente, Adriano comprou a casa que a família dele mora e a família continua pagando aluguel. O mesmo aluguel… Sem saber que paga aluguel para o Adriano. Adriano já tem alguns imóveis, ele colocou uma holding… — Eu não vou saber explicar para vocês o que é holding. — Eles não tem acesso a esse tipo de informação, não tem como a família saber que a casa que eles moram e pagam aluguel é agora do Adriano. 


E o Adriano fez questão de comprar essa casa, foi atrás do dono… — Não ele, um colega dele, advogado, dizendo que tinha uma proposta e tal para a venda e o cara vendeu… Porque você está ali recebendo só o aluguel e pode, de repente, vender esse imóvel com a família morando e fazer os trâmites… — A família ficou sabendo que a casa seria vendida, mas que o novo proprietário — o Adriano mentiu que era uma nova proprietária. — continuaria com o aluguel e a família festejou… Porque sair, procurar outra casa… E o Adriano disse que se ele morrer antes dos familiares, eles vão descobrir tudo só depois da morte do Adriano e ainda assim ele fez de tudo para que a família fique com bem pouco, né? — Dos bens dele. — Mas ele espera que a família dele parta antes. [risos] Esse é o segredo. Ninguém sabe, além desse advogado que foi atrás de comprar a casa e fazer todo o trâmite e tal, ninguém sabe que a casa que os pais moram é do Adriano e que o Adriano, por meio da mesma imobiliária que já cobrava o aluguel, recebe o aluguel aí dos pais e do irmão, né? — Porque todos moram lá na casa. —  


Todos acreditam que ele não é bem sucedido, que ele tem sorte de estar numa empresa boa, para fazer essas viagens, para ter o carro da firma, que é o carro dele, né? Pra ter o apartamento da firma… E que Adriano jamais seria capaz de ter uma fortuna. Só que é o segredo do Adriano, ele é rico e ele comprou a casa onde a família dele mora — em segredo — e continua cobrando o aluguel da família. Se arrepende? Não. Vai mudar? Não. Como diz Adriano: “Só ele sabe o que ele passou na mão da família”. — Uma família perversa… — E que ainda passa, porque Adriano faz questão de manter ali uma cordialidade… Ele vai nas festas, mesmo as pessoas tirando sarro dele, como disse uma vez o irmão dele e a cunhada: “Ah, mas gay não conta, gay não presta”, só que estão lá morando na casa do Adriano, pagando aluguel… Dinheiro que o Adriano disse que desse aluguel ele paga ali umas coisas de tributo da casa mesmo e algumas continhas, que ele nem vê esse dinheiro, porque para ele é insignificante. Mas se a família soubesse que paga aluguel pro Adriano… [risos]


Eu, como sou uma pessoa vingativa, talvez contaria… Mas é um segredo que Adriano jamais quer contar, porque ele quer manter essa falsa cordialidade, que ele sabe que é falso, da família dele também… Que tem um pouco de interesse. Porque apesar de ele dar muito pouco dinheiro, ele ainda dá um pouco de dinheiro, né? E que ele não tem… Ele não tem realmente essa satisfação de contar para a família que tudo é dele. Pra ele é mais interessante que a família realmente pense que ele não tem nada e que “ah, a vida é dura para ele também”, sabe? — Para ele não ter que bancar ou ficar ouvindo pedidos e tal. — Que é o segredo dele e que ele tem muito prazer em saber e ele se acha uma pessoa que está bem sucedida na vida e que foi contra tudo que a família desejou pra ele, porque quando ele tinha 15 anos, o pai dele falou para ele que a única coisa que esperava do Adriano — e isso é muito forte, muito triste — é que quando ele tivesse 20 anos, ele não morresse numa sarjeta no meio da prostituição.


Hoje ele é um advogado muito bem sucedido com uma mãe que fica rezando todo dia para que o demônio saia do corpo dele e ele vire homem… E um irmão que mal tem um emprego que sustenta a esposa evangélica e também rezam por ele, para que o demônio saia do corpo dele. E ele está lá, rico, viajando, de carro importado, alguns imóveis, apartamento incrível… E como ele diz: “Tudo que a firma me fornece por eu ser um bom funcionário”. Então, esse é o segredo de Adriano… E, Adriano, seu segredo tá bem guardado aqui com a gente. 

[trilha]

Assinante 1: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, aqui é Bárbara e eu falo de Portugal. Adriano, primeiro, assim, queria que você sentisse um abraço bem apertado, bem aconchegante aqui, do fundo do meu coração. Segundo, eu não sou muito madura, [risos] então eu acho que eu não conseguiria manter esse segredo. Eu ia ser a pessoa que ia espezinhar, eu ia falar na cara de cada um, falar: “Tá vendo? Vejam só o que vocês desejaram para mim e o que eu alcancei”, mas é muito nobre sua maturidade e sua capacidade de não não ser assim, de não agir assim com a sua família. Por outro lado, eu desejo muito, assim, que a família que você escolheu, ou seja, os seus amigos, as pessoas com quem você tem uma relação mais próxima, que essas sim sejam a sua família de verdade, que essas sim te acolham, te abracem, te apoiem e façam tudo para que sempre você cresça, para aumentar o seu sucesso, aumentar sua autoestima e ser tudo de bom na sua vida. Então, um beijo, sinta—se abraçado e até mais. 

Assinante 2: Olá, Não Inviabilizers, tudo bem? Eu sou a Ana de Campinas. Olha, Adriano, eu te admiro muito, cara… Parabéns aí por ser quem você é, eu teria não só me vingado falando sobre o meu sucesso e que a casa onde minha família mora é minha, como eu jamais daria um real… Eu acho que você já está fazendo demais. Eu espero que você seja uma pessoa muito feliz e realizada. Parabéns, viu? Pela sua índole, pelo seu caráter, por você ainda ajudar. Desejo que você abençoe com o seu dinheiro outras vidas, aquelas que talvez sejam tão marginalizadas quanto a própria comunidade LGBTQIA+, que a gente sabe, a gente conhece… Então, espero que você possa ajudar uma ONG, um projeto social, que você possa investir a sua grana em ajudar outras pessoas. Um abraço, cara, tudo de bom para você. 

[trilha]

Déia Freitas: Então é isso, gente… Eu fico muito chocada com esse tipo de família, mas tem muito. — Eu recebo bastante carta assim… Carta… E—mail assim. E é muito triste, né? É muito triste. — Adriano faz terapia e lida de boa aí com esse seu segredo, né? — Que tá bem guardado com a gente. — Então é isso, gente, não esquece de baixar o Amazon Music pra escutar toda sexta—feira uma história nova no Histórias da Firma. Um beijo. 

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Segredo é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]